segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

MuCoMuFo 3: Matana Roberts

Acabei de conhecer essa saxofonista/compositora estadunidense (mas com um pé bem fincado na África), então não tenho nem muito o que discorrer sobre o som dela. Mas uma coisa é fato: Matana mete os dois pés no peito sem dó. Jazz experimental pesadíssimo.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Porque Natal com música errada é muito mais feliz!


Natal é aquela época em que todos os setores competem para se superar na breguice: as decorações são atrozes, as mensagens são medonhas, as propagandas dão enjoo e as músicas... meodeos! Letras piegas, arranjos de mau gosto na velocidade 5 do créu e tudo isso embalado em capas de disco deste naipe.

Aí surge essa compilação toda trabalhada em noise, power electronics e música errada em geral para quebrar o clima de pseudo-felicidade hipócrita. Eu só conhecia o Guanoman, mas também pirei nas outras faixas, especialmente as do ReNero e do Syrinx.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Da série: Virgi!

Na real, nem achei o resultado tão espetacular, mas que encontro, hein? Thurston Moore e Prurient:



Curiosidade: outro dia, estava escutando o EP "novo" do Prurient, Time's Arrow, na firrrma e a colega do lado perguntou se eu tava ouvindo Idoser de alucinógeno, hahahaah


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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Só dando um pulinho...

Só para não falar que eu nunca mais apareço por aqui, venho compartilhar minha mais recente semi-obsessão:



A banda já era fodaça, aí teve essa ideia de chamar mais um integrante e fazer essa bateria siamesa que, além do som tijolada na testa, fica incrível visualmente. E falando em visual: que figurinos, meo deos!

O que eu amo no Melvins é a forma como eles levam a música à sério, mas não se levam à sério.

ps: tenho duas entrevistas órfãs que, ao contrário da entrevista com o Attila, não encontraram pais adotivos. Então logo menos elas pintarão por aqui.


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terça-feira, 15 de novembro de 2011

O fim (ou não)


Ninguém sabe direito o que será do Sonic Youth daqui pra frente - e na real, ninguém sabe direito que raios aconteceu, visto que o tal comunicado sobre a separação do Thurston e da Kim sumiu do site da Matador em dois segundos e todo mundo que deu a notícia o fez baseado em outras fontes que não a original.

Mas enfim... se o show que eles fizeram no SWU ontem foi o último da carreira, se despediram muito bem. Tirando o fato do show ter sido curto (o que não foi culpa deles, e sim uma exigência do formato festival), tudo o mais foi lindo, desde o início matador com Brave Men Run emendada em Death Valley 69 até o final igualmente matador em que a barulheira comeu solta e livre por quase 6 minutos.

A apresentação foi, de certa forma, uma síntese do que é o Sonic Youth, a banda que conquistou de vez o espaço para o ruído dentro do rock, que levou a revolução guitarrística de Glenn Branca para a MTV, que uniu melodias quase grudentas ao experimentalismo casca grossa, que abraçou Nirvana e John Cage - e Lydia Lunch e Merzbow e Carpenters...

Valeu, SY. Vocês vão fazer falta.





domingo, 6 de novembro de 2011

Plunderphonics

Plunder =roubar
Phonic = relativo a som

No mundo da música tradicional, um compositor cria uma obra e então registra em uma gravação.
No mundo do plunderphonics, um compositor (neste caso, também chamado de "pirata", "ladrão", "aproveitador" e "bandido") usa uma gravação já existente para criar uma nova obra. Encaixam-se nessa categoria o sampling, o mash-up, o turntablism, o remix, as experiências com rádios, gramofones e fitas magnéticas dos músicos concretos e de John Cage.

Além de desafiar a poderosa (não por muito tempo...) indústria do copyright, a prática do plunderphonics coloca em xeque as noções de originalidade e individualidade, tão caras à música ocidental, mistura os mundos da high art e low art até o ponto em que essas definições deixam de fazer qualquer sentido, e transforma equipamentos que reproduzem som em instrumentos que produzem som.

As primeiras experiências apareceram no terreno da música de vanguarda/eletroacústica, mas ainda tinham um elemento de acaso, não eram tão auto-conscientes - por exemplo, em Imaginary Landscapes nº 4, Cage botou sobre o palco vários rádios em estações aleatórias.

O primeiro exemplo de "roubo sonoro" deliberado foi feito por James Tenney em 1961 com a gravação de Blue Suede Shoes, do Elvis. O resultado final é a peça Colage #1, que faz referência à original - é possível reconhecer o som do Elvis em alguns momentos - ao mesmo tempo em que é algo totalmente diferente:



Outro crássico do gênero é a gravação de Pretender, da Dolly Parton, manipulada por John Oswald.



Em 1989, Oswald juntou todos os seus trabalhos em um CD sabiamente intitulado Plunderphonics. Mas o seu Michael Jackson - que estava ali no meio dos sons roubados - se sentiu errr... roubado e moveu, junto com sua gravadora, um mega processo que resultou na absurda decisão judicial que obrigou Oswald a destruir todos os CDs que ainda não haviam sido distribuídos. Mas em 2002, ele lançou de novo o disco - e aí o MJ já estava mais preocupado em provar que ele próprio não era criminoso.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Desabafo

Só queria deixar registrado meu profundo desprezo, rancor e ódio por todos que assistiram o show do Attila com a Dimanda na sexta-feira passada e não se deram ao trabalho de fazer uma porra de um videozinho.

Pronto, escrevi.






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domingo, 23 de outubro de 2011

Dúvida


Eu que estou com algum problema sério no canal auricular e/ou no cérebro ou esse disco da bizarra parceria Lou Reed/Metallica é, digamos... bom?

Pra quem ainda não ouviu, Lulu está disponível em streaming aqui.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Como tretar com classe


Quem tá por dentro do que rola na imprensa musical já deve ter visto a baixaria sem limites envolvendo umas figurinhas deprimentes da crítica musical troll, novos artistas, jornalões e a comunidade virtual de uma revista finada. Se você não faz a menor ideia do que eu estou falando, você é uma pessoa de sorte. Mantenha-se assim.

Mas se você conhece a encrenca toda e também está de saco cheio de mimimi e discussões que vão do nada a lugar nenhum, trago aqui um exemplo de como tretar com classe.

Em 95, um repórter da Radio 3 levou pro Stockhausen músicas de artistas eletrônicos mais """comerciais""". Aí o Stockhausen ouviu e fez altas críticas. Então, o repórter levou as críticas pros caras e aí eles fizeram a crítica da crítica.

O foda é que são críticas pesadas (bem mais que "vc é uma tia véia"), só que tudo na maior finesse, porque os argumentos são baseados em música e não em... nada. É uma treta entre artistas adultos, discutindo seus conceitos de música, e não entre garotos se pegando na saída porque não têm nada melhor pra fazer.




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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Post pequenino

Cato Salsa Experience = banda de rock da Noruega
The Thing = trio do Mats Gustafsson (um deles...)
Who the Fuck = música da PJ Harvey



Legal, né?

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Tremei...

Guarde a data: 21 de outubro de 2011. Neste dia haverá um show de ninguém mais ninguém menos que Diamanda Galás E Attila Csihar (não tenho certeza se será um duo ou se o Void ov Voices só vai abrir pra ela, mas mesmo assim é foda). Essa maravilha será em Copenhague. Se você, como eu, não pode se dar ao luxo de fazer uma bate-e-volta na Escandinávia, chore. Ou reze para alguma alma caridosa gravar a apresenatção e colocar no youtube.


E caso você tenha caido de pára-quedas neste blog e/ou neste planeta e está se perguntando quem são esses dois na noite, eu vos apresento.

Esta é a senhorita Galás:





E este é o seu Attila:

domingo, 18 de setembro de 2011

MuCoMuFo 2


E continuo com minha campanha Mulheres Contra a Música Fofinha, aka MuCoMuFo.
Agora com a violista Mandy Drummond, a saxofonista Ingrid Laubrock e a violoncelista Hannah Marshall, do Sol6, que conta também com três homens e fez um show lindo hoje no Centro Cultural São Paulo.

Não tem nenhum vídeo deles no Youtube, mas dá para ouvir algumas faixas no site do baixista, Luc-Ex. Só clicar aqui.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Virgi...

Que coisa infame... Curti.

PRURIENT - A Meal Can Be Made by Hydra Head Records









segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O fator Mike Patton

Sem Mike Patton:



Com Mike Patton:



Cada um tire suas próprias conclusões...

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Rascunho do inferno

Em junho do ano passado, fiz um post falando um pouco sobre certas músicas feitas com a intenção deliberada de torturar o ouvinte. Eis aqui mais um exemplo, que dispensa descrições:



UMA FAIXA.
UMA HORA.

