terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Hurtmold no Auditório Ibirapuera


E por falar em dinheiro bem gasto, que showzaço foi o Hurtmold no Auditório Ibirapuera no domingo. A apresentação era uma comemoração dupla (dez anos de banda e três anos de Studio SP) e contou com a participação de Paulo Santos, do Uakti.

Minha convivência com músicos de jazz acabou me causando uma certa ojeriza à música popular instrumental - quando um professor gabaritado diz que "música é só um pretexto pra improvisar" tem algo de errado com a concepção de "música" do cara... Por esse meu probleminha particular, sempre mantive um pé atrás em relação ao Hurtmold. Vi uma apresentação deles uma vez no Outs, achei interessante mas meio enfadonho - claro, até Bach soa uma merda com aquela acústica.

A apresentação no Auditório Ibirapuera, que tem uma acústica incrível e onde tive uma das melhores experiências estéticas da minha vida (concerto do Pierre Henry, indescritível), me pareceu uma boa oportunidade de encarar esse monstro de seis cabeças. E, nossa: que puta banda!

Eles são o oposto de tudo aquilo que me irrita no jazz. Para começar, as músicas são instrumentais, mas não têm NENHUM SOLO. A coisa mais parecida com um solo foi quando Paulo Santos ficou tocando alguns instrumentos malucos enquanto os caras do Hurtmold seguravam uma base constante. Mas nada exagerado, masturbatório.

Provavelmente deve haver alguns momentos de improvisação, mas a banda é tão coesa e tem um espírito de coletividade tão grande que realmente não dá para perceber quando isso acontece. Enfim, as músicas do grupo são compostas do início ao fim, tem uma história, um fluxo narrativo - elas vão de um ponto e chegam a outro, diferente da maioria das composições de jazz que vão do nada ao lugar nenhum. Embora nem todos os jazzistas tenham coragem de afirmar, como o meu professor, que a "música é pretexto para improvisar", boa parte deles age assim na hora de compor. Porque o jazz é basicamente um tema tocado no começo, seguido por uma sucessão de solos (de sax, guitarra, baixo, bateria, lápis no dente, cachorro latindo), seguido pelo mesmo tema do começo executado novamente. Complexo, não? E é esse tipo de música considerada o supra-sumo da "sofisticação". Se levarmos em conta que a maioria dos temas são umas bobagens, a situação complica mais ainda - experimente tirar os solos de "So what", que são incríveis, preciso admitir, e veja o que sobrou da música...

Voltando ao Hurtmold: uma banda sem solos, com espírito de coletivo, composições maduras (e inteiras...) e, por fim, com zero de virtuosismo. Eles são ótimos instrumentistas, principalmente o Takara na bateria, mas nada que faça cair o queixo. O vibrafonista, inclusive, toca só com duas baquetas. Porque o que importa é o todo e não a habilidade individual de cada um. Ela é só necessária para o que a música pede. E, com criatividade e maturidade, ninguém precisa tocar guitarra plantando bananeira.

Apesar de um monte de gente na platéia estar registrando o show com suas câmeras digitais, não encontrei nenhum vídeo da apresentação no Youtube. Então deixo vocês com o clipe de "Sabo", música que abriu o show e que traduz muito bem tudo o que eu disse sobre a banda. Prestem atenção como o tema que é tocado no início passa por um desenvolvimento para voltar transformado no fim da música- até me lembrou da famosa "forma-sonata"...



segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Meredith Monk - Impermanência

Eu não conhecia Meredith Monk, mas me interessei pelo que li sobre ela nos jornais. Para não fazer a mesma cagada que fiz com o show da Laurie Anderson, corri para comprar meu ingresso para a apresentação de Monk no teatro Santa Cruz. Ainda bem, porque foram os 47 reais mais bem gastos da minha vida.

Meredith Monk nasceu aristicamente na vangarda novaiorquina dos anos 70, enveredou pelo budismo e hoje faz uma música que é um misto de experimentação e espiritualidade. Sua estética pode ser chamada de minimalista, repetitiva. Suas músicas/peças são como mantras (um tanto "vanguardeados", é claro). Não se sai de uma apresentação de Monk do mesmo jeito que se entrou - o que me faz pensar que, se não fosse o casal com DUAS crianças que não paravam quietas ao meu lado, eu teria saído do colégio Santa Cruz transmutada em monja tibetana.

