quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Velvet Underground - Norman Dolph Acetate

Você está dando uma olhada em um sebo de discos em Nova York e se depara com um LP de selo amarelado no qual está escrito Velvet Underground. Você não sabe direito o que é, mas como só custa 75 centavos, você leva o vinil. Chegando em casa, você descobre que aquela é uma gravação de 66 do que viria a se tornar o álbum The Velvet Underground & Nico - uma espécie de LP-demo, digamos assim. A raridade vai a leilão e você fatura 25 mil doletas em cima de um disco que custou centavos - se bem que se fosse comigo eu não venderia nem ferrando, levaria essa jóia pro túmulo.

Bom, foi exatamente o que aconteceu com um canadense que atende pela alcunha de Mr. Hill em 2002. História velha, portanto. A novidade é que, há duas semanas, este site disponibilizou a belezinha em MP3. Na verdade, vale mais pelo fetiche da coisa mesmo, já que se trata do Velvet Underground & Nico com áudio tosco e sem "Sunday Morning" e "There She Goes Again" ("Venus in Furs" e "I'll be your mirror" estão no LP, mas não na versão em MP3...).

Agora, ainda bem que eles mudaram a ordem das faixas no álbum da banana, porque começar com "European Son" é demais até para o mais apaixonado noiseófilo...

E falando em Velvet, aproveito para postar uma resenha que fiz desse disco (o da banana, de 1967) no começo do ano passado:




Os subterrâneos

The Velvet Underground & Nico, o disco que jogou sombras sobre a Era de Aquário

A metedrina é um tipo de anfetamina que pode ser cheirada, fumada, injetada ou consumida em forma de comprimido. Provoca euforia, acende a libido, aumenta a capacidade de atenção e dá energia para que se fique acordado por muitas horas, mas também desencadeia a paranóia e deixa a pessoa tensa, travada, uptight. Na segunda metade dos anos 60, enquanto a onda Flower Power propunha “abrir as portas da percepção” por meio do uso de alucinógenos como o LSD, a metedrina era a droga favorita dos freqüentadores da Factory, estúdio/QG de Andy Warhol: artistas, cineastas, fotógrafos, travestis, freaks e os integrantes de uma banda novata chamada The Velvet Underground. Este grupo, descoberto e levado ao reino da pop art por Paul Morrisey (cineasta e parceiro de Warhol), lançaria em 1967 o álbum The Velvet Underground & Nico, um amálgama até então inédito entre vanguarda e rock’n’roll e um registro de ceticismo em meio à psicodelia paz e amor.

De cara, a sonoridade do Velvet chama a atenção pela presença de uma viola elétrica, tocada por John Cale. Artista ligado à música erudita contemporânea, ele havia sido aluno de seu quase xará John Cage (compositor cuja peça mais famosa é 4’33’’, que consiste em quatro minutos e trinta e três segundos de silêncio) e feito parte do Dream Syndicate, grupo cujas músicas podiam durar dias, já que não raro uma mesma nota era tocada ininterruptamente por horas a fio. Cale também gravou o piano e o contrabaixo em The Velvet Underground & Nico. Os demais integrantes eram o guitarrista Sterling Morrison, a baterista andrógina Maureen Tucker e o guitarrista/vocalista Lou Reed, compositor de todas as músicas do grupo. Usuário de drogas pesadas, arrogante, ególatra e genial, Reed era uma espécie de beatnik do rock, Bukowski com uma guitarra na mão. Sua poesia crua retratava o submundo de Nova York, universo que conhecia de perto. Mas sua postura anti-rockstar fez com que Paul Morrisey o considerasse inadequado para o posto de frontman. Então chamou Nico, modelo/atriz/cantora alemã para ser a vocalista. Reed ficou furioso. Do embate entre Morrissey (que a queria cantando todas as faixas do disco que o Velvet iria gravar) e ele (que queria a moça bem longe da SUA banda), Nico acabou ficando com os vocais de três das onze canções.

Traficantes e sadomasoquismo

Diz a lenda e o encarte do disco que The Velvet Underground & Nico foi produzido por Andy Warhol. Na verdade, quem supervisionou a gravação foi o onipresente Paul Morrisey, cabendo a Warhol apenas a arte da capa: a foto estilizada de uma banana com o aviso “Peel slowly and see” (“Descasque com cuidado e veja”). Conselho perfeito para orientar a audição de um álbum difícil, incomum e incômodo.

Ele começa com “Sunday Morning”, baladinha calma que “engana” o ouvinte. Lou Reed canta serenamente, guitarras sem distorção emitem acordes consonantes e uma celesta (instrumento cujo som lembra o de pequenos sinos) traça melodias que parecem ter saído de uma caixinha de música. Mas, prestando atenção na letra, já é possível encontrar referência à paranóia: “Watch out! The world’s behind you” (“Cuidado! O mundo está atrás de você”).

