domingo, 28 de agosto de 2011

Clássicos do dia 7: Diamanda Galás - Masque of Red Death pt. 3



E eis que chegamos à última parte da trilogia Masque of Red Death, o disco You Must be Certain of the Devil. Enquanto as letras do primeiro disco eram, com exceção de uma, tiradas do Antigo Testamento, e as do segundo disco de poemas franceses do século 19, as letras de You Must be Certain of the Devil são de autoria da própria Diamanda Galás, com apenas alguns excertos bíblicos no meio.

Por isso, encontramos referências diretas a AIDS, à polêmica de que a doença seria um castigo divino e ao tratamento dispensado aos infectados:

“Do you fear the cages they are building in/
Kentucky Tenessee and Texas/
while they are giving ten to forty years to find a cure?//
In Kentucy Harry buys a round of beer/
to celebrate the death of Billy Smith, the queer/
whose mother still must hide her face in fear”
(Let’s not chat about despair)

“The devil has designed my death/
and he’s waiting to be sure/
that plenty of his black sheep die/
before he finds a cure”
(Let My People Go)

“... the red eyes of the pentecostal killers/
and the black eyes of roman catholic killers/
and the blue eyes of the pinhead skindhead killers”
(Malediction)

É interessante ver como de um disco para o outro a música vai, de certa forma, de desradicalizando. É claro que a temática continua pesada e os arranjos (especialmente a parte da voz) continuam muito longe do convencional, mas em You Must be Certain of the Devil é possível identificar traços de blues no piano de Let’s not Chat About Despair, e de spiritual em You Must be Certain of the Devil, faixa que também tem um clima alegre, proporcionado pelo ritmo e pelo uso do órgão Hammond – ainda que esta alegria seja usada de maneira irônica, para criar um contraste com a letra, nada alto-astral, e com os berros medonhos que aparecem no final. E Double Barrell Prayer, que virou videoclipe, não soaria completamente alienígena se tocada em um clube gótico (não consegui incorporá-lo, então se quiser ver, só clicar aqui).

Há também no disco duas canções tradicionais americanas: Swing Low Sweet Chariot (cujo arranjo eu devo confessar que acho muito ruim) e Let my People Go. Esta última é, originalmente, um spiritual sobre Moisés atravessando o Egito levando o povo hebreu. Mas Galás mudou a letra (para ter uma ideia, o novo refrão é: “O Lord Jesus, do you think I served my time?/ The eight legs of the devil now/ are crawling up my spine”) e criou um arranjo bastante sombrio utilizando apenas voz e piano.

A última faixa do disco é o famoso salmo “The lord is my shepard”. Só que, em vez de musicar o texto bíblico, como fez em Divine Punishment, aqui Galás apenas recita as palavras, sem nenhum acompanhamento instrumental. É bastante angustiante e aflitivo, pois ela faz voz de quem não está conseguindo respirar direito. Soa como a última oração de um moribundo.

Abaixo, a famosa tatuagem de Galás:


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Attila, seu huno

E foi publicada no blog Intervalo Banger a primeira parte da minha entrevista com Attila Csihar. Que ele é o atual vocalista do Mayhem (com quem também gravou o crássico De Mysteriis Dom Sathanas), membro-sombra do Sunn O))), fundador do Tormentor e que colaborou com trocentos projetos, de Jarboe a Keep of Kalessin, todo mundo já sabe. Então aqui vão algumas facetas menos conhecidas do cara:

Faceta EBM: Plasma Pool (convém não olhar as imagens do vídeo)



Faceta techno black metal: Aborym



Faceta one-man-band: Void ov Voices



Faceta além de qualquer compreensão: Burial Chamber Trio



(desculpe a qualidade - aliás, a falta de - do áudio. Iutubiu é fueda...)

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Dignity of Labour

Da série "Músicas para ouvir em uma tarde gelada":



E sim, é o mesmo Human League que depois lançaria Don't You Want Me.
E sim, é o mesmo Human League que depois lançaria Human.
E sim, isso também me faz perder um pouco de fé na Humanidade.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Kevin Drumm


O show do Kevin Drumm - e, em especial, o set com o Objeto Amarelo - foi uma experiência sobrenatural, intensa à milhonésima potência: chão tremendo, órgãos internos vibrando, coração acelerando, sustos, e também momentos de calmaria, drones. No finalzinho, quando do nada ele simplesmente cortou todo o som, a sensação foi de cair num abismo. Um abismo de silêncio. Saí do SESC vendo estrelas e acho que vou continuar assim durante alguns dias.