Espancadora de pedal steel strikes again


Faz uns dias, postei um vídeo da Heather Leigh Murray. Fiquei sabendo da existência dessa moça por meio do documentário Her Noise, que está lá na linda Ubuweb - na verdade, não é um documentário, é meio que o making-off de uma exposição chamada Her Noise, que, como o nome sugere, juntou um monte de mulheres que fazem barulho. Literalmente.

Bom, pirei no som dela e então joguei Heather Leigh Murray no Google. Impressionante, mas em plena segunda década do século 21 a moça não tem nem site, nem myspace, nem um modesto blog ou twitter. O máximo que achei foram uns vídeos meia boca no Youtube. Até que um colega indicou este lindo blog, cujo menu é só carne de cavalo, e lá estava: um disco dela para ser baixado - quer dizer, não exatamente dela. É do duo Jailbreak, formado por ela e pelo baterista Chris Corsano, a mesma dupla do vídeo.

The Rocker (essa coisona branca no topo do post é a capa dele) consiste em quase 37 minutos de noise/improvisação livre/fritação. Nunca um pedal steel foi tão mal tratado (no bom sentido!). O link tá aqui.


domingo, 28 de agosto de 2011

Clássicos do dia 7: Diamanda Galás - Masque of Red Death pt. 3



E eis que chegamos à última parte da trilogia Masque of Red Death, o disco You Must be Certain of the Devil. Enquanto as letras do primeiro disco eram, com exceção de uma, tiradas do Antigo Testamento, e as do segundo disco de poemas franceses do século 19, as letras de You Must be Certain of the Devil são de autoria da própria Diamanda Galás, com apenas alguns excertos bíblicos no meio.

Por isso, encontramos referências diretas a AIDS, à polêmica de que a doença seria um castigo divino e ao tratamento dispensado aos infectados:

“Do you fear the cages they are building in/
Kentucky Tenessee and Texas/
while they are giving ten to forty years to find a cure?//
In Kentucy Harry buys a round of beer/
to celebrate the death of Billy Smith, the queer/
whose mother still must hide her face in fear”
(Let’s not chat about despair)

“The devil has designed my death/
and he’s waiting to be sure/
that plenty of his black sheep die/
before he finds a cure”
(Let My People Go)

“... the red eyes of the pentecostal killers/
and the black eyes of roman catholic killers/
and the blue eyes of the pinhead skindhead killers”
(Malediction)

É interessante ver como de um disco para o outro a música vai, de certa forma, de desradicalizando. É claro que a temática continua pesada e os arranjos (especialmente a parte da voz) continuam muito longe do convencional, mas em You Must be Certain of the Devil é possível identificar traços de blues no piano de Let’s not Chat About Despair, e de spiritual em You Must be Certain of the Devil, faixa que também tem um clima alegre, proporcionado pelo ritmo e pelo uso do órgão Hammond – ainda que esta alegria seja usada de maneira irônica, para criar um contraste com a letra, nada alto-astral, e com os berros medonhos que aparecem no final. E Double Barrell Prayer, que virou videoclipe, não soaria completamente alienígena se tocada em um clube gótico (não consegui incorporá-lo, então se quiser ver, só clicar aqui).

Há também no disco duas canções tradicionais americanas: Swing Low Sweet Chariot (cujo arranjo eu devo confessar que acho muito ruim) e Let my People Go. Esta última é, originalmente, um spiritual sobre Moisés atravessando o Egito levando o povo hebreu. Mas Galás mudou a letra (para ter uma ideia, o novo refrão é: “O Lord Jesus, do you think I served my time?/ The eight legs of the devil now/ are crawling up my spine”) e criou um arranjo bastante sombrio utilizando apenas voz e piano.

A última faixa do disco é o famoso salmo “The lord is my shepard”. Só que, em vez de musicar o texto bíblico, como fez em Divine Punishment, aqui Galás apenas recita as palavras, sem nenhum acompanhamento instrumental. É bastante angustiante e aflitivo, pois ela faz voz de quem não está conseguindo respirar direito. Soa como a última oração de um moribundo.

Abaixo, a famosa tatuagem de Galás:


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Attila, seu huno

E foi publicada no blog Intervalo Banger a primeira parte da minha entrevista com Attila Csihar. Que ele é o atual vocalista do Mayhem (com quem também gravou o crássico De Mysteriis Dom Sathanas), membro-sombra do Sunn O))), fundador do Tormentor e que colaborou com trocentos projetos, de Jarboe a Keep of Kalessin, todo mundo já sabe. Então aqui vão algumas facetas menos conhecidas do cara:

Faceta EBM: Plasma Pool (convém não olhar as imagens do vídeo)



Faceta techno black metal: Aborym



Faceta one-man-band: Void ov Voices



Faceta além de qualquer compreensão: Burial Chamber Trio



(desculpe a qualidade - aliás, a falta de - do áudio. Iutubiu é fueda...)

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Dignity of Labour

Da série "Músicas para ouvir em uma tarde gelada":



E sim, é o mesmo Human League que depois lançaria Don't You Want Me.
E sim, é o mesmo Human League que depois lançaria Human.
E sim, isso também me faz perder um pouco de fé na Humanidade.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Kevin Drumm


O show do Kevin Drumm - e, em especial, o set com o Objeto Amarelo - foi uma experiência sobrenatural, intensa à milhonésima potência: chão tremendo, órgãos internos vibrando, coração acelerando, sustos, e também momentos de calmaria, drones. No finalzinho, quando do nada ele simplesmente cortou todo o som, a sensação foi de cair num abismo. Um abismo de silêncio. Saí do SESC vendo estrelas e acho que vou continuar assim durante alguns dias.

E aqui tem uma entrevista com o cara, feita pelo Amauri Gonzo e com uns pitacos desta que vos escreve.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

MuCoMuFo

Estou lançando o movimento Mulheres Contra a Música Fofinha, aka MuCoMuFo.
Pra começar, a espancadora de pedal steel Heather Leigh Murray:



Clássicos do dia 7: Diamanda Galás - Masque of Red Death pt 2


Saint of the Pit, segundo disco da trilogia Masque of Red Death, foi lançado em 1988, e conta com a participação de FM Enheit, do Einstuerzende Neubauten, na percussão de algumas faixas (esqueci de dizer que em Divine Punishment é a própria Diamanda Galás quem executa todos os instrumentos).

O disco, que abre com a faixa instrumental La Trezième Revient, composta por camadas de órgãos, é menos satânico que o disco anterior. Dessa vez, Galás deixou os textos bíblicos de lado e musicou poemas de Baudelaire, Gerard Nerval e Tristan Corbière. Mesmo assim, tanto o clima geral das faixas quanto o conteúdo das letras continua pesado, com muitas referências a morte, castigo e sofrimento.

Novamente, Galás faz uma ponte entre duas épocas e duas realidades diversas, porém semelhantes, usando obras de poetas malditos do século 19 para ilustrar a condição dos portadores de HIV nos anos 80 do século 20. Para isso, segue a mesma linha de Divine Punishment: parte instrumental econômica porém agressiva e vocais absurdos, muitas vezes sobrepostos.

Em Saint of the Pit, ela explora tessituras mais graves, assim como técnicas típicas do canto lírico (por exemplo, sustentar uma mesma nota por muitos compassos com um certo vibrato). Aprofunda a investigação do canto de lamento com toques de Oriente Médio – que já havia iniciado em Deliver me from my enemies pt. IV, do disco anterior – na faixa Ezeaóyme, que mais para o fim se torna uma cacofonia de vozes. E, como sempre, trabalha com timbres considerados feios pelos ouvidos menos acostumados. Cris D’Aveugle, por exemplo, começa com gritos tão agudos que podem ser descritos como o equivalente vocal de unhas arranhando a parede.

Enfim: 100% expressividade, 0% concessão ao gosto médio do público, ao mercado, ao agradável. Como tudo o que Diamanda Galás faz.


quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Troféu como não escrever sobre música - and the winner is...

Gosto de músicos que refletem sobre a arte que fazem, gosto de músicos que escrevem essas reflexões e gosto do Liturgy. Dessa forma, foi com a maior boa vontade que li o manifesto "Transcendental Black Metal", escrito por Hunter Hunt-Hendrix, vocalista-guitarrista da banda. Mas nem toda a boa vontade do mundo seria suficiente para achar qualquer coisa de prestável em suas (felizmente poucas) páginas. É um pastiche de Nietsche, Marx, Walter Benjamin, conhecimentos primários de física, química e biologia, frases de efeito e metáforas, tudo embalado por uma escrita tosca e repetitiva.

É tão absurdamente LIXO que me dei ao trabalho de traduzi-lo, só para que mais gente consiga entrar em contato com essa peça rara da pseudo-filosofia musical. Se você não sabe o que é vergonha alheia, aqui está uma chance de provar o gostinho agridoce do constrangimento. Mas antes do horror, um clipezinho do Liturgy, só pra provar que a banda é realmente interessante, embora com alguns probleminhas (falarei sobre ela em breve...):




Black Metal Transcendental - Uma visão do humanismo apocaliptico

Prologomenon

Alguém pode propor um novo significado para o black metal junto com uma nova gama de técnicas para ativar esse significado. O significado do Black Metal Transcendental é Afirmação, e sua nova técnica é o Burst Beat.

A vontade de potência possui dois estágios. O primeiro pode ser chamado de Fortificação; o estabelecimento de um paradigma ou conjunto de regras e, consequentemente, a exploração do potencial que está contido nesses limites. O segundo estágio pode ser denominado Sacrifício; uma auto-destruição, uma auto-superação na qual as regras iniciais, completamente digeridas e satisfeitas, são então mutiladas. Elas são transformadas na base de algo novo e inédito.

Black Metal Transcendental é o black metal no modo de Sacrifício. É a retirada das características superficiais e uma nova exploração da essência do black metal. Como tal, é solar, hipertrofiado, corajoso, finito e penúltimo. Seu tom é a Afirmação e sua técnica-chave é o Burst Beat.

Hoje, USBM vive à sombra do Black Metal Hiperbóreo. Chegou a hora de uma ruptura decisiva com a tradição europeia e o estabelecimento de um black metal verdadeiramente americano. E devemos falar “americano” em vez de “US”: os US são um império em declínio; a América é um ideal eterno que representa dignidade humana, hibridização e evolução criativa.

O ato de reniquilação é a traição do Black Metal Hiperbóreo e a afirmação do Black Metal Transcendental. E é, ao mesmo tempo, a constituição de um humanismo apocalíptico a ser chamado de Aesthetics. Assim sendo, a questão do Black Metal Transcendental é somente a ponta do iceberg em cuja base está escondida uma nova relação entre arte política, ética e religião.

Parte I - A morte de Dead

O vazio tátil como causa final

A história do metal pode ser considerada em termos de níveis de intensidade. Considerado dessa maneira, o black metal mostra-se como a culminação ou ponto final dessa história, e também uma rua sem saída.

O desenvolvimento histórico do metal extremo não é uma série acidental de mudanças estilísticas. É teleológica – governada por um Ideal, ou uma causa final, vagamente entendido porém intensamente sentido. Essa causa final é chamada de Vazio Tátil.

O Vazio Tátil é um valor de intensidade hipoteticamente total ou máximo. É o horizonte da história do metal.

A orientação em direção ao Vazio Tátil é expressa como sentimento. O sentimento é uma unidade, mas em pensamento podemos dividi-lo em quatro elementos:

Há, em primeiro lugar, uma certa contração muscular, uma constrição das mandíbulas, pulsos, braços e tórax.
Em segundo, há um afeto: uma certa agressividade ou brutalidade, uma sensação paradoxal de poder, destruição, plenitude e vazio.
Em terceiro, esboça uma satisfação primordial relacionada ao afeto que age normativamente. Bom metal produz um aroma satisfatório de contração, constrição e afeto brutal.
Finalmente, há um je ne sais quoi vagamente discernível que diz “não é suficiente”. Uma insatisfação complementar – como se qualquer colapso brutal não fosse brutal o suficiente. É uma fissura, uma rachadura, uma falta de ser. Uma insuficiência comparada à plenitude prometida. Talvez seja a incapacidade de qualquer música concreta se equiparar à inspiração que a gerou. Paradoxalmente, essa insatisfação é sentida em proporção direta ao nível de seu complemento.

É essa insatisfação, esse quarto elemento, que faz com que o metal extremo desenvolva novos estilos ao longo do tempo. É o impulso da causa final. Esse buraco, essa fissura, é o anjo que guia a história do metal. Vemos o metal marchar em direção ao vazio, deixando thrash, death metal e black metal, sucessivamente, como resultado.

Mas a promessa feita pelo Vazio Tátil é uma mentira. Só sua ausência se faz presente.

Transilvanian Hunger

Black Metal Hiperbóreo é a culminação da história do metal extremo. O Black Metal Hiperbóreo nasceu no Círculo Ártico, que é tradicionalmente conhecido como região Hiperbórea. A região Hiperbórea é uma terra não cultivada porque falta periodicidade. Não há morte ou vida lá, porque o sol não nasce nem se põe.

Black Metal Hiperbóreo é a culminação da história do metal extremo (que é a culminação da história da Morte de Deus). O sujeito dessa história pode ser comparado a um alpinista, fazendo manobras sobre e através os vários terrenos de thrash, grindcore e death metal – ou então, escavando esse terrenos nas encostas das montanhas – e lutando para alcançar o Vazio Tátil, vagamente entendido porém fortemente sentido, vislumbrado claramente do cume.

Black Metal Hiperbóreo representa a chegada do alpinista ao pico e um suposto salto a partir dali, indo diretamente para dentro do Vazio Tátil. Uma intensidade total, máxima. Uma completa enchente de som. Uma plenitude absoluta.

Mas lá ele aprende que não é possível distinguir a totalidade do nada. Ele aprende que é impossível saltar para dentro do horizonte. E ele é deixado, abatido e sozinho, na região Hiperbórea. É um lugar morto e estático, uma terra polar onde não há oscilação entre dia e noite. Mas estase é atrofia. A região Hiperbórea está morta com pureza, totalmente absoluta, imutável e eterna. O alpinista passa por uma apostasia profunda que ele não consegue entender completamente e chega ao niilismo.

A técnica do Black Metal Hiperbóreo é o blast beat. Black metal puro, representado por Transilvanian Hunger, significa open strumming e um blast beat contínuo. Mas o blast beat puro é a própria eternidade. Sem figuras articuladas, sem começo, sem fim, sem pausas, sem variação de dinâmica. É um pássaro planando no ar sem nenhum lugar para pousar nem por um momento. O que a princípio parecia um grande clamor decai para um zunido atrofiado. Tendo escalado até o topo da montanha, o alpinista se deita e congela até a morte.

Parte II - A afirmação da afirmação

América

Black Metal Transcendental representa uma nova relação com o Vazio Tátil e a auto-superação do Black Metal Hiperbóreo. É uma sublimação do Black Metal Hiperbóreo tanto no aspecto espiritual quanto no aspecto técnico. Espiritualmente, transforma o niilismo em afirmação. Tecnicamente, transforma o Blast Beat em Burst Beat.

Espiritualmente, nós reconhecemos o niilismo e nos recusamos a afundar nele, tarefa que parece impossível. Black Metal Transcendental é Reniquilação, um “Não” a toda gama de Negações, o que se transforma na afirmação da continuidade de todas as coisas.

Black Metal Transcendental é a reanimação da forma do black metal com uma nova alma, uma alma cheia de caos, furor e êxtase. Um clamor alegre especificamente americano que também é um tremor. Ou talvez seja o ato oposto: a retirada da casca de convenção, a pele morte de clichês e uma nova exploração da alma viva do black metal, com objetivo de reativar sua mais pura essência e produzir algo que cresce a partir disso mas não se parece com suas encarnações passadas por ser construído desde a fundação em tempo e espaço diferentes. Construído na América. Uma América que nunca existiu e possivelmente nunca irá existir. Uma América que representa o humanismo apocalíptico de William Blake. A América celebrada na Appalachian Spring de Aaron Copeland ou Skies of América de Ornette Coleman.

Essa América é uma metáfora da criatividade pura e irrestrita, o exercício corajoso da vontade e a alegre experiência da continuidade da existência. Uma celebração da evolução híbrida e criativa.

O Burst Beat

A espinha dorsal do Black Metal Transcendental é o Burst Beat. O burst beat é um hiper blast beat que tem fluxo e refluxo, se expande e se contrai, respira. Substitui morte e atrofia por vida e hipertrofia. Essa transformação é conseguida por duas partes essenciais: aceleração e ruptura.

A primeira parte essencial do burst beat é aceleração. O burst beat acelera e dasacelera. Tem fluxo e refluxo. Esse fluxo espelha a vida assim como estimula a vida. Expande e contrai como a maré, a economia, dia e noite, inspiração e expiração, vida e morte.