E, falando em monjes tibetanos, Monk faz aquela coisa absurda com a voz que esses monjes também fazem: consegue emitir DUAS notas ao mesmo tempo. Só que os monjes vivem no meio do nada e passam o dia todo meditando e treinando peripécias vocais. E Monk vive em Nova York e passa o dia compondo, ensaiando, bolando coreografias, filmando - sim, ela é o que podemos chamar de artista multimídia.

Mas voltando à voz: Monk também é mestra em usar microtons, em mudar de timbre de um segundo para outro e de utilizar os mais diversos barulhos vocais - desde risadas, estaladas de língua até sons inclassificáveis. Seu Vocal Ensemble, formado por 4 cantores-dançarinos, também é impressionante. Mas não se trata de vistuosismo exibicionista: a técnica é usada a serviço da música, que é contida, minimalista.

Impermanência é uma das únicas obras de Monk que utiliza palavras, embora não o faça o tempo todo. E, mesmo nos momentos "literários", a palavra está lá mais pelo som do que pelo significado. Agora imagine uma música essencialmente vocal que consegue tocar o ouvinte sem possuir uma letra com sentido. Foi uma das pouquíssimas vezes que me senti próxima ao sublime.

Fui procurar no Youtube algum vídeo da apresentação e eis que me deparo com um documentário sobre Meredith Monk dirigido por Peter Greenaway. Lá vai:















sábado, 18 de outubro de 2008

Kill Your Idols

E a Pitchfork disponibilizou (provavelmente, por tempo limitado) o documentário Kill Your Idols. O filme conta um pouco da história da no wave, com entrevistas de Lydia Lunch, Arto Lindsay, Glenn Branca, Thurston Moore, entre outros. A partir de um certo ponto, o documentário começa a falar sobre a cena atual (atual de 2002...) de Nova York e a fazer comparações entre passado e presente e a coisa fica meio besta. Primeiro porque eles fizeram uma seleção completamente aleatória de bandas (tem desde o ótimo Gogol Bordello até o medonho a.r.e. weapons, de quem eu felizmente nunca mais ouvi falar), segundo porque esse discursinho de "ai, antigamente que era bom" não cola, né... ainda mais quando é uma Lydia Lunh balofa e ressentida quem está falando.
Mas, de qualquer forma, vale como documento histórico. E está disponível de graça...

O link: http://www1.pitchfork.tv/week/kill-your-idols

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Percorso Ensemble - A música de Steve Reich

Acabei de voltar do concerto A música de Steve Reich, do Percorso Ensemble, grupo brasileiro de percussão dirigido por Ricardo Bologna. Foi um concerto curto, só duas peças de cerca de meia hora cada uma. A primeira foi Six Marimbas, de 1986, e a segunda e última, Sextet, de 1984.

Antes de começar o concerto propriamente dito, Bologna explicou um pouco da técnica minimalista do compositor usando trechos da primeira peça como exemplo. O diretor também contou que Reich não gostava de ver sua música classificada como "minimalista": preferia "repetitiva". Enquanto isso, dezenas de mosquitinhos do calor, que na verdade são cupins, faziam a festa. E foi um tal de músico dar baquetada em mosquito, mosquito invadir partituras... uma beleza. Sorte que, segundos antes de o concerto começar pra valer, alguém do público deu a idéia de diminuir a luz do palco e acender uma luz no fundo da platéia para desviar os bichinhos infernais dos pobres percussionistas.

Problemas com insetos resolvidos, começou Six Marimbas. Me lembrou bastante a sexta sinfonia pra guitarra do Glenn Branca, sobre a qual já fiz alguns comentários aqui. No meio de um bololô sonoro, nascem algumas melodias, que começam baixinhas, crescem e depois se esvaem, como uma paisagem na estrada quando se está viajando de carro. E então nossa atenção se volta para uma acentuação diferente, ou para a própria base quase hipnótica de tão repetitiva, e depois para uma nova mini-melodia que surge suavemente. Como o próprio Bologna comentou, no pequeno intervalo entre uma peça e outra, a música minimalista talvez seja a mais democrática para o ouvinte, pois cada um tem sua atenção voltada para algo diferente, cada um tem sua própria audição da peça. Diferente da música a que estamos acostumados, na qual nossa atenção é constantemente guiada e só com muito esforço conseguimos reparar em algo que não seja a melodia principal. Na música minimalista, o ouvinte não é levado pela mão.

A segunda peça, Sextet, foi um pouco mais difícil de absorver - pelo menos para mim. Mas isso não é nenhum defeito, muito pelo contrário: quanto mais desafiador, melhor. Sextet é linda, com variedade timbrística que inclui tambores, marimbas, pianos, sintetizadores, vibrafones, vibrafones tocados com arco de contrabaixo e até um gongo (tocado uma vez só), mas, enquanto Six Marimbas possui uma forma rigidíssima (os três movimentos são praticamente as mesmas linhas rítmicas e melódicas tocadas em tonalidades diferentes), Sextet é mais solta. São muitos elementos, muitas possibilidades, enfim, muita informação, que meu cérebro pouco acostumado com música cerebral não conseguiu processar direito.

Acho que preciso de mais algumas audições para conseguir achar o Wally...

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Pobre blog abandonado...

Estágio (que só agora começou pra valer) + trocentos trabalhos pra faculdade + 9 LPs novos (Itamar, Tetê, Rumo, Premê - rimou!!) + muito sono = blog abandonado.

Mas prometooooo retomá-lo de verdade, nem que seja só em dezembro. Aí juro que posto uma resenha do Big Science, primeiro disco da Laurie Anderson (que é fodaço, jizuiz), falo mais sobre as sinfonias pra guitarra do Glenn Branca (que baixei e nem ouvi, desnaturada)e tudo mais que for barulhento.

Só pra não perder o pique, dois vídeos:


Performance Um Almoço para Arnold Schoenberg, by Dudu Tsuda e Tulipa Ruiz


"Seele Brennt" - Einstürzende Neubauten (é uma sacanagem com a borboleta,mas putavideofodadocaraleo)

sábado, 6 de setembro de 2008

Laurie Anderson

Não conhecia a Laurie Anderson(quer dizer, já tinha ouvido O Superman e detestado...), mas quando li que ela é uma artista experimental CASADA COM LOU REED corri para comprar ingresso para o show. Cheguei tarde demais, as apresentações de ontem e hoje já estavam todas esgotadas. Agora só me resta ficar baixando os discos, vendo os vídeos no Youtube e curtindo o que perdi por não saber quem era Laurie Anderson antes.

E ISSO é o que perdi:



Ah, mas esse vídeo é de um show de 1984 e dá pra bunda amolecer bastante em 24 anos. Pois é: a dela não amoleceu, não...

Vou enfiar minha cabeça na privada, puxar a descarga e já volto.

domingo, 17 de agosto de 2008

Um homem chamado Dominique




Post rápido para dar uma dica: Dominique Leone, texano com nome de francesa que faz um som que parece mistura de Beach Boys com Pink Floyd com Aphex Twin. Não vou falar mais porque estou fazendo uma resenha pro rraurl do disco de estréia do cara, que, aliás, dá pra baixar aqui.

sábado, 9 de agosto de 2008

Colapso

Em 1985, os alemães do Einstürzende Neubauten foram se apresentar em Tóquio. O cineasta Sogo Ishii, conhecido no underground japonês pela ligação com o punk rock local, aproveitou a deixa e resolveu fazer um filme com a banda. O nome da obra-prima nascida do encontro é Halber Mensch, que significa meio-humano, sub-humano. Com quase uma hora de duração, não é um documentário, nem uma compilação de clipes e muito menos um musical: é um filme sem história (o que não significa sem roteiro ou sem coesão) que mescla apresentações ao vivo, cenas bizarras e até um número de butô moderno.

Einstürzende Neubauten significa algo como “as novas construções estão em colapso”, em referência à arquitetura alemã pós-segunda guerra mundial. A partir de 45, as construções passaram a ser feitas com materiais baratos e, por isso, ficaram mais sujeitas a desabamentos. Humor negro do destino, dia 21 de maio de 1980 (menos de dois meses após o primeiro show da banda, ocorrido dia 1º de abril), um pedaço do prédio do Congresso (uma das novas construções mais famosas de Berlim) desabou. Mas seria estreito demais interpretar o nome da banda apenas em seu sentido literal: o que estava em colapso não eram apenas as novas construções, e sim a nova sociedade como um todo, que tinha no muro de Berlim o exemplo máximo de sua falência. Assim como os dadaístas expunham o horror da primeira guerra mundial em obras carregadas de sentido algum no início do século 20, o Einstürzende Neubauten (que, inclusive, é bastante influenciado pelo dadaísta Kurt Schwitters) retrata a decadência da civilização industrial com seu som quase insuportável.