E aqui tem uma entrevista com o cara, feita pelo Amauri Gonzo e com uns pitacos desta que vos escreve.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

MuCoMuFo

Estou lançando o movimento Mulheres Contra a Música Fofinha, aka MuCoMuFo.
Pra começar, a espancadora de pedal steel Heather Leigh Murray:



Clássicos do dia 7: Diamanda Galás - Masque of Red Death pt 2


Saint of the Pit, segundo disco da trilogia Masque of Red Death, foi lançado em 1988, e conta com a participação de FM Enheit, do Einstuerzende Neubauten, na percussão de algumas faixas (esqueci de dizer que em Divine Punishment é a própria Diamanda Galás quem executa todos os instrumentos).

O disco, que abre com a faixa instrumental La Trezième Revient, composta por camadas de órgãos, é menos satânico que o disco anterior. Dessa vez, Galás deixou os textos bíblicos de lado e musicou poemas de Baudelaire, Gerard Nerval e Tristan Corbière. Mesmo assim, tanto o clima geral das faixas quanto o conteúdo das letras continua pesado, com muitas referências a morte, castigo e sofrimento.

Novamente, Galás faz uma ponte entre duas épocas e duas realidades diversas, porém semelhantes, usando obras de poetas malditos do século 19 para ilustrar a condição dos portadores de HIV nos anos 80 do século 20. Para isso, segue a mesma linha de Divine Punishment: parte instrumental econômica porém agressiva e vocais absurdos, muitas vezes sobrepostos.

Em Saint of the Pit, ela explora tessituras mais graves, assim como técnicas típicas do canto lírico (por exemplo, sustentar uma mesma nota por muitos compassos com um certo vibrato). Aprofunda a investigação do canto de lamento com toques de Oriente Médio – que já havia iniciado em Deliver me from my enemies pt. IV, do disco anterior – na faixa Ezeaóyme, que mais para o fim se torna uma cacofonia de vozes. E, como sempre, trabalha com timbres considerados feios pelos ouvidos menos acostumados. Cris D’Aveugle, por exemplo, começa com gritos tão agudos que podem ser descritos como o equivalente vocal de unhas arranhando a parede.

Enfim: 100% expressividade, 0% concessão ao gosto médio do público, ao mercado, ao agradável. Como tudo o que Diamanda Galás faz.


quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Troféu como não escrever sobre música - and the winner is...

Gosto de músicos que refletem sobre a arte que fazem, gosto de músicos que escrevem essas reflexões e gosto do Liturgy. Dessa forma, foi com a maior boa vontade que li o manifesto "Transcendental Black Metal", escrito por Hunter Hunt-Hendrix, vocalista-guitarrista da banda. Mas nem toda a boa vontade do mundo seria suficiente para achar qualquer coisa de prestável em suas (felizmente poucas) páginas. É um pastiche de Nietsche, Marx, Walter Benjamin, conhecimentos primários de física, química e biologia, frases de efeito e metáforas, tudo embalado por uma escrita tosca e repetitiva.

É tão absurdamente LIXO que me dei ao trabalho de traduzi-lo, só para que mais gente consiga entrar em contato com essa peça rara da pseudo-filosofia musical. Se você não sabe o que é vergonha alheia, aqui está uma chance de provar o gostinho agridoce do constrangimento. Mas antes do horror, um clipezinho do Liturgy, só pra provar que a banda é realmente interessante, embora com alguns probleminhas (falarei sobre ela em breve...):




Black Metal Transcendental - Uma visão do humanismo apocaliptico

Prologomenon

Alguém pode propor um novo significado para o black metal junto com uma nova gama de técnicas para ativar esse significado. O significado do Black Metal Transcendental é Afirmação, e sua nova técnica é o Burst Beat.

A vontade de potência possui dois estágios. O primeiro pode ser chamado de Fortificação; o estabelecimento de um paradigma ou conjunto de regras e, consequentemente, a exploração do potencial que está contido nesses limites. O segundo estágio pode ser denominado Sacrifício; uma auto-destruição, uma auto-superação na qual as regras iniciais, completamente digeridas e satisfeitas, são então mutiladas. Elas são transformadas na base de algo novo e inédito.

Black Metal Transcendental é o black metal no modo de Sacrifício. É a retirada das características superficiais e uma nova exploração da essência do black metal. Como tal, é solar, hipertrofiado, corajoso, finito e penúltimo. Seu tom é a Afirmação e sua técnica-chave é o Burst Beat.

Hoje, USBM vive à sombra do Black Metal Hiperbóreo. Chegou a hora de uma ruptura decisiva com a tradição europeia e o estabelecimento de um black metal verdadeiramente americano. E devemos falar “americano” em vez de “US”: os US são um império em declínio; a América é um ideal eterno que representa dignidade humana, hibridização e evolução criativa.

O ato de reniquilação é a traição do Black Metal Hiperbóreo e a afirmação do Black Metal Transcendental. E é, ao mesmo tempo, a constituição de um humanismo apocalíptico a ser chamado de Aesthetics. Assim sendo, a questão do Black Metal Transcendental é somente a ponta do iceberg em cuja base está escondida uma nova relação entre arte política, ética e religião.

Parte I - A morte de Dead

O vazio tátil como causa final

A história do metal pode ser considerada em termos de níveis de intensidade. Considerado dessa maneira, o black metal mostra-se como a culminação ou ponto final dessa história, e também uma rua sem saída.

O desenvolvimento histórico do metal extremo não é uma série acidental de mudanças estilísticas. É teleológica – governada por um Ideal, ou uma causa final, vagamente entendido porém intensamente sentido. Essa causa final é chamada de Vazio Tátil.

O Vazio Tátil é um valor de intensidade hipoteticamente total ou máximo. É o horizonte da história do metal.

A orientação em direção ao Vazio Tátil é expressa como sentimento. O sentimento é uma unidade, mas em pensamento podemos dividi-lo em quatro elementos:

Há, em primeiro lugar, uma certa contração muscular, uma constrição das mandíbulas, pulsos, braços e tórax.
Em segundo, há um afeto: uma certa agressividade ou brutalidade, uma sensação paradoxal de poder, destruição, plenitude e vazio.
Em terceiro, esboça uma satisfação primordial relacionada ao afeto que age normativamente. Bom metal produz um aroma satisfatório de contração, constrição e afeto brutal.
Finalmente, há um je ne sais quoi vagamente discernível que diz “não é suficiente”. Uma insatisfação complementar – como se qualquer colapso brutal não fosse brutal o suficiente. É uma fissura, uma rachadura, uma falta de ser. Uma insuficiência comparada à plenitude prometida. Talvez seja a incapacidade de qualquer música concreta se equiparar à inspiração que a gerou. Paradoxalmente, essa insatisfação é sentida em proporção direta ao nível de seu complemento.

É essa insatisfação, esse quarto elemento, que faz com que o metal extremo desenvolva novos estilos ao longo do tempo. É o impulso da causa final. Esse buraco, essa fissura, é o anjo que guia a história do metal. Vemos o metal marchar em direção ao vazio, deixando thrash, death metal e black metal, sucessivamente, como resultado.

Mas a promessa feita pelo Vazio Tátil é uma mentira. Só sua ausência se faz presente.

Transilvanian Hunger

Black Metal Hiperbóreo é a culminação da história do metal extremo. O Black Metal Hiperbóreo nasceu no Círculo Ártico, que é tradicionalmente conhecido como região Hiperbórea. A região Hiperbórea é uma terra não cultivada porque falta periodicidade. Não há morte ou vida lá, porque o sol não nasce nem se põe.

Black Metal Hiperbóreo é a culminação da história do metal extremo (que é a culminação da história da Morte de Deus). O sujeito dessa história pode ser comparado a um alpinista, fazendo manobras sobre e através os vários terrenos de thrash, grindcore e death metal – ou então, escavando esse terrenos nas encostas das montanhas – e lutando para alcançar o Vazio Tátil, vagamente entendido porém fortemente sentido, vislumbrado claramente do cume.

Black Metal Hiperbóreo representa a chegada do alpinista ao pico e um suposto salto a partir dali, indo diretamente para dentro do Vazio Tátil. Uma intensidade total, máxima. Uma completa enchente de som. Uma plenitude absoluta.

