domingo, 26 de abril de 2009

U Nedogled


Disse que o Darkwood Dub voltaria a ser tema deste blog, mas não tinha ideia do quão rápido seria. Acontece que U Nedogled, segundo álbum do grupo lançado em 1996, é uma joia dos Bálcãs, além de ser um dos discos mais esquizofrênicos da História: tem punk rock, rap, raggae, dub, acid jazz...

Talvez essa profusão de estilos tenha sido simplesmente uma escolha estética dos caras, mas eu tenho uma teoria diferente: o underground de Belgrado era formado por um pequeno grupo de jovens interessados em tudo o que viesse do mundo ocidental e pudesse ser rotulado como "alternativo". Enquanto na Europa capitalista e nos EUA os jovens se dividiam em tribos que gostavam de um ou outro gênero musical específico, os jovens do underground de Belgrado ouviam Sonic Youth e Public Enemy e The Clash e Prodigy e Lee Scratch Perry - isso tanto durante a União Soviética como durante o governo ultranacionalista de Milosevic. A programação eclética da rádio B92 (que só se recusava a transmitir babas pop) é um bom exemplo dessa cultura multimusical de Belgrado que gerou o Darkwood Dub.

Mas, para tocar vários gêneros musicais não é preciso apenas ouvi-los: também é necessário dominá-los. E é aí que o DD realmente impressiona, pois tudo o que eles fazem, fazem bem. Os guitarristas me deixaram especialmente de queixo caído: vão do fraseado meio fusion/coll jazz de "Sudar" até o riff heavy metal que aparece na metade de "Babalu". O domínio dos efeitos (especialmente o pedal wah wah), o cuidado com os timbres e o entrosamento entre as duas guitarras são mais pontos positivos para a banda.

U Nedogled, no entanto, tem seus defeitos: "Karavan Osecanja" é um pop-rock chinfrim, "Filadelfija" é um folkzinho chato de doer (ninguém merece aquele refrão "Pa pa ra ran pa ra ra ran") e "Moa" é um reagge interminável que soa forçado (afinal os caras são de Belgrado, não de Kingston...). Os refrões de "U Nedogled" e "Ja Te Potponu Razumen" também decepcionam: as músicas vêm super elaboradas e do nada caem em um estribilho estilo "tra la la".

Tirando esses pequenos deslizes, U Nedogled é um disco irretocável. Destaque para a incendiária "Treci Vavilon" e seu clima Rage Against The Machine e para o dub viajadão de "Chromy".

Definitivamente, um belo monstro de múltiplas cabeças vindo da Sérvia.
Dá pra baixar dess blog aqui.

ps: fiquei chateada por não ter a menor ideia do que é falado nas músicas. Alguém aí sabe traduzir servo-croata??

sexta-feira, 24 de abril de 2009

440 Hz: Guerra (musical) nos Bálcãs


Nesse 440 Hz, quero dar a dica de um livro que estou lendo: Rádio Guerrilha - Rock e resistência em Belgrado, do jornalista inglês Matthew Collin. O livro conta a história da rádio B92, fundada em 1989 na capital da Sérvia (e, na época, da Iugoslavia) e que foi um dos poucos veículos de mídia que fizeram oposição ao governo de Slobodan Milosevic.

Apesar do tom anticomunista que toma conta do começo do livro (Collin parece enxergar o capitalismo como o salvador das pátrias da União Soviética que estava ruindo), ele é interessantíssimo: a partir da história de uma rádio quase-pirata, conta a História do desmembramento da Iugoslávia, da chegada dos nacionalistas sérvios ao poder e da limpeza étnica promovida por Milosevic e seus asseclas - um grupo que incluía burocratas do antigo partido comunista, hooligans e gângsters.

Uma das passagens mais interessantes do livro trata da relação da música com o governo de Milosevic durante a primeira metade dos anos 90. De um lado, havia o turbo-folk, estilo que misturava o que havia de mais brega no pop internacional com pequenos toques da música tradicional sérvia e ideologia nacionalista. Os artistas dessa vertente eram apoiados financeiramente pelo regime, com o qual mantinham laços estreitos: Ceca, vedete do turbo-folk, se casou com Arkan, ex-chefe de torcida de futebol, gângster e fundador de unidade paramilitar de limpeza étnica (gente boníssima...).

Em meio à guerra, ao genocídio e a uma economia em ruínas que chegou a registrar o inacreditável índice inflacionário de 313.563.558% ao mês, os artistas do turbo-folk mostravam um mundo de glamour e alegria embalado por canções de amor:



Do outro lado, um pequeno grupo de bandas independentes que se opunham ao nacionalismo cego tanto ideologiacamente como esteticamente e que tinham na rádio B92 um dos poucos canais de divulgação:



Legal, né? Provavelmente, o Darkwood Dub voltará a ser assunto desse blog.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Quem é o bandido, cara-pálida?