Halber Mensch começa com imagens de um ferro velho. Dentro de um galpão abandonado, cheio de pedaços de concreto e ferro retorcido, a banda executa “Armenia”, “Sehnsucht”, “Abfackeln!” e “Zars torte zelk”. Canos, carrinhos de supermercado, serras, furadeiras viram instrumentos musicais nas mãos dos percussionistas F.M. Einheit e N.U. Unruh. Mas não se trata de nada no estilo Stomps: o som tirado dos objetos é desagradável, amorfo, enlouquecedor, assim como a civilização industrial da qual provêm. Os vocais ora gritados, ora sussurrados de Blixa Bargeld complementam o clima de desespero que paira sobre quase todas as faixas, nas quais elementos básicos da música ocidental como ritmo, tonalidade e melodia são reduzidos a pó. Na minha opinião, a mais interessante é “Zars torte zelk”, com uma linha de baixo de sonoridade tétrica sendo repetida ad infinitum. Embora as notas sejam sempre as mesmas, a intensidade muda de acordo com as variações do vocal de Bargeld, que também serve de guia para Einheit e seu carrinho de supermercado que, ao final da música, está parcialmente destruído.

Este clima de decadência é a tônica do filme, tanto musicalmente quanto em termos de imagem. Tão insólitas quanto perturbadoras, elas incluem um pedaço de carne sendo devorado por vermes, um gato em decomposição sendo levado para passear na praia e cenas de demolição, além do insano número de butô da companhia DaiRakudokan. O desespero parece estar impregnado nos movimentos, no figurino e na maquiagem dos bailarinos. Com “ZNS” como “trilha sonora”, é como se duas culturas distantes (a japonesa e a alemã) encontrassem um ponto de intersecção no pesadelo contemporâneo. O colapso. O colapso.





Tracklist:
Armenia (live)
Sehnsucht (live)
Letztes biest
Abfackeln! (live)
Zars torte zelk (live)
Halber mench
ZNS
Die Zeichenungen des patienten 0.1 (live)
Der tod ist ein dandy (live)
Schaben

Torrent aqui.

domingo, 27 de julho de 2008

Corais diabólicos

Será preciso ouvir mais umas vinte vezes para conseguir processar essa sexta sinfonia do Glenn Branca, batizada de "Devil Choirs at the gates of Heaven", mas já arrisco alguns comentários:

1) Que foda! (dãr...)
2) As guitarras distorcidas criam diversas camadas sonoras, como se fossem músicas paralelas, enquanto no "núcleo" da peça linhas melódicas delicadas e quase imperceptíveis são desenhadas. Tentar encontrá-las em meio ao caos sonoro é como procurar o Wally. Como na famosa porém um tanto esquecida série de livros, a busca pelo personagem/melodia descortina toda uma nova gama de imagens/sons.
3) Enquanto ouvia a peça, uma veia do lado esquerdo da minha cabeça começou a pulsar. Até hoje, nunca tinha percebido a existência dessa veia...

Torrent aqui.

sábado, 26 de julho de 2008

Yes, SYR


Está marcado para 2ªfeira, dia 28 de julho (também conhecido como depois de amanhã), o lançamento de Andre Sider af Sonic Youth. Este é o oitavo disco da série SYR, e consiste em 60 minutos de improvisação ao vivo gravada no festival de Roskilde, na Dinamarca, com a participação do saxofonista sueco Mats Gustafsson e do artista sonoro japonês Masami Akita (aka Merzbow).
Bancada pela gravadora independente da banda (chamada Sonic Youth Records), essa série mostra o lado ainda mais experimental, barulhento e vanguardista de Thurston Moore e Cia.
Lembra do vídeo do primeiro post? É uma faixa multimídia de SYR 4: Goodbye 20th Century, disco no qual o grupo interpreta peças de alguns dos nomes mais importantes da música de vanguarda do século 20. E ainda tem gente que acha que o Sonic Youth é aquela bandinha indie que toca "Sugar Kane"...

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Guitarras + orquestra + vanguarda

Desculpe a umbiguice, mas esse post começa com uma historinha pessoal.

Quando terminei o colegial, com 18 anos, resolvi me dedicar integralmente à música. Fui estudar no Conservatório Souza Lima (onde fiquei por 3 anos) e lá participei de um projeto chamado Orquestra de Guitarras Souza Lima, que é uma... êr... orquestra de guitarras. Funciona assim: um professor maluco e querido chamado Ciro Visconti (que também é guitarrista do Diáfanes) juntou um monte de guitarristas e botou os caras pra tocar música clássica. Mas não no estilo Malmsteen, que transforma obras-primas em pura merda egocêntrica. Não. Fazíamos bonitinho: éramos divididos em naipes como se fôssemos uma orquestra de cordas (havia o 1º e o 2º "violinos" - eu era do 2° - a "viola" e o "violoncelo", que era uma guitarra com uma afinação toda diferente e mais grave) e seguíamos à risca a partitura. Nada de bends, improvisos, solos.

Bom, não éramos lá essas coisas, mas como a idéia era original, as pessoas gostavam de nos ver tocar. O Ciro dizia que éramos a primeira e única orquestra de guitarras do mundo. Ele até brincava: "Somos a melhor orquestra de guitarras do mundo. Mas, se surgir alguma outra, corremos o risco de nos tornarmos a PIOR do mundo. Então, estudem".

Mas o grande Ciro estava errado. Um cara chamado Glenn Branca já havia criado algo parecido quase vinte anos antes e, para nosso azar, muuuito melhor. Sediado em Nova York, o Glenn Branca Ensemble executa peças compostas pelo próprio Branca, todas com forte caráter de vanguarda. A mais recente delas se chama Hallucination City Symphony for 100 guitars. Isso mesmo, CEM GUITARRAS.

Eles vem tocando pelo mundo, mas é difícil o Brasil entrar na rota de qualquer coisa ligada à música erudita contemporânea. E, como essa peça também não foi registrada em disco ainda, o jeito é assistir alguns trechos pelo Youtube, todos com áudio péssimo.



Mas nem tudo é desgraça: as peças mais antigas (a Hallucination é a 13ª) foram registradas em disco, que já estão sendo devidamente baixados pelo torrent. Mais posts do Branca em breve.

ps1: caso alguém se pergunte por que eu estou falando sobre um cara que faz música erudita (ainda que com guitarras) sendo que prometi ficar apenas no popular, há uma explicação: Glenn Branca também foi uma figura importante da no wave e integrante da banda Theoretical Girls.

ps2: sabe quem já fez parte do Glenn Branca Ensemble? Thurston Moore e Lee Ranaldo.

ps3: a quem interessar possa:


A terceira pessoa da esquerda pra direita sou eu. Quatro anos atrás...

sábado, 19 de julho de 2008

James Chance and the Contortions


No ano seguinte à participação na coletânea No New York, o James Chance and the Contortions lançou seu primeiro álbum, intitulado Buy. Nele, a equação punk + free jazz ganha mais um elemento: o funk, resultando em um som simultaneamente ruidoso e dançante.

Além da mistureba maluca de estilos, outra coisa interessante da banda é a qualidade técnica dos integrantes. Apesar de não serem virtuoses (ainda bem!), todos sabem exatamente o que querem de seus instrumentos. Enquanto o sax de James Chance e as guitarras de Jody Harris e Pat Place soam ensandecidas (mas nunca fora do tempo ou tocadas de qualquer jeito), o baixo de David Hofstra e a bateria de Don Christensen sustentam o groove. A única coisa que faz uma certa falta é o órgão de Adele Bertei, que saiu do grupo após No New York. Em Buy, o instrumento aparece algumas vezes, mas de maneira mais tímida e executado pelo próprio James Chance.

O disco começa com “Design to Kill”, de pegada bem funk. Segue com “My infatuation”, que tem o sax mais dissonante da História (exageros meus à parte...) e com “I don’t want to be happy”, que lembra bastante o som do Devo, banda geralmente encaixada na categoria new wave – é, aquela mesma que a no wave supostamente era a antítese... Rótulos são pra refrigerante, não tem jeito.

A quarta faixa se chama “Anesthetic” e tem um clima charmoso de bar-esfumaçado-dos-anos-50, época em que o jazz era a música dos excluídos, dos beatniks, dos drogados, e não essa coisa de engomadinho que é hoje. A mesma atmosfera reaparece em “Twice Removed”, embora esta tenha mais guitarras distorcidas e gritos punks.

As demais músicas de Buy são puro groove. E como funk é para dançar e não para ficar analisando, o post acaba aqui.

Para baixar o bonitinho, clique aqui.
Link surrupiado do blog http://sonoraaurora.blogspot.com/

Fui.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Com a palavra, Lester Bangs

Nesse link, um texto do Lester Bangs sobre a no wave:

http://www.notbored.org/bangs.html

É bem legal, ele cita vários nomes da cena e explica a ligação com o free jazz e com a música do Velvet Underground. Esse texto saiu no Psychotic Reactions and Carburetan Dung, catatau de mais de 400 páginas que, no Brasil, foi lançado com o nome de Reações Psicóticas e é um livro de bolso de cento e poucas páginas. Vergonha...

segunda-feira, 7 de julho de 2008

No New York



Cara, foi um parto baixar esse disco. Até aprendi a fazer download pelo torrent pra conseguir – e no fim vi que é bem fácil usar esse treco... Mas enfim, falemos do que realmente importa.

No fim dos anos 70, logo após o estouro do punk, algumas bandas resolveram levar o espírito destruidor (no bom sentido) do movimento um passo além: apesar das letras contestadoras, dos berros e das cuspidas na cara de fãs, em termos estritamente musicais o punk não trazia grandes inovações. Pelo contrário: o que a maioria dos grupos propôs foi uma volta ao rock básico, então soterrado pelas toneladas de virtuosismo do progressivo. Tudo continuava em 4 por 4, tonal e com o velho esquema tônica- subdominante-tônica. Mas aí apareceram na cidade de Nova York bandas que, em vez de tocar três acordes na guitarra, preferiam socar o instrumento. Em oposição ao pop da new wave (também um desdobramento do punk), o novo estilo musical foi batizado de no wave.

Os shows das bandas de no wave duravam dez, quinze minutos, e eram uma explosão de ruídos. Foi nessas apresentações que um cara chamado Thurston conheceu um outro chamado Lee e uma garota chamada Kim. Os três resolveram montar uma banda e o resto da história todo mundo já sabe. Outra figura a se interessar pelo novo som foi o já conhecido Brian Eno – sim, antes de se tornar produtor do (glup) Coldplay, ele era um cara legal que tocou no Roxy Music, lançou discos fodaços como Here Come the Warm Jets e Taking Tiger Mountain, e percebeu a importância do que estava acontecendo em Nova York.

Em 1978, Eno resolveu organizar uma coletânea com os principais nomes da cena. Os escolhidos foram James Chance & The Contortions, Teenage Jesus and the Jerks, Mars e DNA. Cada um deles participou com quatro faixas, e assim nasceu No New York, o disco que foi um parto baixar.



James Chance & The Contortions (creditada apenas como Contortions) é a primeira banda, e abre a compilação com “Dish It Out”. A música começa com o baixo fazendo uma linha simplíssima enquanto um saxofone cospe desordenadamente zilhões de notas, quase nenhuma delas afinada e muitas delas em frequências agudíssimas. O uso do sax remete ao free jazz, estilo que (e)levou o jazz ao caos sonoro e que também foi fonte de inspiração pro povo da no wave. Depois de mais de um minuto de sopros insanos, entra um órgão e James Chance (que também é quem toca o sax) começa a cantar, quer dizer, a berrar. Apesar do clima aparentemente caótico, a música segue a forma tradicional estrofes – refrão.

Na faixa seguinte, “Flip Your Face”, o refrão é abolido e as guitarras ganham mais projeção. Como em “Dish it Out”, o baixo executa uma linha bem definida e constante, com notas afinadas, e sobre essa base vem a barulheira, desta vez extraída das seis cordas (esse esquema, aliás, lembra bastante o do trio Thurston-Lee-Kim, não? Referências são tudo nessa vida). Em “Jaded”, é a vez do órgão ganhar mais espaço, martelando acordes dissonantes que, somados ao andamento lento e às incursões ruidosas das guitarras e do sax, formam o fundo instrumental para a letra sobre amor obsessivo. “I Can´t Stand Myself”, última faixa do The Contortions é um cover, ou melhor, “cover” de James Brown e segue o mesmo modelão “baixo segurando a onda (e nesse caso, fazendo um groove) enquanto a casa cai”.