A segunda parte essencial do burst beat é a ruptura. O burst beat consiste de rupturas repentinas e transições de fases. Como todo sistema natural, passa repentinamente de um estado para outro. Pense no cavalo quando muda do andar para o trotar para o galope. Pense na água quando passa do gelo para o líquido para o gás. O momento da ruptura é o momento de transcendência. O que é sagrado senão o momento em que a água vira vapor? Ou o momento em que o andar se transforma em correr?

O burst beat expressa um arco de intensidade. Ele responde e suplementa o fluxo melódico em vez de oferecer um receptáculo ou pano de fundo rítmico. A taxa de mudança de tempo, tanto positiva quanto negativa, corresponde a um nível de intensidade. Qualquer tempo estático é um grau zero.

O burst exige total despesa de poder e seu próprio exercício fomenta o crescimento e aumento de força. E ainda assim o burst beat nunca chega a lugar nenhum, eternamente “ainda não” ao seu destino final, eternamente “quase” no tempo alvo. Como um nômade, o burst beat sabe que nunca irá chegar.

Espelhando a vida, o burst beat estimula e fomenta a vida. Fomentando a vida, o Black Metal Transcendental afirma a vida.

Hiperbóreo Transcendental
niilismo afirmação
atrofia hipertrofia
blast beat burst beat
lunar solar
perversão coragem
o infinito o finito
pureza penultimidade


Propriedades

O Black Metal Transcendental existe como uma unidade, mas em pensamento pode ser analisado por sete propriedades:

Por que o Black Metal Transcendental é afirmativo?
O Black Metal Transcendental é, de fato, niilismo, no entanto é um niilismo duplo e um niilismo final, uma negação de uma vez por todas de uma série inteira de negações. Com esse “Não” final, chegamos a um tipo de afirmação vertiginosa, uma afirmação que é tensa, aterrorizada, não sentimental e corajosa. O que afirmamos é a condição factual do tempo e a incapacidade de decidir o futuro. Nossa afirmação é uma recusa à negação.

Por que o Black Metal Transcendental é hipertrofiado?
Crescimento é vida, estase é decadência. Estamos comprometidos a lutar eternamente, vivendo um tipo de revolução permanente. Assim como um músculo bem exercitado é belo e poderoso, seremos belos e poderosos. Na verdade, não existe estase. A única escolha é entre atrofia e hipertrofia. A celebração da atrofia é confusa, fraca e neurótica. A celebração da hipertrofia é honesta e viva.

Por que o Black Metal Transcendental é solar?
O Black Metal Transcendental é solar em três respeitos, seguindo três aspectos do sol: periodicidade, intensidade e honestidade. O sol permite que as coisas nasçam e cresçam, para que morram. O burst beat é periódico porque nasce e se põe como o sol. O sol encanta e queima. Participamos na intensidade porque não somos sentimentais e sabemos que a morte chega. Mas por que não seguir um objetivo, seguir o sol e perseguir seus dons? Por que não ficarmos em chamas em vez de diminuir até virar uma partícula de areia? O sol representa a Verdade e revela tudo o que toca. Somos honestos porque nos recusamos a espreitar das sombras, nos recusamos a apontar o dedo, nos recusamos a praticar nossos ritos em segredo. Não somos doentios, malvados, odiosos. Não nos escondemos atrás de figurinos e parafernália.

Por que reverenciamos o finito em vez do infinito?
O que é sagrado é dar cada passo. Cada decisão honesta. O infinito é óbvio e está em todos os lugares. Comprometer-se com o finito requer coragem e produz hipertrofia. Deus é infinito, a natureza é infinita. O infinito está em todos os lugares e é vulgar. O finito sim é raro. O finito sim é peculiar à humanidade. A finitude significa confrontar o que está presente à mão autenticamente e fazer o que é honesto com os meios à disposição. O solar nutre o finito. O finito nasce, luta e morre.

Por que reverenciamos a penultimidade?
O Black Metal Trancendental sacraliza o penúltimo momento, o “quase” ou o “ainda não”, porque descobriu-se que não há nada após o penúltimo momento. O penúltimo momento é o momento final, e acontece a todo momento. O tecido da vida é aberto. Não há nada que seja completo; não há nada que seja puro.

Por que o Black Metal Transcendental é corajoso?
A coragem é aberta e rústica. Coragem significa voar em direção ao horizonte sem a garantia de um local para pousar. Coragem é o salto ativo e honesto de um momento para o outro. Sem dissimulação, sem desculpas, sem ironia, sem reclamações. A Coragem não possui objeto de ataque. A Coragem não é gasta, desapontada e sem emoção. A Coragem não é um voo na fantasia e na nostalgia. É o oposto de Perversão. Perversão é liberdade falsa. Um dardo venenoso atirado das sombras. Um recuo que parece avanço. Um ataque que é na verdade apenas um escudo. Perversão é dissimulação; coragem é autenticidade. A Coragem não tem imagem de si mesma. É inovadora. Não tem nenhum caminho anterior. Seu único traço é o rastro que deixa por onde passa.

Epílogo - Sete teses sobre Aesthetics

1. Black Metal representa uma auto-superação da Contracultura e a ascensão de Aesthetics.

2. Aesthetic poderia ser uma terceira modalidade da arte ao lado do cômico e do trágico. Nem açucarado nem irônico, sem preocupação em relação tanto à verdade inefável quanto ao que é muito óbvio. Seria uma arte diretamente neural fomentando alegria, saúde, ressonância, despertar, transfiguração e coragem.

3. Aesthetic é estético, ascético e ético.

4. Os antigos identificaram o Verdadeiro, o Bom e o Belo. Depois que a poeira baixar e o trabalho da modernidade e da pós-modernidade estiver feito, e a as divisões entre alta cultura, cultural de massa e contracultura não existirem mais, o que sobra? Uma única, brilhante Cultura que é Verdadeira, Boa e Bela.

5. Na era da informação, a cultura passou da superestrutura para a base. Despida de poder de coerção há tempos, a cultura agora é tida como uma força econômica sem precedentes, que intensifica seu poder espiritual, poder sobre corações e mentes. A questão de qual deve ser sua função permanece.

6. O assassinato de Euronymous por Varg Vikernes aparece como o gesto fundador da tradição do black metal. Na verdade, é um mero mito de origem, encobrindo seu verdadeiro gesto fundador. O verdadeiro gesto, embora menos notório, é o suicídio de Dead. Compare o “eu traí a contracultura” de Cobain com o “eu me traí pela contracultura” do Dead. A morte de Dead inaugura secretamente o nascimento do black metal e a morte da contracultura como tal. Só a ausência da voz de Dead assombra De Mysteriis, então a recente volta de Attila para o Mayhem significa que estamos prontos para explorar as implicações do suicídio de Dead.

7. Aesthetics é a ressurreição da aura e uma afirmação do poder do significado de significar.

sábado, 6 de agosto de 2011

Clássicos do dia 7: Diamanda Galás - Masque of Red Death pt 1


O Clássicos de agosto vai ser especial, já que vou falar sobre uma trilogia: a resenha do primeiro disco sai agora dia 7, do segundo no 17 e do terceiro no 27. A trilogia em questão é Masque of Red Death, de Diamanda Galás, que trata do tema da AIDS. O irmão dela morreu da doença e a partir de então ela se tornou militante dos direitos dos HIV+ (ela até tem uma tatuagem “We are all HIV+”).

Divine Punishment, o primeiro da série, é o mais pesado (em todos os sentidos) e, na minha modesta opinião, o melhor dos três. Foi lançado em 1986, ainda no início da epidemia, quando os reaças de plantão pregavam que a AIDS era uma punição divina aos homossexuais, prostitutas e viciados, e que os contaminados deveriam ser apartados da sociedade. Diamanda Galás, que além de cantora e pianista com formação clássica, estudou bioquímica, sabia que a AIDS não se transmite pelo ar e que essa era uma manobra dos fascistóides para segregar quem não segue seus padrões morais/moralistas.

É disso que trata o disco, cujas letras (exceto da última música) são todas tiradas do Antigo Testamento, e, portanto, mostram um deus furioso e vingativo. A letra da última faixa, Sono L’Antichristo, escrita pela própria Diamanda, apresenta dois conceitos importantes para compreender a crítica contida em todo o disco e o paralelo entre textos bíblicos de milhares de anos e a condição dos “””desajustados””” de 1986. O primeiro é o conceito de Satã do Antigo Testamento, entendido, segundo as palavras da artista, como “o inimigo da sociedade, alguém que está separado da sociedade por escolha ou por herança, ou ambos”. O segundo é um conceito que ela mesma elaborou, o de “shit of God” (merda de Deus): “os “erros” de Deus, aqueles que os legisladores querem depositar fora da cidade... e aquelas pessoas que não estão interessadas em produzir para o Estado”.

“Minimalista” é uma palavra inadequada para descrever Divine Punishment, mas há no disco uma clara economia de instrumentos (só piano, teclado, percussão e eletrônicos e nunca todos são usados juntos; aliás, algumas faixas são totalmente vocais) e os próprios arranjos dão espaço ao silêncio e fazem uso de drones. Isso na parte instrumental, porque no vocal o pau come solto. Diamanda Galás é dona de uma técnica impressionante e, além de ter uma extensão vocal fora do comum, é capaz de criar uma gama enorme de timbres com a voz. E o melhor é que ela usa o talento a favor da expressão, mesmo que isso signifique fazer a voz soar “feia”. Como no disco em questão o clima é tétrico, há muitos vocais roucos, quase guturais e desesperados (Deliver me from my enemies pt V) gritos agudíssimos ensurdecedores e voz de choro (Deliver me from my enemies pt VI), cantos de lamento (Deliver me pt IV), e até vocais um tanto diabólicos (Deliver me pt III). Se as pinturas de Bosch representando o inferno tivessem trilha sonora, não seria muito diferente do que se ouve em Divine Punishment:

Sono L’Antichristo fecha o disco de maneira espetacular, com um teclado ao mesmo tempo grandioso e tenebroso, gritos inumanos e um final épico no qual ela (e, por consequência, o irmão falecido e todas as merdas de deus) afirma orgulhosamente sua condição de pária.

Sei que é uma comparação injusta e talvez até equivocada, mas como o disco trata da questão da AIDS e, especificamente, do preconceito contra quem tem a doença, não pude deixar de lembrar do filme Filadélfia. Mas enquanto a produção hollywoodiana aborda o tema de maneira piegas e mostra o doente quase como um coitadinho, Diamanda Galás dispensa a piedade e o sentimentalismo e desfere um belo e assustador soco no estômago do ouvinte.


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Helmet em São Paulo


Quinta-feira passada, os americanos do Helmet fizeram um show em SãPã, em uma casa no baixo Augusta (rápida explicação: o Helmet é uma banda de metal formada na virada dos 80 pros 90. Lançou quatro discos e se desfez no fim dos anos 90. Em 2004, o guitarrista-vocalista-compositor-fundador Page Hamilton resolveu ressuscitar o grupo, que desde então já lançou mais três discos).

Meu medo maior era que a banda se focasse mais nas faixas dos álbuns recentes, que são bem ruinzinhos (outra rápida explicação: o Helmet foi uma mega influência para o nu metal, só que a impressão que dá, nesses discos pós-retorno, é que o nu metal inspirou o Helmet. Juro que tem uma faixa de Size Matters que lembra de leve Linkin Park - é, TENSO).

Felizmente, meu medo não se concretizou. O repertório do show passeou por toda a carreira do grupo, incluindo aí o quase hit Unsung, Wilma's Rainbow, Birth Defect, Blacktop, In the Meantime... Todas executadas perfeitamente, sem nenhum deslize - se lembrarmos que, tirando o Hamilton, todos estão na banda há pouco tempo (o guitarrista base talvez não fosse nem nascido quando o grupo lançou o primeiro disco), foi um feito surpreendente.



No entanto, o show teve seus probleminhas - e o mais bizarro é que esses problemas parecem ter sido causados pelo fato de Page Hamilton ser um cara absurdamente gente boa. Vejamos:

- Page Hamilton é tão gente boa que o volume da sua guitarra estava igual ao da guitarra base. Ou seja: na hora dos solos, praticamente não dava para ouvir o que ele tocava. O que é uma merda, visto que é nos solos que Hamilton mostra todo seu lado noizêro de quem no Glenn Branca Ensemble e se aventura por maluquices free jazz. O público berrava "aumenta essa porra!!!", mas Hamilton é gente boa demais pra pedir pro técnico aumentar a porra, ou pra ir ele mesmo e enfiar a pata no botão de volume do amplificador.

- Page Hamilton é tão gente boa que pergunta para o público o que ele quer ouvir. Umas três ou quatro vezes ele meio que parou o show para ouvir sugestões da plateia. Claro que nessas horas 498368 pessoas começaram a berrar ao mesmo tempo, e claro que sempre tem aquele fã mala pedindo para tocarem uma sobra de estúdio da gravação da primeira demo da banda. Apesar dos esforços de Hamilton para fazer todos felizes, teve um desgraçado do meu lado que passou o show todo gritando "Sinatra!!!", que eles não tocaram - uma pena, pois acho essa a música mais foda do Helmet.

- Page Hamilton é tão gente boa que quis homenagear o público brasileiro tocando música brasileira, então em um certo ponto do show começou a puxar umas bossas (começando por Garota de Ipanema, sente o drama). Ninguém teve coragem de gritar algum desaforo, mas as expressões de "Que merda é essa?!", "Aqui nós odiamos essa porra!" e "Você está queimando seu filme animalmente" fizeram com que ele rapidamente desistisse de encarnar o João Gilberto.

Tirando isso, foi só alegria.

terça-feira, 12 de julho de 2011

440Hz: Especial dia do róqui

Para comemorar tão ilustre data, o 440Hz de julho vai ao ar algumas semaninhas antes do usual, trazendo uma seleção de crássicos com arranjos de gosto duvidoso, interpretações um tanto infelizes e letras capazes de ruborizar uma criança de 9 anos - mas que a gente adora mesmo assim:

Highway Star - Deep Purple

A canção traz uma mensagem profunda à juventude, que pode ser resumida da seguinte forma: Eu tenho um carrão, vou sair com ele feito um louco pela estrada para mostrar para todos (e especialmente para a gatinha que está no banco do passageiro) que sou fodão. À propósito: ninguém vai roubar minha cabeça, eu tenho velocidade dentro do meu cérebro. Fuck yeah!



Shook me all night long - AC/DC

Para entoar ode de amor tão visceral, nada melhor do que a voz de gato estripado do Brian Johnson. A canção segue a escola Ian Gillian de poesia (com alguns toques de sensualidade tipicamente australiana) e ensinou às mulheres a importância de manter o motor limpo.



Rainbow in the dark - Dio

O grande feito dessa canção é gerar em poucos minutos uma fobia de teclados que acompanhará o ouvinte pelo resto da vida. Além disso, por mais que connoisseurs defendam a técnica do Dio, estou convencida de que ele é o pai espiritual de todos os vocalistas castrati que assolam o metal.



Jethro Tull - Aqualung

Imposível não ter sentimentos contraditórios quando o assunto é Jethro Tull: sim, é meio brega e a flautinha do Ian Anderson tem um quê de "melodias para assobiar com duendes", mas pô... ouve o riff dessa música!!! Por isso, até hoje não sei o que pensar da banda - e também não sei o que equipamento de mergulho tem a ver com um mendigo pedófilo.



Joan Jett and The Blackhearts - I love rock'n'roll

A ex-The Runnaways Joan Jett compôs uma música sobre como ela ama o gênero musical da música que compôs e assim garantiu uma fonte de renda eterna, visto que I love rock'n'roll é executada uma média de 7649573540 vezes por rádios do mundo todo em 13 de julho.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Na fossa com os freaks

Cosey Fanni Tutti namorava Genesis P-Orridge, com quem tinha a banda Throbbing Gristle. Aí Cosey deu um pé no Genesis e começou a pegar o Chris Carter, também da banda. Genesis ficou tristinho e compôs uma música. Até aí a história se parece com o triângulo amoroso que rolou no Fleetwood Mac - a diferença é que, enquanto o cornudo do Fleetwood Mac compôs a baladinha mala Dreams, Genesis criou a música de fossa mais bizarra de todos os tempos, Weeping:



Aliás, toda a história do TG é pautada por coisas, digamos, pouco convencionais, como o fato de terem começado como um grupo de arte performática chamado COUM Transmissions, cujos happenings envolviam coisas do tipo injetar leite no rabo; e o fato de hoje Genesis P-Orridge ostentar um vistoso par de tetas. E estes são só alguns exemplos. Vale dar uma fuçada no Google sobre a banda - e ouvir os discos, que são foda em todos os sentidos possíveis para a palavra "foda" (desculpe aí a profusão de palavrões em um post tão pequenino).

ps: a analogia entre as bandas foi chupinhada do livro Rip it up and start again, do Simon Reynolds.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Dreamsludge


Quem bate o olho numa foto do duo Nadja provavelmente vai pensar se tratar de alguma coisa com "indie" e "hype" no meio - até porque a moça parece saída diretamente do clipe da Banda Mais Picareta, quer dizer, Mais Bonita da Cidade. Levando em conta que eles são conterrâneos da Celine Dion e do Bryan Adams, o desejo de sair correndo é quase inevitável.
Felizmente, meu primeiro contato com a banda não foi por meio de fotos e sim da própria música, que é uma das coisas mais impressionantes que ouvi nos últimos tempos.

Imagine o My Bloody Valentine, com suas camadas de guitarras distorcidas criando uma atmosfera etérea. Agora aumente o volume das guitarras, eleve o ruído branco à décima potência, adicione uma boa dose de peso e troque as canções de 4 minutos por viagens quase free-jazzísticas de 15, 20, 30, 40 minutos. Tudo lento, muuuito lento. O resultado é um negócio tão absurdo que os jornalistas musicais vêm criando rótulos os mais bizarros para tentar classificar o Nadja: shoegazer metal, ambient doom, ambient drone e um que não quer dizer muita coisa, mas tem uma sonoridade bacana: dreamsludge.

Também chama a atenção a própria formação da banda, que conta apenas com o mentor, guitarrista e eventualmente vocalista Aidan Baker e com a baixista Leah Buckareff. Para completar o som cheio de camadas e detalhes, eles contam com uma drum machine (que, aliás, considero o único ponto fraco) e com uma série de traquitanas eletrônicas. O vídeo abaixo, tirado de um show, mostra bem como tudo funciona:



Mas o aspecto que mais me surpreende no Nadja é a união entre agressividade e delicadeza, já que as músicas alternam distorções carregadíssimas, blasts de fazer cair da cadeira e torrentes de ruído branco com momentos de tranquilidade e minimalismo, em que Aidan conduz uma cuidadosa exploração de timbres.

O site do grupo tem links para discos em streamming (Radiance of Shadows, Touched, Truth Becomes Death) e no Free Music Archive é possível baixar o áudio de dois shows. Altamente recomendado.

Update: no bandcamp dá pra ouvir mais uma caralhada de discos do Nadja, além de solos do Aidan Baker e projetos paralelos.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

3º Aniversário

Ilustração: Vberkvlt

Aconteceu há três anos. Não lembro se a ideia me veio quando eu estava entediada no chatíssimo estágio que fazia, ou durante alguma aula picareta na faculdade, ou quando estava no banheiro... o fato é que em algum momento decidi criar um blog para falar sobre aquilo que mais me interessa na música: barulho, experimentações e esquisitices em geral. Foi assim que o Destruindo Pianos veio ao mundo. Três anos depois, o brógui continua com o mesmo espírito de então: sem seguir o hype, sem preocupação com atualizações constantes, sem marketing em redes sociais e praticamente sem acessos. Autista e feliz.

Para comemorar tal data, o Destruindo Pianos vai assoprar não três velinhas e sim três velas pretas de sétimo dia - porque a playlist especial de aniversário tá toda trabalhada no metal avant-garde, minha paixão atual. Lembrando que isso não é um best of e sim uma pequena compilação do que eu tenho ouvido. Ishpia:

01 - Helmet: Sinatra
02 - Godflesh: Head Dirt
03 - Anaal Nathrakh feat. Attila Csihar: Regression to the Mean
04 - Mayhem: A Wise Birthgiver
05 - Menace Ruine: Nothing Above or Below
06 - Khanate: Wings from Spine
07 - Sunn O))): CandleGoat
08 - Gnaw Their Tongues: All the Dread Magnificence of Perversity
09 - Nadja: Stays Demons
10 - Swans: The Sound

Pra baixar, só clicar aqui.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Como não brincar de música erudita

Meses atrás, escrevi um post sobre as ótimas gravações que o Naked City fez de algumas peças do repertório erudito. Hoje, vou falar um pouco sobre como o trio de jazz The Bad Plus assassinou Fém, estudo para piano de Gyorgy Ligeti.

Para começo de conversa, eu gosto muito do The Bad Plus, tanto que fui ao show que eles fizeram aqui no mês passado e entrevistei os caras (talvez esteja na próxima edição da +Soma). Uma das coisas que eu aprecio na banda é o fato dela regravar Nirvana, David Bowie, Radiohead, Black Sabbath e várias outras bandas/artistas de rock e pop. Outra coisa que aprecio muito é o fato dessas regravações serem extremamente respeitosas com as originais. Por mais que eles mudem o ritmo, a harmonia, virem a música do avesso, a essência da música é preservada - para comprovar, basta ouvir a versão deles para Lithium.

Infelizmente, o mesmo respeito não é devido às peças do repertório erudito. No disco For All I Care (no qual está a ótima versão de Lithium, aliás), eles gravaram Fém, Semi-Simple Variations (Milton Babbit) e Variation d'Apollon (Stravinski). Decidir trabalhar com esse repertório já traz um problema: enquanto na música pop há uma melodia e uma harmonia e sobre essa base se constrói o arranjo, na música erudita a composição já é seu próprio arranjo - portanto, não há muita margem para variações.

Uma das poucas coisas abertas à variação é o timbre - e foi exatamente isso o que o Naked City fez, ao trocar piano por guitarra e contrabaixo, por exemplo. Já The Bad Plus resolveu mexer na própria estrutura da música: enfiaram bateria onde não tinha e nem era pra ter, e, no caso do estudo do Ligeti, cortaram a segunda parte da peça. Perguntei isso a eles e o pianista respondeu que ele achava que esse coda não estava certo, então resolveu consertar (sim, "fix it" foi a exata expressão que ele usou) para o Ligeti.

#FAIL

terça-feira, 7 de junho de 2011

Clássicos do dia 7: Machine Gun - The Peter Brötzmann Octet


Estou me inflitrando bem devagarinho e com bastante cuidado no mundo do free jazz/improvisação livre/composição instantânea/ invente-mais-um-nome-pra-colocar-aqui. Por isso nem vou me meter a especular sobre o porquê da importância de Machine Gun e em que sentido ele dá continuidade ou quebra com a "tradição" iniciada por Ornette Coleman, John Coltrane, entre outros. Vou apenas apontar alguns aspectos que considero interessantes nesse disco lançado no mítico ano de 1968:

Instrumentação não convencional - nessa época, o grupo contava com dois baixistas (que usavam arco) e dois bateristas.

Ruído e cacofonia - imagine oito músicos tocando ao mesmo tempo. E imagine que não há ritmo, harmonia ou tema os conduzindo. E imagine que dos instrumentos não saem notas e sim gritos, guinchos, engasgos, fricções.

Agressividade - Imagine que em vários momentos do disco tudo o que eu citei no item acima aparece em volume alto e com um ataque tão forte que parece que os instrumentos estão ligados na distorção. Fora as bateras quase death metal. Machine Gun, como o nome já sugere, é brutal. O que eu acho ótimo. A esmagadora maioria da produção cultural na sociedade de consumo (incluindo aí não só a arte, mas a publicidade, livros de não-ficção e programas de rádio/TV) passa a mão na cabeça do público: “você é especial”, “você merece o carro do ano”, “vencer só depende de você”, “você vai encontrar o amor da sua vida” e mais toneladas de baboseiras que nos são empurradas goela abaixo diariamente. Resta à Arte com “A” maiúsculo a tarefa de nos dar uns sopapos de vez em quando, tirando-nos do estado de indiferença no qual passamos a maior parte do tempo.

Caos controlado - apesar de não ter um tema e uma sequência de acordes sobre os quais se basear, as faixas de Machine Gun acompanham um desenho. Isso é claramente perceptível ao ouvirmos os dois takes da faixa-título. Embora sejam diferentes (tanto que um tem 14 minutos e o outro, 17), eles têm um padrão em comum: ambos começam com os instrumentos de sopro emulando som de metralhadora, em seguida a poeira baixa um pouco, entra o piano e momentos de jazz tradicional são intercalados com intervenções barulhentas, depois vem o momento “contrabaixos from hell”, e assim por diante. No finalzinho, mais uma vez o barulho de metranca.

Mudanças de clima - se com o tipo mais caretão de jazz a impressão do ouvinte é a de estar parado assistindo a um (tedioso) desfile de solistas, com Machine Gun temos a sensação de que a música está nos conduzindo por paisagens diversas – obra das mudanças de dinâmica, andamento, instrumentos, intenções...

Pequenos momentos de ordem - também na faixa-título (e em ambos os takes), é possível encontrar dois momentos de ordem, em que uma melodia surge do meio do caos. No primeiro, apenas os sopros ensaiam um teminha, repetido só quatro vezes e logo dissolvido na bagunça sonora. No segundo, todos os instrumentos entram e até parece que a música vai se ordenar, mas, instrumento por instrumento, esse também vai desmoronando. O mais interessante é que são frases absolutamente banais, mas que nesse contexto de cacofonia ganham uma força absurda. São pequenos vislumbres de ordem em meio à entropia – e é somente por causa da entropia que essas “visões” parecem tão especiais. Na faixa Responsible rola uma coisa parecida, só que com um toque afrocaribenho.

Han Bennink - um dos bateristas que participou da gravação, esse quase septuagenário continua alive and kicking. Veio fazer um show no Brasil no fim do ano passado e eu o entrevistei para a Soma. Quando perguntei sobre a experiência com Brötzmann (além de ter tocado com o saxofonista alemão, a última faixa de Machine Gun se chama Music for Han Bennink), ele não teve a menor cerimônia em dizer que foi uma droga. Sinceridade é isso aí.



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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Novo jazz na fábrica

Mês passado rolou no SESC Pompeia o festival Jazz na Fábrica. Elenco aqui alguns grupos novos que se apresentaram lá e que merecem uma ouvida.

Knalpot - Sei lá que contorcionismo mental o curador do festival, Carlos Calado, fez para encaixar o duo na categoria "jazz" - não porque use recursos eletrônicos e efeitos, mas porque não me pareceu ter nada de improvisação no som dos caras. Mas o que importa é que é um puta som:



Bodes e Elefantes - Projeto do Guilherme Granado, do Hurtmold, com outros caras do Hurtmold, o Bodes parece com Hurtmold, mas é ainda mais legal que Hurtmold. Outra pro rol da "música instrumental brasileira não-coxinha":



Fire! - Trio do veterano saxofonista sueco Mats Gustafsson, que só por tocar sax barítono já ganha vários pontos comigo. Não consegui achar nenhum vídeo do grupo com áudio minimamente decente, mas achei um incrível do Mats Gustafsson fazendo uma improvisação livre com Phil Minton e o guitarrista John Russell:



obs.: quando eu tava vendo isso eu pensei "Tem um percussionista escondido aí?" e "Por que o Mats tá com a boca no instrumento e fazendo cara de esforço se não tá saindo nenhum som do sax?". Aí eu percebi que o som de percussão tava vindo do sax dele...

sexta-feira, 3 de junho de 2011

SWANS: de novo e de novo e de novo

Será que se eu mentalizar todo dia "O Swans vem pro Brasil o Swans vem pro Brasil", o Swans vem pro Brasil?

Olha só os caras no Primavera Sound, que rolou em Barcelona no fim de maio:





O Swans talvez seja o único caso de banda que ressuscitou ainda melhor do que já era. Adoro as primeiras coisas dos caras e esquisitices como Soundtrack for the Blind, mas o disco que eles lançaram ano passado é a síntese perfeita da linguagem do grupo, e a formação atual com dois percussionistas está animalesca - mesmo que sem a Jarboe...

Uma das características mais legais do Swans é que, passando pela discografia do grupo, é possível visualizar direitinho como o estilo deles foi sendo criado. Óbvio que quando lançaram The Burning World, mais "pop" e bem menos inspirado que os trabalhos anteriores, deve ter sido um choque para os fãs. Mas hoje dá para perceber como a passagem pela canção mais tradicional foi fundamental para que eles pudessem voltar a fazer música com altas doses de energia negativa, mas sem o caráter de repetição excruciante do início - que foi uma puta sacada na época, mas se desgastou rapidamente.

O fato é que o Swans pode até ter feito alguns discos não tão bons quanto os outros, mas o grupo nunca incorreu no erro de se tornar cover de si mesmo (oi, Alice in Chains). E é por isso que eles estão aí, tiozões de camisa social, quebrando tudo.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Moedor de língua


Indo direto ao ponto: Gnaw Their Tongues é a coisa mais brutal que já ouvi na vida. Até aí, bela merda, porque "brutalidade" não é exatamente um sinônimo de "qualidade". Mas, no GTT, a brutalidade é atingida por meio de uma elaborada composição sonora. Há guitarras distorcidas a ponto da própria nota/acorde ser engolida pela chiado, e há os vocais histéricos característicos do black metal, mas não é só isso. Em cada música é possível encontrar uma vasta gama de timbres - além da instrumentação ser variada, há diversos tipos diferentes de batidas, barulhos de explosão ou de coisas quebrado, som de metal-batendo-em-metal.

O fato é que o GTT é, na real, uma one-man band de um sujeito chamado Mories. Rato de estúdio e muito provavelmente fã de coisas fofas como Nurse with wound e Whitehouse, ele primeiro trabalha na própria essência do som para então organizar os diferentes timbres em verdadeiras bricolages de horror. É uma torrente sonora tão forte que, após passar a sensação inicial de espancamento, entra-se em um estado de torpor. A extrema tranquilidade atingida por meio da extrema agressão.

Ao menos na música, o caminho do meio nunca pareceu tão sem graça.

(Antes de assistir ao vídeo: se você for vegetariano, recomendo deixar um balde meio por perto...)

quinta-feira, 28 de abril de 2011

440Hz: Uma coisa uma, outra coisa outra coisa vol. 2

Recentemente, venho ouvindo (quer dizer, lendo) um monte de gente falar sobre um tal de Odd Future. Semana passada tava lá no site Quietus, vi o link pra uma matéria e cliquei para saber ao menos do que se tratava. É um coletivo de rappers americanos bem jovens que apostam na tática da agressão. E foi aí que resolvi voltar a esse assunto, do qual já falei há uns dois anos nesse post.

Antes de tratar do caso em particular, façamos algumas considerações gerais. Há uma linha muito clara (ao menos para mim) separando o que pode e o que não pode em Arte em termos éticos: a linha da ação. Usando um exemplo: uns anos atrás, um artista visual criou uma obra que consistia em deixar um cão amarrado dentro de um museu, sem água e sem comida, até que morresse de inanição. Na época, a crítica que se ouvia era "Isso não é arte!". Discordo. Acredito que arte é qualquer coisa feita com a intenção de ser arte. Mas a arte não existe acima do bem e do mal. Matar um animal com requintes de crueldade é errado e ponto, seja para criar uma obra de arte, seja para produzir um casaco de peles.

Mas a coisa se complica muito quando saímos do terreno da ação para o da, digamos, abstração (ou melhor: quando saímos do "de verdade" para o "de mentirinha"). E se em vez de criar uma obra em que o cachorro morre realmente, o artista tivesse criado uma obra sobre como é divertido ou excitante torturar animais - mas sem que nenhum animal fosse machucado?

Gosto de encarar a arte em termos de ficção e simbologia. Uma obra sobre como é legal judiar de animais (ou matar criancinhas ou seja lá o que coisa abjeta for) não significa que o autor esteja advogando em favor da causa: ele pode muito bem ter se colocado na mente de uma pessoa que faz isso a fim de tentar explorá-la, desvendá-la (eu lírico) ou pode estar usando a crueldade contra animais como metáfora - pode estar falando, por exemplo, da dose de maldade que cada ser humano supostamente carrega dentro de si. E, se é verdade que todos nós temos uma quedinha pelo cruel e pelo abjeto, a arte (seja produzindo ou seja fruindo) é uma maneira saudável e segura de lidar com nosso lado negro da força. Prova disso são os indíces baixíssimos de violência em shows de metal extremo.

Mas ainda assim há situações nebulosas:

1. Quando se sabe que o artista está realmente advogando em favor da causa - por exemplo, o bizarro sub sub sub gêreno National Socialist Black Metal.

2. Quando se sabe que o artista está apenas querendo causar polêmica - por exemplo, a utilização de símbolos nazistas pelas bandas punks no fim dos anos 70.

O Odd Future muito provavelmente (ou ao menos eu assim espero) pertence à segunda categoria. Só que em vez de loas à raça ariana, os caras compõem versos sobre o prazer de estuprar e matar mulheres. Não sou uma pessoa que se choca facilmente e prefiro pecar pela indulgência a dar uma de Tippy Gore, mas me senti realmente muito incomodada e até assustada com o teor das letras - isso porque consegui entender uns 30% do que eles cantam.



E se até eu, que sempre dou à arte o benefício da dúvida e até relevo alguns casos em que não há dúvida (não vou deixar de ouvir Mayhem porque o ex-baterista é um porco racista), me senti profundamente ofendida, o que acontece com aquelas pessoas que não conseguem separar o real do "de mentirinha"? E se esta pessoa não ficar abalada e sim achar interessante a ideia de se divertir estuprando e matando?

À objeção "Ah, mas o cara só vai fazer algo assim se já for louco", digo que concordo, mas em partes. Isso pode ser verdade se aplicado a um adulto de cabeça feita. Mas e no caso de moleques de 13 anos que precisam se afirmar e para isso copiam seus ídolos? E, se a arte não tem o poder de mudar nossos pontos de vista e mesmo nossas atitudes, de que servem então as "mensagens positivas" da arte? Brecht é um total fracasso?

