Na correria de lista de melhores discos de 2012, acabei
finalmente ouvindo o álbum Sexually
Reactive Child, do VICTIM!, projeto-solo do Cadu Tenório (Sobre a Máquina).
Várias vezes eu conheço o trabalho de um artista – ou ouço um lançamento de
alguém que já conheço – e fico com vontade de entrevistar a pessoa. Mas nesse
caso, rolou algo até então inédito: senti que seria impossível fazer um texto
sobre o disco sem antes pegar umas informações com o Cadu.
Pelo nome do projeto, do disco e das faixas (Trauma #1, Trauma #2 etc) e também pela capa belamente assombrosa (obra do
artista Thiago Modesto), já fica bem claro que o disco trata de um tema
especialmente espinhoso – e a questão que vem logo à mente é: mas essa
desgraceira toda é autobiográfica?
E foi justamente essa a primeira pergunta que eu fiz para o
Cadu em um bate-papo via Facebook na noite de ontem (jornalistões de plantão:
deixo aqui claro que não se tratou de uma entrevista, apenas uma coleta de informações,
ok?). Eu esperava duas respostas:
- Não, é tudo mentirinha (confesso que estava
desejando ler isso)
- É autobiográfico, sim. Utilizei a música como ferramenta para lidar com esses traumas
- É autobiográfico, sim. Utilizei a música como ferramenta para lidar com esses traumas
Mas o que veio como resposta quase me fez cair da
cadeira – e me fez multiplicar por dez a admiração que eu já tinha pelo
trabalho do disco. Reproduzo aqui o que ele explicou: “na
verdade o ponto de partida foi o som. Mas pra chegar no que eu queria em termos
de som, eu precisei lidar com um tema que fosse forte pra mim de verdade”.
Ou seja, em vez de usar
a arte para resolver uma questão pessoal, ele utilizou memórias nada felizes
para atingir um objetivo artístico. “eu sempre quis lidar com esses fantasmas da forma mais saturada possível
em termos de som, alcançar algo violento, de verdade, pesado mesmo”, completou.
Outra coisa que já tinha me chamado a atenção
durante a audição de Sexually Reactive
Child e que se acentuou depois da conversa com ele é a grande variedade de
timbres do disco – quem acompanha o Destruindo Pianos sabe que eu piro nisso.
Logo dá pra sacar que é um trabalho elaborado e não algo feito em uma sentada
na frente do laptop. Cadu trabalha com a ideia de paisagem sonora da música
concreta e muitos dos sons presentes no álbum foram captados na casa onde vive:
portas, gavetas, basculante abrindo e fechando, secador de cabelo, maçanetas,
torneiras frouxas, porta de correr do box – alguns desses objetos estavam
presentes no cenário em que os traumas ocorreram. Cadu também criou loops
rítmicos a partir de sons captados de superfícies e do chão: “é uma das coisas
com a qual mais experimento, microfones, microfonias controladas, captação de
contato, loops ritmicos gerados a partir disso”.
Para completar, ele usou violino, flauta, sintetizadores
e pedais. O resultado é um disco extremamente perturbador e claustrofóbico,
carregado daquela bad vibe em estado bruto à lá Throbbing Gristle (uma das
maiores influências musicais de Cadu). Em Trauma
#3, fiquei com os pelos do braço eriçado e quase comecei a chorar enquanto
a voz desesperada berra “You can’t touch me like that!”. Ao longo das faixas,
descortinam-se cenas de tortura, pornografia hardcore e angústia insuportável. Um
trabalho artístico incrível, mas que deixa o ouvinte com a ideia de que talvez
não seja tão mau assim o mundo acabar no próximo 21 de dezembro.