Mas lá ele aprende que não é possível distinguir a totalidade do nada. Ele aprende que é impossível saltar para dentro do horizonte. E ele é deixado, abatido e sozinho, na região Hiperbórea. É um lugar morto e estático, uma terra polar onde não há oscilação entre dia e noite. Mas estase é atrofia. A região Hiperbórea está morta com pureza, totalmente absoluta, imutável e eterna. O alpinista passa por uma apostasia profunda que ele não consegue entender completamente e chega ao niilismo.

A técnica do Black Metal Hiperbóreo é o blast beat. Black metal puro, representado por Transilvanian Hunger, significa open strumming e um blast beat contínuo. Mas o blast beat puro é a própria eternidade. Sem figuras articuladas, sem começo, sem fim, sem pausas, sem variação de dinâmica. É um pássaro planando no ar sem nenhum lugar para pousar nem por um momento. O que a princípio parecia um grande clamor decai para um zunido atrofiado. Tendo escalado até o topo da montanha, o alpinista se deita e congela até a morte.

Parte II - A afirmação da afirmação

América

Black Metal Transcendental representa uma nova relação com o Vazio Tátil e a auto-superação do Black Metal Hiperbóreo. É uma sublimação do Black Metal Hiperbóreo tanto no aspecto espiritual quanto no aspecto técnico. Espiritualmente, transforma o niilismo em afirmação. Tecnicamente, transforma o Blast Beat em Burst Beat.

Espiritualmente, nós reconhecemos o niilismo e nos recusamos a afundar nele, tarefa que parece impossível. Black Metal Transcendental é Reniquilação, um “Não” a toda gama de Negações, o que se transforma na afirmação da continuidade de todas as coisas.

Black Metal Transcendental é a reanimação da forma do black metal com uma nova alma, uma alma cheia de caos, furor e êxtase. Um clamor alegre especificamente americano que também é um tremor. Ou talvez seja o ato oposto: a retirada da casca de convenção, a pele morte de clichês e uma nova exploração da alma viva do black metal, com objetivo de reativar sua mais pura essência e produzir algo que cresce a partir disso mas não se parece com suas encarnações passadas por ser construído desde a fundação em tempo e espaço diferentes. Construído na América. Uma América que nunca existiu e possivelmente nunca irá existir. Uma América que representa o humanismo apocalíptico de William Blake. A América celebrada na Appalachian Spring de Aaron Copeland ou Skies of América de Ornette Coleman.

Essa América é uma metáfora da criatividade pura e irrestrita, o exercício corajoso da vontade e a alegre experiência da continuidade da existência. Uma celebração da evolução híbrida e criativa.

O Burst Beat

A espinha dorsal do Black Metal Transcendental é o Burst Beat. O burst beat é um hiper blast beat que tem fluxo e refluxo, se expande e se contrai, respira. Substitui morte e atrofia por vida e hipertrofia. Essa transformação é conseguida por duas partes essenciais: aceleração e ruptura.

A primeira parte essencial do burst beat é aceleração. O burst beat acelera e dasacelera. Tem fluxo e refluxo. Esse fluxo espelha a vida assim como estimula a vida. Expande e contrai como a maré, a economia, dia e noite, inspiração e expiração, vida e morte.

A segunda parte essencial do burst beat é a ruptura. O burst beat consiste de rupturas repentinas e transições de fases. Como todo sistema natural, passa repentinamente de um estado para outro. Pense no cavalo quando muda do andar para o trotar para o galope. Pense na água quando passa do gelo para o líquido para o gás. O momento da ruptura é o momento de transcendência. O que é sagrado senão o momento em que a água vira vapor? Ou o momento em que o andar se transforma em correr?

O burst beat expressa um arco de intensidade. Ele responde e suplementa o fluxo melódico em vez de oferecer um receptáculo ou pano de fundo rítmico. A taxa de mudança de tempo, tanto positiva quanto negativa, corresponde a um nível de intensidade. Qualquer tempo estático é um grau zero.

O burst exige total despesa de poder e seu próprio exercício fomenta o crescimento e aumento de força. E ainda assim o burst beat nunca chega a lugar nenhum, eternamente “ainda não” ao seu destino final, eternamente “quase” no tempo alvo. Como um nômade, o burst beat sabe que nunca irá chegar.

Espelhando a vida, o burst beat estimula e fomenta a vida. Fomentando a vida, o Black Metal Transcendental afirma a vida.

Hiperbóreo Transcendental
niilismo afirmação
atrofia hipertrofia
blast beat burst beat
lunar solar
perversão coragem
o infinito o finito
pureza penultimidade


Propriedades

O Black Metal Transcendental existe como uma unidade, mas em pensamento pode ser analisado por sete propriedades:

Por que o Black Metal Transcendental é afirmativo?
O Black Metal Transcendental é, de fato, niilismo, no entanto é um niilismo duplo e um niilismo final, uma negação de uma vez por todas de uma série inteira de negações. Com esse “Não” final, chegamos a um tipo de afirmação vertiginosa, uma afirmação que é tensa, aterrorizada, não sentimental e corajosa. O que afirmamos é a condição factual do tempo e a incapacidade de decidir o futuro. Nossa afirmação é uma recusa à negação.

Por que o Black Metal Transcendental é hipertrofiado?
Crescimento é vida, estase é decadência. Estamos comprometidos a lutar eternamente, vivendo um tipo de revolução permanente. Assim como um músculo bem exercitado é belo e poderoso, seremos belos e poderosos. Na verdade, não existe estase. A única escolha é entre atrofia e hipertrofia. A celebração da atrofia é confusa, fraca e neurótica. A celebração da hipertrofia é honesta e viva.

Por que o Black Metal Transcendental é solar?
O Black Metal Transcendental é solar em três respeitos, seguindo três aspectos do sol: periodicidade, intensidade e honestidade. O sol permite que as coisas nasçam e cresçam, para que morram. O burst beat é periódico porque nasce e se põe como o sol. O sol encanta e queima. Participamos na intensidade porque não somos sentimentais e sabemos que a morte chega. Mas por que não seguir um objetivo, seguir o sol e perseguir seus dons? Por que não ficarmos em chamas em vez de diminuir até virar uma partícula de areia? O sol representa a Verdade e revela tudo o que toca. Somos honestos porque nos recusamos a espreitar das sombras, nos recusamos a apontar o dedo, nos recusamos a praticar nossos ritos em segredo. Não somos doentios, malvados, odiosos. Não nos escondemos atrás de figurinos e parafernália.

Por que reverenciamos o finito em vez do infinito?
O que é sagrado é dar cada passo. Cada decisão honesta. O infinito é óbvio e está em todos os lugares. Comprometer-se com o finito requer coragem e produz hipertrofia. Deus é infinito, a natureza é infinita. O infinito está em todos os lugares e é vulgar. O finito sim é raro. O finito sim é peculiar à humanidade. A finitude significa confrontar o que está presente à mão autenticamente e fazer o que é honesto com os meios à disposição. O solar nutre o finito. O finito nasce, luta e morre.

Por que reverenciamos a penultimidade?
O Black Metal Trancendental sacraliza o penúltimo momento, o “quase” ou o “ainda não”, porque descobriu-se que não há nada após o penúltimo momento. O penúltimo momento é o momento final, e acontece a todo momento. O tecido da vida é aberto. Não há nada que seja completo; não há nada que seja puro.

Por que o Black Metal Transcendental é corajoso?
A coragem é aberta e rústica. Coragem significa voar em direção ao horizonte sem a garantia de um local para pousar. Coragem é o salto ativo e honesto de um momento para o outro. Sem dissimulação, sem desculpas, sem ironia, sem reclamações. A Coragem não possui objeto de ataque. A Coragem não é gasta, desapontada e sem emoção. A Coragem não é um voo na fantasia e na nostalgia. É o oposto de Perversão. Perversão é liberdade falsa. Um dardo venenoso atirado das sombras. Um recuo que parece avanço. Um ataque que é na verdade apenas um escudo. Perversão é dissimulação; coragem é autenticidade. A Coragem não tem imagem de si mesma. É inovadora. Não tem nenhum caminho anterior. Seu único traço é o rastro que deixa por onde passa.

Epílogo - Sete teses sobre Aesthetics

1. Black Metal representa uma auto-superação da Contracultura e a ascensão de Aesthetics.

2. Aesthetic poderia ser uma terceira modalidade da arte ao lado do cômico e do trágico. Nem açucarado nem irônico, sem preocupação em relação tanto à verdade inefável quanto ao que é muito óbvio. Seria uma arte diretamente neural fomentando alegria, saúde, ressonância, despertar, transfiguração e coragem.

3. Aesthetic é estético, ascético e ético.

4. Os antigos identificaram o Verdadeiro, o Bom e o Belo. Depois que a poeira baixar e o trabalho da modernidade e da pós-modernidade estiver feito, e a as divisões entre alta cultura, cultural de massa e contracultura não existirem mais, o que sobra? Uma única, brilhante Cultura que é Verdadeira, Boa e Bela.

5. Na era da informação, a cultura passou da superestrutura para a base. Despida de poder de coerção há tempos, a cultura agora é tida como uma força econômica sem precedentes, que intensifica seu poder espiritual, poder sobre corações e mentes. A questão de qual deve ser sua função permanece.

6. O assassinato de Euronymous por Varg Vikernes aparece como o gesto fundador da tradição do black metal. Na verdade, é um mero mito de origem, encobrindo seu verdadeiro gesto fundador. O verdadeiro gesto, embora menos notório, é o suicídio de Dead. Compare o “eu traí a contracultura” de Cobain com o “eu me traí pela contracultura” do Dead. A morte de Dead inaugura secretamente o nascimento do black metal e a morte da contracultura como tal. Só a ausência da voz de Dead assombra De Mysteriis, então a recente volta de Attila para o Mayhem significa que estamos prontos para explorar as implicações do suicídio de Dead.

7. Aesthetics é a ressurreição da aura e uma afirmação do poder do significado de significar.

sábado, 6 de agosto de 2011

Clássicos do dia 7: Diamanda Galás - Masque of Red Death pt 1


O Clássicos de agosto vai ser especial, já que vou falar sobre uma trilogia: a resenha do primeiro disco sai agora dia 7, do segundo no 17 e do terceiro no 27. A trilogia em questão é Masque of Red Death, de Diamanda Galás, que trata do tema da AIDS. O irmão dela morreu da doença e a partir de então ela se tornou militante dos direitos dos HIV+ (ela até tem uma tatuagem “We are all HIV+”).

Divine Punishment, o primeiro da série, é o mais pesado (em todos os sentidos) e, na minha modesta opinião, o melhor dos três. Foi lançado em 1986, ainda no início da epidemia, quando os reaças de plantão pregavam que a AIDS era uma punição divina aos homossexuais, prostitutas e viciados, e que os contaminados deveriam ser apartados da sociedade. Diamanda Galás, que além de cantora e pianista com formação clássica, estudou bioquímica, sabia que a AIDS não se transmite pelo ar e que essa era uma manobra dos fascistóides para segregar quem não segue seus padrões morais/moralistas.

É disso que trata o disco, cujas letras (exceto da última música) são todas tiradas do Antigo Testamento, e, portanto, mostram um deus furioso e vingativo. A letra da última faixa, Sono L’Antichristo, escrita pela própria Diamanda, apresenta dois conceitos importantes para compreender a crítica contida em todo o disco e o paralelo entre textos bíblicos de milhares de anos e a condição dos “””desajustados””” de 1986. O primeiro é o conceito de Satã do Antigo Testamento, entendido, segundo as palavras da artista, como “o inimigo da sociedade, alguém que está separado da sociedade por escolha ou por herança, ou ambos”. O segundo é um conceito que ela mesma elaborou, o de “shit of God” (merda de Deus): “os “erros” de Deus, aqueles que os legisladores querem depositar fora da cidade... e aquelas pessoas que não estão interessadas em produzir para o Estado”.

“Minimalista” é uma palavra inadequada para descrever Divine Punishment, mas há no disco uma clara economia de instrumentos (só piano, teclado, percussão e eletrônicos e nunca todos são usados juntos; aliás, algumas faixas são totalmente vocais) e os próprios arranjos dão espaço ao silêncio e fazem uso de drones. Isso na parte instrumental, porque no vocal o pau come solto. Diamanda Galás é dona de uma técnica impressionante e, além de ter uma extensão vocal fora do comum, é capaz de criar uma gama enorme de timbres com a voz. E o melhor é que ela usa o talento a favor da expressão, mesmo que isso signifique fazer a voz soar “feia”. Como no disco em questão o clima é tétrico, há muitos vocais roucos, quase guturais e desesperados (Deliver me from my enemies pt V) gritos agudíssimos ensurdecedores e voz de choro (Deliver me from my enemies pt VI), cantos de lamento (Deliver me pt IV), e até vocais um tanto diabólicos (Deliver me pt III). Se as pinturas de Bosch representando o inferno tivessem trilha sonora, não seria muito diferente do que se ouve em Divine Punishment:

Sono L’Antichristo fecha o disco de maneira espetacular, com um teclado ao mesmo tempo grandioso e tenebroso, gritos inumanos e um final épico no qual ela (e, por consequência, o irmão falecido e todas as merdas de deus) afirma orgulhosamente sua condição de pária.

Sei que é uma comparação injusta e talvez até equivocada, mas como o disco trata da questão da AIDS e, especificamente, do preconceito contra quem tem a doença, não pude deixar de lembrar do filme Filadélfia. Mas enquanto a produção hollywoodiana aborda o tema de maneira piegas e mostra o doente quase como um coitadinho, Diamanda Galás dispensa a piedade e o sentimentalismo e desfere um belo e assustador soco no estômago do ouvinte.


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Helmet em São Paulo


Quinta-feira passada, os americanos do Helmet fizeram um show em SãPã, em uma casa no baixo Augusta (rápida explicação: o Helmet é uma banda de metal formada na virada dos 80 pros 90. Lançou quatro discos e se desfez no fim dos anos 90. Em 2004, o guitarrista-vocalista-compositor-fundador Page Hamilton resolveu ressuscitar o grupo, que desde então já lançou mais três discos).

Meu medo maior era que a banda se focasse mais nas faixas dos álbuns recentes, que são bem ruinzinhos (outra rápida explicação: o Helmet foi uma mega influência para o nu metal, só que a impressão que dá, nesses discos pós-retorno, é que o nu metal inspirou o Helmet. Juro que tem uma faixa de Size Matters que lembra de leve Linkin Park - é, TENSO).

Felizmente, meu medo não se concretizou. O repertório do show passeou por toda a carreira do grupo, incluindo aí o quase hit Unsung, Wilma's Rainbow, Birth Defect, Blacktop, In the Meantime... Todas executadas perfeitamente, sem nenhum deslize - se lembrarmos que, tirando o Hamilton, todos estão na banda há pouco tempo (o guitarrista base talvez não fosse nem nascido quando o grupo lançou o primeiro disco), foi um feito surpreendente.



No entanto, o show teve seus probleminhas - e o mais bizarro é que esses problemas parecem ter sido causados pelo fato de Page Hamilton ser um cara absurdamente gente boa. Vejamos:

- Page Hamilton é tão gente boa que o volume da sua guitarra estava igual ao da guitarra base. Ou seja: na hora dos solos, praticamente não dava para ouvir o que ele tocava. O que é uma merda, visto que é nos solos que Hamilton mostra todo seu lado noizêro de quem no Glenn Branca Ensemble e se aventura por maluquices free jazz. O público berrava "aumenta essa porra!!!", mas Hamilton é gente boa demais pra pedir pro técnico aumentar a porra, ou pra ir ele mesmo e enfiar a pata no botão de volume do amplificador.

- Page Hamilton é tão gente boa que pergunta para o público o que ele quer ouvir. Umas três ou quatro vezes ele meio que parou o show para ouvir sugestões da plateia. Claro que nessas horas 498368 pessoas começaram a berrar ao mesmo tempo, e claro que sempre tem aquele fã mala pedindo para tocarem uma sobra de estúdio da gravação da primeira demo da banda. Apesar dos esforços de Hamilton para fazer todos felizes, teve um desgraçado do meu lado que passou o show todo gritando "Sinatra!!!", que eles não tocaram - uma pena, pois acho essa a música mais foda do Helmet.

- Page Hamilton é tão gente boa que quis homenagear o público brasileiro tocando música brasileira, então em um certo ponto do show começou a puxar umas bossas (começando por Garota de Ipanema, sente o drama). Ninguém teve coragem de gritar algum desaforo, mas as expressões de "Que merda é essa?!", "Aqui nós odiamos essa porra!" e "Você está queimando seu filme animalmente" fizeram com que ele rapidamente desistisse de encarnar o João Gilberto.

Tirando isso, foi só alegria.