A quantidade de pontos de interrogação não é à toa. Não tenho resposta a essas perguntas.
Não acho que o artista deva ser censurado pelo que escreve/filma/canta. Mas também acho que um pouquinho de responsabilidade não faz mal a ninguém. Talvez a resposta esteja no equilíbrio entre essas duas questões.

ps.: óbvio que essa polêmica não se aplica a obras que tratem de questões abjetas, mas o fazem de uma maneira tão estilizada que é óbvio que estamos no terreno na ficção. Só uma pessoa muito tapada acreditaria que os filmes do Tarantino ou as músicas do Carcass fazem apologia à violência - aliás, os caras do Carcass são vegetarianos muito gente bowa.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Bizarro, medonho e fascinante

Abruptum é um duo de black metal/dark ambient sueco descrito pelo falecido Euronymous como "the audial essence of pure black evil" (algo como "a essência sonora da pura maldade preta" - poético, não?). Para dar mais um toque exótico à coisa, segundo o livro Lords of Chaos o líder do grupo, que atende pelo pseudônimo It, é um anão. Mas o que faz o Abruptum ser uma das entidades musicais mais bizarras da História é a própria música do Abruptum. Na real eu nem sei como descrever isso. É avant-garde ou simplesmente uma espécie de versão satânica do The Shaggs? Não sei. Mas sei que o resultado é tão feio que chega a ter uma beleza estranha.

11-unimum, mentem alcis juventutem largitionibus, hostes add by rasetz

Tentarei falar menos de black metal por aqui, mas entrei numas de ouvir esse tipo de som, então fudeu... Aproveitando a obcessãozinha do momento, recomendo a leitura desse artigo do site The Quietus, em que são exploradas as semelhanças entre black metal norueguês e gangsta rap americano (!!!). Aliás, em breve farei um post falando um pouquinho de rap - mas não, não tô numas de ouvir rap.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Desculpe pelo sangue...


Era uma vez uma banda norueguesa de black metal chamada Mayhem. O vocalista do grupo, um sueco que atendia pelo pseudônimo Dead, era um cara esquisitão, calado e depressivo que tinha hábitos excêntricos como por exemplo recolher animais mortos das ruas e guardá-los em sacos plásticos para poder inalar “o odor da morte” antes de subir no palco. Quando criança, Dead teve uma experiência de quase morte e desde então ficou obcecado pelo tema, tanto que nos shows usava um tipo de maquiagem cadavérica que ficou conhecido como corpse paint e se tornou uma das marcas do black metal. Dia 8 de abril de 1991, a fantasia engoliu a realidade e Dead se matou. Até aí não seria nada de muito surpreendente, dado o histórico do garoto. Mas as circunstâncias do suicídio e os acontecimentos que se sucederam fazem da morte de Dead a mais macabra da história do rock. Vamos a eles:

- Dead não se matou de um jeito simples: primeiro cortou os pulsos e saiu sangrando pela casa toda e só depois deu um tiro de espingarda nos miolos;
- A última frase da carta de suicídio era: “Desculpe por todo esse sangue”;
- Dead dividia a casa com outros integrantes da banda. O primeiro a chegar no local e encontrar o cadáver do amigo foi o guitarrista, Euronymous. Em vez de ligar para a polícia, chamar uma ambulância ou simplesmente sentar e chorar, ele sacou uma câmera fotográfica e fez várias imagens de Dead com os miolos estraçalhados. Uma das fotos virou capa de bootleg;
- Aproveitando a oportunidade, Euronymous também recolheu alguns pedacinhos do crânio e transformou em um colar. Dizia ele que também tinha comido um pedaço do cérebro do morto, mas Euronymous dizia um monte de merda para parecer fodão, então pode ser que fosse só bravata – ou não;
- Enojado com as atitudes de Euronymous, o baixista Necro Butcher saiu da banda. Foi substituído por Varg Vikernes, um rapazinho que estava em guerra contra o cristianismo e que dali a dois anos e pouco assassinaria Euronymous com mais de vinte facadas.

A parte boa de toda essa sangreira é que Attila Csihar foi chamado para gravar o primeiro álbum da banda, De Misteriis Dom Satanas. Em 2004, ele entrou de vez pro Mayhem, onde premanece até hoje - mês passado o grupo fez um show fudido em São Paulo.

Mas fiquemos com Dead e toda a tosqueira froun rél dos primórdios do Tr00 Norwegian Black Metal:





quarta-feira, 6 de abril de 2011

Clássicos do dia 7: James White & the Blacks - Off White


No fim dos anos 70, punks odiavam disco music. Tanto que, em 1979, rolou a famigerada Disco Demolition Night, na qual milhares de LPs de disco music foram queimados no meio de um campo de baseball durante intervalo entre jogos. Mas eis que, naquele mesmo ano, James Chance grava um álbum de disco music, para o qual rebatizou sua banda James Chance & the Contortions como James White & The Blacks. Não que ele fosse um cara de cabeça aberta a fim de acabar com a raivinha dos punks contra Donna Summer e cia. Na verdade, Chance detestava disco music e não perdia oportunidade de fazer declarações racistas (aliás, o racismo no meio punk é escarafunchado por Lester Banges no artigo White Noise Supremacists – que título, hein –, também de 79). Acontece que Chance foi procurado por Michael Zilkha, dono da gravadora ZE, que lhe fez a seguinte proposta: lançaria um álbum do Contortions caso ele também gravasse um álbum de disco music, a ser lançado simultaneamente. James Chance, que podia ser preconceituoso, racista e psicopata, mas não era besta, fechou negócio. E assim nasceu Off White.

Antes de falar da música propriamente, é bom lembrar como funciona a questão “racial” nos EUA: lá ou você é branco ou você é negro (claro que há miscigenação, mas as pessoas se definem como um ou como outro, você nunca vai ouvir um americano dizendo que é mulato, moreninho, escurinho ou “da cor do pecado”, como rola aqui no Brasil). Se você é branco, você fala como branco, se veste como branco e mora no subúrbio com outros brancos. Se é negro, fala como negro, se veste como negro e mora no gueto com outros negros. A música não fica de fora dessa divisão, o que é escancarado na própria existência da expressão “black music”, balaio de gatos que engloba desde o cantor soul com influência do gospel até o gangsta rap mais violento. Para nós, brasileiros, é quase impossível pensar nesses termos. Por isso nos soam tão estranhos o nome do grupo (James White & the Blacks), os títulos das canções (White Savages, White Devil, Bleached Black) e, principalmente, a letra de Almost Black, Pt. 1, em que duas garotas (uma branca e outra negra) discutem se James Chance tem um quê de negão por baixo da pele branquela.

Mas voltemos à música. Quando Michael Zilkha propôs a Chance gravar um álbum de disco music, ele deixou bem claro que não precisava ser algo comercial, que Chance tinha liberdade para fazer o que quer que entendesse por disco. E, apesar de considerar disco music uma coisa nojenta, havia algo nela que Chance admirava: a monotonia. As faixas de Off White são construídas sobre loops de baixo e bateria, até dançantes, mas exaustivamente repetitivos. Sobre essa base quase imutável, as guitarras e o sax estão livres para brincar. Está na interação entre as guitarras barulhentas (sempre bom lembrar que o pessoal da no wave não tinha o menor interesse em acordes) e o sax free jazz anti-virtuosi de Chance a grande graça do álbum.

Off White começa com uma versão disco para Contort Yourself (do álbum Buy, do Contortions), na qual os berros autoritários de Chance são substituídos por um coro feminino que languidamente convida o ouvinte a se contorcer, e o instrumental apoplético dá lugar a um groove bem marcado (tanto que a canção ficou cerca de 1:40 mais longa). Segue a chatinha Stained Sheets, música de motel embalada pelos gemidos de Lydia Lunch, e o também não muito empolgante cover de Heatwave (não a do Martha & the Vandellas).

A coisa fica boa mesmo nas instrumentais White Savages e Off Black, nas quais estão os diálogos mais interessantes entre guitarras e sax. No caso de Off Black, que conta com a participação do guitarrista Robert Quine, a relação entre as duas guitarras que se estabelece por volta de 2:30 também é digna de atenção. E se essas conversas abstratas, ruidosas e por vezes absurdas (porém de uma precisão quase sonic-youthiana) dizem alguma coisa, é: “James Chance é um filho da puta, mas esta é provavelmente a melhor disco music que você vai ouvir na vida – seja você branco, negro, cor de rosa ou verde com bolinhas douradas”.

Contort Yourself - versão Contortions:



Contort Yourself - versão James White: