terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Hurtmold no Auditório Ibirapuera


E por falar em dinheiro bem gasto, que showzaço foi o Hurtmold no Auditório Ibirapuera no domingo. A apresentação era uma comemoração dupla (dez anos de banda e três anos de Studio SP) e contou com a participação de Paulo Santos, do Uakti.

Minha convivência com músicos de jazz acabou me causando uma certa ojeriza à música popular instrumental - quando um professor gabaritado diz que "música é só um pretexto pra improvisar" tem algo de errado com a concepção de "música" do cara... Por esse meu probleminha particular, sempre mantive um pé atrás em relação ao Hurtmold. Vi uma apresentação deles uma vez no Outs, achei interessante mas meio enfadonho - claro, até Bach soa uma merda com aquela acústica.

A apresentação no Auditório Ibirapuera, que tem uma acústica incrível e onde tive uma das melhores experiências estéticas da minha vida (concerto do Pierre Henry, indescritível), me pareceu uma boa oportunidade de encarar esse monstro de seis cabeças. E, nossa: que puta banda!

Eles são o oposto de tudo aquilo que me irrita no jazz. Para começar, as músicas são instrumentais, mas não têm NENHUM SOLO. A coisa mais parecida com um solo foi quando Paulo Santos ficou tocando alguns instrumentos malucos enquanto os caras do Hurtmold seguravam uma base constante. Mas nada exagerado, masturbatório.

Provavelmente deve haver alguns momentos de improvisação, mas a banda é tão coesa e tem um espírito de coletividade tão grande que realmente não dá para perceber quando isso acontece. Enfim, as músicas do grupo são compostas do início ao fim, tem uma história, um fluxo narrativo - elas vão de um ponto e chegam a outro, diferente da maioria das composições de jazz que vão do nada ao lugar nenhum. Embora nem todos os jazzistas tenham coragem de afirmar, como o meu professor, que a "música é pretexto para improvisar", boa parte deles age assim na hora de compor. Porque o jazz é basicamente um tema tocado no começo, seguido por uma sucessão de solos (de sax, guitarra, baixo, bateria, lápis no dente, cachorro latindo), seguido pelo mesmo tema do começo executado novamente. Complexo, não? E é esse tipo de música considerada o supra-sumo da "sofisticação". Se levarmos em conta que a maioria dos temas são umas bobagens, a situação complica mais ainda - experimente tirar os solos de "So what", que são incríveis, preciso admitir, e veja o que sobrou da música...

Voltando ao Hurtmold: uma banda sem solos, com espírito de coletivo, composições maduras (e inteiras...) e, por fim, com zero de virtuosismo. Eles são ótimos instrumentistas, principalmente o Takara na bateria, mas nada que faça cair o queixo. O vibrafonista, inclusive, toca só com duas baquetas. Porque o que importa é o todo e não a habilidade individual de cada um. Ela é só necessária para o que a música pede. E, com criatividade e maturidade, ninguém precisa tocar guitarra plantando bananeira.

Apesar de um monte de gente na platéia estar registrando o show com suas câmeras digitais, não encontrei nenhum vídeo da apresentação no Youtube. Então deixo vocês com o clipe de "Sabo", música que abriu o show e que traduz muito bem tudo o que eu disse sobre a banda. Prestem atenção como o tema que é tocado no início passa por um desenvolvimento para voltar transformado no fim da música- até me lembrou da famosa "forma-sonata"...



segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Meredith Monk - Impermanência

Eu não conhecia Meredith Monk, mas me interessei pelo que li sobre ela nos jornais. Para não fazer a mesma cagada que fiz com o show da Laurie Anderson, corri para comprar meu ingresso para a apresentação de Monk no teatro Santa Cruz. Ainda bem, porque foram os 47 reais mais bem gastos da minha vida.

Meredith Monk nasceu aristicamente na vangarda novaiorquina dos anos 70, enveredou pelo budismo e hoje faz uma música que é um misto de experimentação e espiritualidade. Sua estética pode ser chamada de minimalista, repetitiva. Suas músicas/peças são como mantras (um tanto "vanguardeados", é claro). Não se sai de uma apresentação de Monk do mesmo jeito que se entrou - o que me faz pensar que, se não fosse o casal com DUAS crianças que não paravam quietas ao meu lado, eu teria saído do colégio Santa Cruz transmutada em monja tibetana.

E, falando em monjes tibetanos, Monk faz aquela coisa absurda com a voz que esses monjes também fazem: consegue emitir DUAS notas ao mesmo tempo. Só que os monjes vivem no meio do nada e passam o dia todo meditando e treinando peripécias vocais. E Monk vive em Nova York e passa o dia compondo, ensaiando, bolando coreografias, filmando - sim, ela é o que podemos chamar de artista multimídia.

Mas voltando à voz: Monk também é mestra em usar microtons, em mudar de timbre de um segundo para outro e de utilizar os mais diversos barulhos vocais - desde risadas, estaladas de língua até sons inclassificáveis. Seu Vocal Ensemble, formado por 4 cantores-dançarinos, também é impressionante. Mas não se trata de vistuosismo exibicionista: a técnica é usada a serviço da música, que é contida, minimalista.

Impermanência é uma das únicas obras de Monk que utiliza palavras, embora não o faça o tempo todo. E, mesmo nos momentos "literários", a palavra está lá mais pelo som do que pelo significado. Agora imagine uma música essencialmente vocal que consegue tocar o ouvinte sem possuir uma letra com sentido. Foi uma das pouquíssimas vezes que me senti próxima ao sublime.

Fui procurar no Youtube algum vídeo da apresentação e eis que me deparo com um documentário sobre Meredith Monk dirigido por Peter Greenaway. Lá vai: