quinta-feira, 27 de maio de 2010

My name is Noise 1

Seguindo a tradição de prometer e não cumprir, crio mais uma seção no blog: My name is Noise, sobre bandas que têm a palavra "noise" no nome.

Inauguro a seção com a banda inglesa que atende pela meiga alcunha Extreme Noise Terror, representante de um sub-gênero chamado grindcore, filho bastardo da união promíscua entre hardcore e death metal. Assim como o black metal, o grindcore prima pela antimusicalidade. É um som absolutamente (e propositalmente) medonho, que, segundo essa matéria da revista Vice, nasceu em nosso solo tupiniquim (Já dizia Noel Rosa que "a tosqueira, a podridão e outras bostas são nossas coisas, coisas nossas").

A (anti-)música do Extreme Noise Terror pode ser descrita como um amálgama de guitarras extremamente distorcidas e mal tocadas, uma bateria tão desconjuntada que parece que os caras pegaram bumbo, chimbal, pratos e caixas e arremessaram escada abaixo, e vocais guturais que entoam versos de protesto contra o sistema e pelos direitos dos animais - mas somente um ouvido super-humano pode entender as letras bem intencionadas; para os meros mortais, fica a impressão de que os vocalistas estão apenas vomitando na frente do microfone.

Por meio deste canal do Youtube, ouvi o primeiro LP do grupo, A Holocaust in Your Head, de 1989. Depois vi mais uns dois ou três vídeos de músicas de outros discos e confesso que não tenho disposição para ir atrás de mais coisas. Não sei se é porque passei meus anos de adolescência dando audiência para o Fúria MTV, o Oitenta e Noise e o Backstage, e acabei familiarizando meus ouvidos com esse tipo de música, mas o suposto terrorismo sonoro do ENT não me assusta nem empolga.

Na verdade, acho toda a proposta estética da banda um tanto ingênua. Primeiro porque em 1985 (ano de fundação do grupo), músicos que não sabiam tocar já não eram novidade no mundo do rock; segundo porque as letras são de um ativismo tão simplório que chega a constranger (essa aqui, por exemplo); e terceiro porque não há nada de original ali.

Na cena no wave novaiorquina, por exemplo, os artistas se valeram da própria ignorância musical para criar uma nova música. Eles pegavam uma guitarra e, não sabendo tocar nenhum acorde ou compor melodioas, tiravam som do instrumento esfregando uma garrafa de vidro nas cordas ou batendo nelas com baquetas ou simplesmente descendo a mão de maneira completamente caótica - Pat Place, guitarrista do Contortions conta que, nas primeiras apresentações do grupo, saiu do palco com os dedos sangrando, de tanto esmurrar e arranhar o instrumento. Já o Extreme Noise Terror simplesmente executa uns três ou quatro power chords em uma guitarra com a distorção no máximo. Além disso, com o passar dos anos, o grupo foi se aproximando cada vez mais do metal, o que acabou por acertar a rítmica desconjuntada da bateria - elemento que causava um baita mal-estar sonoro (mas, como a ideia era causar mal-estar, talvez não tenha sido uma sacada muito inteligente).

Analisando bem, os caras têm mais barulho no nome do que na música em si...

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Leiturinhas parte 2

Do livro Música Impopular, de Julio Medaglia - capítulo Música Eletrônica (os negritos são meus):

"Assim como um compositor dodecafonista se policiava ao extremo, evitando todo e qualquer acorde que pudesse lembrar um encadeamento tonal-tradicional, o de música eletrônica, na criação do seu arsenal sonoro, cuidava para que ele fosse inteiramente original e livre de qualquer associação com sons ou ruídos existentes. [...] Os sons inventados para uma composição assim como sua estruturação são utilizados uma única vez. Os teipes preparados são, em seguida, apagados, restando, por fim, apenas a matriz da qual são feitas as cópias em fitas ou discos.

"Em linhas gerais, a composição de música se processa da seguinte maneira: a obra é realizada pelo compositor inteiramente dentro de um estúdio de gravação com a ajuda de um técnico. Esse estúdio possui um gerador de frequências que emite um som sinusoidal, a matéria-prima básica do compositor. A diferença entre um som sinusoidal e aquele produzido por instrumentos tradicionais é que o som sinusoidal é "puro", não tem timbre. Se analisarmos num aparelho especializado as características de um som produzido por um instrumento tradicional, vamos observar que, além do som fundamental, aquele que lhe dá nome (dó, fá-sustenido, si-bemol), certa quantidade de sons menos audíveis também integra sua estrutura e são chamados de harmônicos. [...]

"De acordo com o instrumento que emite o som, varia a quantidade de harmônicos, suas intensidades, alturas e durações (os "harmônicos são intermitentes). A relação estabelecida nesse conjunto de características dos harmônicos presentes num som é que determina seu timbre. Na realidade, cada harmônico é um som sinusoidal. Assim, o compositor registrando numa pista do gravador um som sinusoidal básico (fundamental) e for acrescentando nos demais outras frequências (hoje existem máquinas que gravam canais simultâneos e independentes), ele tem condições de inventar o timbre que quiser. [...]

"O material utilizado pelo compositor varia do som ao ruído. No som, com coloração determinada, os harmônicos possuem um relacionamento proporcional entre si, chamado de "peridiocidade". Quando não existe esse relacionamento "periódico", os harmônicos se atritam e o resultado é o ruído. Para a música eletrônica, o som e o ruído tanto fazem parte de sua linguagem como as vogais e consonantes em qualquer idioma. [...]

"O repertório sonoro criado pelo compositor vai sendo armazenado num arquivo e quando ele estiver completo os fragmentos vão sendo pinçados e editados num processo semelhante ao da montagem de um copião cinematográfico. Desse copião é extraída, então, a fita-matriz da peça."





Nessas, acabei conhecendo esse canal incrível no Youtube - pena que a qualidade de áudio do site seja bem precária:
http://www.youtube.com/user/NewMusicXX

terça-feira, 11 de maio de 2010

Leiturinhas

Dois textículos bem interessantes sobre música disponíveis na internet:

The wolf at our hills (Jan Swafford para a Slate Magazine): esse texto é uma resenha do livro How equal temperament ruined harmony (and why you should care), do professor Ross W. Duffin, mas vai muito além do compre ou não compre/leia ou não leia: é uma pequena aula sobre os sistemas de afinação ocidentais, desde a Renascença até os dias de hoje. E também é uma prova de que o mundo da música pode ser ao mesmo tempo fascinante, enlouquecedor e até um tanto fútil.

How black is black metal (Kevin Coogan): este também é uma resenha, só que do polêmico livro Lords of chaos, de Michael Moynihan e Didrik Sederlind, que conta a história da ainda mais polêmica cena black metal norueguesa do início dos anos 90. Kevin Coogan usa sua técnica de jornalista investigativo para destrinchar as ligações entre black metal, igreja de satã, organizações nazi-fascistas, Charles Manson, a cultuada banda de industrial Throbbing Gristle e o autor Michael Moynihan (que é assumidamente de extrema-direita). Ele aproveita para explicar a diferença entre fascismo/terrorismo cultural (praticado pelo Throbbing Gristle) e fascismo/terrorismo de fato (praticado por Moynihan, Varg Viekernes e todo esse pessoal bacaninha).
Observação: em alguns momentos do texto, Coogan ataca o comunismo, o que pode levar à ideia de que ele também é simpático ao ideal de extrema-direita. Dei uma pesquisada e descobri que ele lançou um livro (Dreamer of the day: Francis Parker Yoker and Postwar Fascist International) pela editora Autonomidia, especializada em obras de caráter anarquista. Portanto, pode ler sem medo que Coogan é um cara confiável.

Por fim, queria indicar o livro Rip it up and start again - Postpunk 1978-1984, do jornalista musical Simon Reynolds. Ainda estou no começo, mas só o prólogo já valeu os reais investidos: ao comparar o que veio antes do punk (como Frank Zappa, Brian Eno, krautrock e a santa trindade glam rock David Bowie/Lou Reed/Iggy Pop) com o que veio depois (no wave, industrial, Joy Division, PIL), ele chega à seguinte conclusão:

In hindsight, is punk rock that seems the historical aberration - a clear-the-decks return to basic rock'n'roll that ultimatelly turned out to be a brief blip in an otherwise unbroken continuum of art-rock spanning the seventies from start to finish.
[tradução livre: Em retrospecto, o punk rock é que parece ter sido a aberração histórica - um retorno ao rock básico que acabou sendo apenas uma pequena quebra no contínuo de art-rock que, não fosse o punk, teria acompanhado os anos 70 do começo ao fim]

Ou seja, Reynolds praticamente esvazia a importância musical do punk rock. A história de que o punk salvou o mundo do rock progressivo de grupos como Yes e Emerson, Lake & Palmer é uma falácia: já antes de 1976 (ano zero do punk rock) havia outras bandas/artistas fazendo coisas muito mais interessantes que o progressivo xarope e que o próprio punk. Moço corajoso esse Simon Reynolds...