O próximo da lista é o Teenage Jesus and the Jerks, da lendária vocalista/guitarrista Lydia Lunch. Ela foi uma figura importantíssima da no wave a até teve uns rolos amorosos com o James Chance, mas sua banda estava muito atrás do Contortions. Além de menos experimental, o Teenage Jesus é tosco – coisa que o baixo da primeira faixa, “Burning Rubber”, já deixa bem evidente. As letras e a interpretação angustiada de Lydia Lunch são o trunfo da banda. Quando, em “The Closet”, ela expressa o horror de viver na classe média americana com um “I’m treated like Sharon Tate”, o arrepio na espinha é inevitável.


A terceira banda, Mars, chega mandando “Helen Forsdale”, música que segue o estilo Contortions de baixo normal e guitarra pirada – e que pirações legais... Letras quase ininteligíveis são uma característica da no wave, mas nessa música isso é levado ao extremo. Parece que o cara está cantando em alguma língua morta de uma tribo perdida da Groenlândia, mas, por incrível que pareça, “Helen Forsdale” é em inglês e até tem letra dela no encarte do disco (demorou pra baixar, mas veio completo!). Tentei umas três vezes acompanhar e juro que não dá para encaixar nenhuma palavra. Sério, NENHUMA. Punk à décima potência, baby.


Em “Hairwaves”, o vocal continua um emaranhado de grunhidos, mas é a música como um todo o que mais chama a atenção: não tem ritmo, melodia, harmonia ou tonalidade – pelo menos não identificáveis para os ouvidos de um ser humano normal. Toda cheia de buracos, quebras e silêncios, “Hairwaves” parece flutuar no nada. Linda. “Tunnel” também é pura entropia, só que dessa vez, furiosa. Já “Puerto Rican Ghost”, que dura apenas um minuto, é uma música de urgência (“mommy close the door/ mommy close the door/ puerto rican ghost/ puerto rican ghost”) e talvez também uma crítica ao medo de “chicanos”, tão comum na terra do tio Sam (ou talvez eu apenas esteja viajando na maionese).


O último nome da compilação é o D.N.A., banda que tinha Arto Lindsay na guitarra e que não possuía baixo. A primeira música (“Egomaniac’s Kiss”) e a última (“Size”) não fazem muito sentido dentro da coletânea por trazerem pouco radicalismo sonoro. São, digamos assim, punk rock convencional (no caso de “Egomaniac’s Kiss”, com uns toques de blues). Na instrumental “Lionel”, a coisa começa a melhorar, ou seja, a ficar mais barulhenta. “Not Moving”, a terceira faixa, é o ápice, com uma guitarra enlouquecida que, mais ou menos no meio da música, começa a emitir uns sons que parecem passarinhos psicóticos. E quando o vocalista repete “Not Moving, not moving”, ele fica em apenas uma nota, dando a sensação de que a própria música também não sai do lugar. Chico Buarque pós-punk.

E assim acaba No New York, o disco que foi um parto baixar, mas que não será mais, pois eu, legal que sou, comprimi o bichinho em .rar e botei no RapidShare:
http://rapidshare.com/files/127969866/VA_-_No_New_York__ogg_.rar.html

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Modo: Iniciar

Barulho transformado em música. Deixo minha esquizofrenia sonora de lado e me concentro nesse único assunto. No qual, aliás, não sou nenhuma especialista - longe disso. Com ouvidos quase-virgens vou penetrando o universo da no wave, do noise, da eletrônica experimental e de todas as músicas que não cabem em partituras. Minhas descobertas, compartilho aqui.

O nome do blog é uma homenagem ao Sonic Youth - banda que, junto ao Velvet Underground, me introduziu na música barulhenta:

Piano #13 (George Maciunas)


ps.: apesar desse primeiro vídeo cabeça, não tratarei aqui da música erudita contemporânea. Seria preciso muito conhecimento, coragem e arrogância para me meter a falar de Stockhausen, Cage, Pierre Henry.