quarta-feira, 27 de março de 2013

Novidade do VICTIM!


Se você acha que a infância é a época mais linda da vida, que tudo é só alegria e inocência e desenhos animados fofos na TV, o VICTIM! é pra você - pra juntar suas convicções construídas durante anos de Show da Xuxa e mandá-las descarga abaixo.


Sexually Reactive Child foi provavelmente o disco mais bad vibe de 2012 (falei bastante sobre ele aqui), e agora em abril Cadu Tenório vai lançar o álbum Lacuna. A faixa-título já apareceu na internet, acompanhada de um clipe igualmente perturbador, com direito a cenas de vídeos familiares e fotos rabiscadas de crianças:

VICTIM! - Lacuna from VICTIM! on Vimeo.


Fazendo uso de um extenso trabalho de pesquisa sonora e construção de timbres para retratar o horror, e usando o horror como alimento da exploração sonora, o VICTIM! segue sendo um dos projetos mais interessantes do noise nacional atual.

Update 9 de abril: o disco já está disponível para download no site da Sinewave. E a +Soma fez uma entrevista e um faixa a faixa bem bacanas com o Cadu Tenório. Confira aqui.
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domingo, 3 de março de 2013

Vem tacar fogo no mundo



Mats Gustafsson, responsável por um dos melhores discos de 2012, The Cherry Thing, começou 2013 com uma outra deliciosa pedrada na cabeça. Exit! reúne o trio Fire! (que tocou no Brasil em 2011 no festival Jazz na Fábrica) e outros 28 músicos de free jazz, noise, rock experimental e avnt garde da Suécia. As letras são de Arnold de Boer, vocalista atual do The Ex. O disco me pegou desde a primeira audição, há mais ou menos um mês atrás, e desde então venho ensaiando escrever um texto sobre o que faz o álbum tão incrível - e, surpreendentemente, não foi tarefa fácil.

Embora Exit! tenha inegavelmente um ar de frescor, ao analisar friamente a música, não encontrei nada que já não tenha sido explorado antes, inclusive no The Cherry Thing (e ainda há algo totalmente novo a ser explorado na música? a dúvida paira no ar). O que parece ser o grande trufo do disco é levar técnicas e ideias à quase perfeição. Por exemplo, o uso de uma base repetitiva.

O baixista Johan Berthling é um herói, simples assim. Porque só com senso rítmico aguçado e ego sob controle é possível fazer o que ele faz. Na primeira faixa do disco (Exit! é composto por duas faixas, uma de pouco mais de 19 minutos e outra de 25) ele passa nada menos do que 10 MINUTOS executando em loop uma sequência de três notas, e depois mais uns oito minutos tocando uma sequência de oito notas. Enquanto o baixo se mantém firme e forte na base, a música passa por diferentes climas, mudanças de dinâmica, momentos de calmaria e de explosão sonora com vários instrumentos improvisando ao mesmo tempo. 

Até aí, nada de novo no front - quantos artistas já não usaram essa técnica antes? Mas o fato é que esse recurso faz com que a música de Exit! seja ao mesmo tempo experimental e cheia de groove, uma música elaborada que pode ser apreciada com o corpo e não só com o cabeção. Para isso, também colaboram o trabalho das cantoras Mariam Wallentin e Sofia Jernberg (que passeiam pela psicodelia à lá Jefferson Airplane, pela sensualidade à lá Neneh Cherry e pelos experimentos vocais à lá Diamanda Galás) e pelo uso de crescendos que pouco a pouco levam a música ao clímax. Novamente, Mats Gustafsson não inventou a roda - mas aprendeu direitinho a manejá-la para nosso prazer auditivo.



Finalmente, Exit! trabalha com diferentes gêneros musicais. Como Mats Gustafsson disse na matéria de capa da Wire de março: "... ver se você pode combinar, por exemplo, riffs dessa qualidade, que têm mais a ver com coisas de krautrock ou rock alternativo, e a liberdade do free jazz e do noise, e uma canção, letras - ver como tudo isso trabalha junto, ou então o atrito, a energia que dá à música". A fala do saxofonista logo me remeteu a uma das teorias que Simon Reynolds desenvolve em Retromania: de que boa parte da música feita hoje não é inspirada na vida e sim na coleção de discos do seu criador. É muito mais um trabalho de curadoria do que de invenção. 

No entanto, a abordagem de Mats Gustafsson é de outra natureza. Embora ele pague tributo a ídolos  como Peter Brötzmann e Don Cherry, ele não tem nenhuma preocupação com resgatar tradições, manter o jazz vivo ou qualquer coisa do gênero. Dá para perceber no som a empolgação do moleque de 18 anos que encontrou em Machine Gun a mesma energia das bandas punks que ouvia na sua cidade-natal no norte da Suécia. E assim Mats Gustafsson seguiu fazendo música sem nenhuma dívida com o passado nem com o futuro. O presente agradece.