Cena 1 - quinta-feira, dia 9 de abril de 2009: munida de boa parte da minha conta bancária, vou à Baratos Afins comprar uns vinis:
Eu: "Vocês tem o disco da Feira da Vila Madalena?"
vendedor:"Não, tá esgotado"
eu: "E Gigante Negão, do Arrigo?"
vendedor: "Esgotou também".
eu: "Mas tem previsão de relançar?"
vendedor: "Ih... nada"
eu: "Ales Plastiq, do Carlos Careqa... tem?"
vendedor: "Nah..."

Cena 2 - sexta-feira, dia 17 de abril de 2009: corte sueca condena os fundadores do The Pirate Bay a um ano de prisão + multa astronômica para as gravadoras.

Ou seja: criar um site para facilitar o compartilhamento de cultura é crime, mas impedir que as pessoas tenham acesso à cultura, não. Mundo estranho, não??
E se os caras do TPB forem condenados mesmo (eles ainda vão apelar), preparemo-nos para a maior caça às bruxas de todos os tempos. É capaz que os blogs mais legais da Internet saiam do ar. Inclusive este aqui, que está longe de ser o blog mais legal da net, mas que passa endereços para downloads.

Mas só para esse post não ficar a coisa mais pessimista do mundo (e também para aproveitarmos o possivelmente pouco tempo de liberdade que nos resta), quero indicar um site que achei fodástico: o Avant Garde Project, que disponibiliza pérolas da música de vanguarda do século 20, gravadas diretamente de vinis e compactadas em FLAC (que não assassina o áudio como o MP3). E, se você não sabe por onde começar, o site ainda oferece um tipo de top 20 do acervo. Profissa.

E pensar que uma iniciativa como essa pode ser enquadrada como criminosa, enquanto as gravadoras (que tiraram esses discos de catálogo) são as coitadinhas da história... Mundo injusto.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Paulicéia Avant-Garde: Vanguarda & Turma da Mônica

O nome Tetê Espíndola quase que instantaneamente traz à mante os versos "Você pra mim foi o sol/ de uma noite sem fim...". Quem foi criança no fim dos anos 80/começo dos 90 também deve lembrar da participação de Tetê no filme "Mônica e a Sereia do Rio", no qual a cantora contracena com Mônica, a baixinha, gordinha e dentuça mais amada de todos os tempos.
Tenho uma priminha pequena que tem esse filme em DVD e fiquei sabendo que nessa nova versão a parte da Tetê foi limada. Uma pena. Se bem que, pra crianças acostumadas à computação gráfica e animação em 3D, a técnica usada no filme para juntar desenho e gente de carne e osso deve parecer uma piada. E é bem tosca mesmo, ao mesmo tempo em que é uma delícia: gosto de infância com sabor de vanguarda. A alma boa que atende pelo nick de bwzeroum postou as cenas em que Tetê aparece no Youtube. Pra mergulhar:









quarta-feira, 8 de abril de 2009

... porque eu não consigo parar de pensar/ouvir/falar de Radiohead

Alguém lembra dessa propaganda?
Foi por meio dela que muita gente (eu, inclusive) ficou sabendo da existência do Radiohead...

terça-feira, 7 de abril de 2009

Clássicos do dia 7 : Radiohead - Kid A



“Não sabia que era permitido compor música assim”

Quem viu os shows que o Radiohead fez recentemento no Brasil deve concordar que, dentre as bandas em atividade e levando em conta o que elas andam fazendo no momento, o grupo de Thom York e cia. é um dos mais importantes e influentes do mundo (eu arriscaria dizer que é O mais importante e influente...).
Mas para atingir o atual status, o Radiohead teve que percorrer um longo caminho. É possível apontar três momentos cruciais na trajetória da banda: o lançamento de OK Computer em 1997, de Kid A em 2000 e de In Rainbows em 2007.

OK Computer, com sua coleção de pérolas como “Karma Police”, “Exit Music (for a film)”, “Electioneering”, “Lucky” e a quase épica “Paranoid Android”, foi o disco que abriu os ouvidos da crítica e do público para esses cinco rapazes britânicos. Eles já haviam lançado dois discos mais-ou-menos (The Bends é até interessante, mas Pablo Honey...) e emplacado alguns sucessos como “Creep” e “Fake Plastic Trees”, mas foi com OK Computer que provaram não ser apenas mais um nome do britpop e muito menos mais uma imitação boba de Nirvana. Kid A, disco que veio em seguida, foi o momento em que eles mergulharam no experimentalismo, fazendo largo uso de elementos de música eletrônica de vanguarda. E In Rainbows foi o álbum em que o Radiohead aliou com perfeição o experimentalismo de Kid A com as melodias incríveis de Ok Computer, criando uma obra que pode ser usufruída em diversos níveis. Quem ouve pela primeira vez, ou ouve sempre de maneira superficial, encontra belas composições, melodias assobiáveis e alguns efeitos eletrônicos interessantes. Quem quer ir mais fundo se depara com pequenos detalhes escondidos em arranjos que, apesar de econômicos, não tem nada de simples.

Mas como o negócio aqui é esquisitice, falemos mais de Kid A.

Apesar de em todo lugar a autoria das faixas do disco estar atribuída aos cinco integrantes da banda, a sonoridade (des)construída pelo Radiohead nesse álbum se deve ao guitarrista Jonny Greenwood, que na verdade é um multi-instrumentista com uma bagagem musical surpreendente e talvez o único ser no mundo do rock que coloque Messiaen e Penderecki como grandes influências. Sobre Messiaen, aliás, olha o que ele disse numa entrevista:

I first heard Messiaen when I was 15 or 16—the Turangalîla-Symphonie—and just found it magical, especially with the ondes martenot swooping around with the strings (who seemed to be playing an entirely different piece of music). I didn't know it was allowed to write music like that.

Ouvi Messiaen pela primeira vez quando tinha 15 ou 16 anos – a Turangalîla-Symphonie – e achei mágico, especialmente pelo ondes martenot atancando junto às cordas (que pareciam estar tocando uma música completamente diversa). Eu não sabia que era permitido compor música assim.

Portanto, dá para inferir que boa parte das maluquices do disco é fruto da cabeça de Mr. Geenwood. Uma delas, aliás, foi utilizar o instrumento eletrônico ultra-vintage Ondes Martenot. Não sei (e não consegui achar essa informação em nenhum lugar confiável) em quais faixas exatamente ele utiliza o instrumento, mas sei que “How to disappear completely” é uma delas. No disco, o Ondes Martenot acabou um pouco escondido pela parte orquestral, mas nesse vídeo dá para ouvir bem a sonoridade da geringonça:



Outra maluquice foi ter usado samples de “Mild und Leise”, de Paul Lansky, e “Short Piece”, de Arthur Kreiger, em “Idioteque” (clique para baixar). Essas peças, exemplos da música eletrônica de vanguarda, foram lançadas em um álbum chamado First Recordings – Electronic Music Winners, de 76, que Jonny andava ouvindo bastante. É meio que impossível descobrir que parte de “Short Piece” foi usada em qual parte de “Idioteque”, mas vem de “Mild und Leise” (mais especificamente dos 0:43 aos 0:50 da peça) a fantástica progressão de acordes que sustenta a faixa de Kid A. Tanto que, em um relançamento do disco, “Idioteque” foi creditada como sendo de autoria de Radiohead e Paul Lansky.

A terceira maluquice atende pelo nome de “Treefingers” e é música ambiente na concepção mais “Brian Enoesca” do termo. Totalmente não-narrativa e constituída por pequenos elementos vão sendo adicionados e retirados, é como se “Treefingers” acontecesse não no tempo, mas sim no espaço. É música para ocupar lugares e não para realmente ser ouvida. É música feita para que você não preste atenção nela. Observação: não sei se “Treefingers” foi ideia de Greenwood, mas pelo background do cara, desconfio que sim...

Tudo no lugar errado

Mas não são só nesses três extremos que a esquisitice aparece em Kid A: todo permeado por elementos eletrônicos e arranjos que fogem totalmente ao que se espera de uma banda de rock (basta ver que as guitarras só aparecem para valer na SEXTA faixa, “Optimistic”), a impressão que tenho ouvindo o álbum é que as músicas são menos feitas de harmonia e melodia do que de climas, atmosferas. Claro que harmonia e melodia ajudam a criar o clima e a atmosfera, mas a grande força de Kid A está na “dança de frequências” possibilitada pela eletrônica.

As letras também produzem um efeito de estranhamento: afinal, o que versos como “Yesterday I woke up sucking a lemon” ou “Standing in the shadows at the end of my bed” querem dizer exatamente? Suponho que, exatamente, não queiram dizer nada. Assim como a parte instrumental de Kid A não pode ser compreendida dentro da lógica de melodia/harmonia, as letras não podem ser encaradas como códigos possíveis de serem decifrados. Elas sugerem certas imagens e situações, mas nada é preto-no-branco. O mesmo acontece com a arte do disco: que mensagem o Radiohead quer passar por meio das imagens (alteradas) de geleiras que vem no encarte ou por meio dos desenhos bizarros que vem na parte interna da embalagem? Novamente, suponho que seja nada. Ou melhor, não é nada que se possa apontar objetivamente.

Kid A é uma obra aberta em todos os sentidos. Sugiro que a melhor maneira de desfruta-la é não tentar procurar um sentido exato nela, e sim se deixar levar pelo que ela sugere. Também no mundo da música pop é permitido compor assim.

E no Lágrima Psicodélica dá pra baixar todos os discos do Radiohead. Vai fundo.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Você



Acabei de descobrir essa música e esse vídeo e estou simplesmente hipnotizada. Cada vez mais estou me convencendo de que, dentre as bandas em atividade e levando em conta o que elas fazem no momento, o Radiohead é a melhor. E que PUTA cantor é esse Tom Yorke. E que PUTA maluco é esse Johnny Greenwood. Aliás, fiquei sabendo outro dia que ele usou um Ondes Martenot no Kid A. Mas falo mais disso no próximo Clássicos do dia 7, que será sobre esse disco. Até.