Na segunda faixa, “Waiting for the man”, o clima começa a pesar. Sobre uma base de rock’n’roll (quase) tradicional, a letra em primeira pessoa narra a história de um cara esperando seu traficante (o tal “homem” do título) em um bairro barra-pesada. O tom é de crônica urbana e apenas nos dois últimos versos se encontra uma certa (auto)crítica ao modo de vida junkie: “I’m feeling good, I’m feeling so fine/ Until tomorrow, but that’s just another time” (“Eu me sinto bem, eu me sinto tão legal/ Até amanhã, mas aí são outros quinhentos”).

Mas o Velvet mostra a que veio realmente em “Venus in Furs”. O nome da música foi tirado de um livreco pornográfico sadomasoquista, e é disso mesmo que ela trata: dominação, chicotadas, cintadas, botas de couro. A letra “meiga” é acompanhada por um instrumental quase hipnótico: Maureen Tucker executa uma mesma e simplíssima levada de bateria (uma batida no pandeiro, duas no bumbo) durante toda a faixa, John Cale extrai notas insistentes e meticulosamente desafinadas de sua viola, enquanto as guitarras toscamente tocadas por Morrison e Reed seguram a harmonia. O clima de hipnose ressurge em “All Tomorrow’s Parties”, canção cujo tema é aparentemente o mais banal possível: uma garota que chora por não ter roupa para ir a festas. Mas o arranjo minimalista-caótico, a voz grave e monocórdica de Nico e o talento de Reed com as palavras faz com que seja possível sentir o sofrimento da garota “por quem ninguém irá lamentar” (“For whom none will go mourning”).

O ponto alto do disco é “Heroin”, provavelmente a combinação mais perfeita entre conteúdo e forma da história do rock, representando por meio de sons os efeitos da heroína. A música começa relativamente calma, com uma batida constante. Conforme a droga caminha pelo sangue para chegar ao cérebro, a bateria/coração vai acelerando e a viola e as guitarras vão ficando confusas até atingirem o caos aos 4min45. É a combinação de destruição e excitação provocada pelo “pico”, apesar de o eu lírico estar mais interessado no primeiro aspecto: a droga é utilizada para anular a própria vida (“I’m gonna try to nulify my life”), para escapar das loucuras do mundo atual por meio de uma quase-morte (“And I thank God that I’m good as dead”). Definitivamente, a Era de Aquário não estava nos horizontes dos Velvets.

Completam o disco duas baladas (“Femme Fatale” e “I’ll be your mirror”), dois rocks mais ou menos convencionais (“Run run run” e “There she goes”) e a dobradinha “Black Angel’s Death Song” e “European Son”, estranhices que fecham o álbum.

O discurso desencantado, o uso de barulhos e a postura anti-comercial de The Velvet Underground & Nico faz com que ele seja considerado por muitos críticos como a gênese do punk. Dez anos antes dos Sex Pistols berrarem ”Não há futuro!”, o álbum já apontava que o sonho hippie era apenas uma viagem de ácido que acabaria logo. Lou Reed e cia. preferiam metedrina.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Proibido fumar em Buenos Aires

Fui passar os últimos dias de 2008 e os primeiros de 2009 em Buenos Aires com uns amigos. Numa tarde, fomos à Bond Street, uma espécie de Galeria do Rock menor e sem as figuras bizarras da matriz paulistana, mas cheia de lojas de roupa descoladas. Estava espiando uns vestidos em uma delas e a música que estava tocando me chamou a atenção. Era uma mistura insana de rock (punk, mais especificamente) com música cigana. Perguntei para a atendente o que era e ela me disse que era a banda do Emir Kusturica. Acabei levando um vestido.
No dia 31 de dezembro, fui acompanhar umas amigas que queriam comprar uma blusa branca pro ano novo e entramos em outra loja estilosa. De novo, a trilha sonora do lugar era punk cigano. Só para confirmar, perguntei à vendedora o que era e ela respondeu: a banda do Emir Kusturica. De novo, levei um vestido - se algum dia entrar no ramo de venda de roupas, na minha loja só vai tocar Emir Kusturica, ele ativa o lado consumista nas pessoas.

Bom, Emir Kusturica é um cineasta e músico nascido na antiga Iugoslávia, e a banda à qual elas se referiam é a No Smoking Orchestra. Ela surgiu em Sarajevo no começo dos anos 80 com o nome de Zabranjeno Pusenje (que significa "proibido fumar" em servo-croata) e, desde o início, misturou punk rock à música cigana. Depois de lançar alguns LPs e de arrumar encrenca com as ôtoridades iugoslavas, a banda se dividiu em duas no início dos anos 90: parte dos integrantes permaneceu em Sarajevo (um lugar não muito agradável de se viver no início dos anos 90, by the way...) e continuou com o nome Zabranjeno Pusenje, e outra parte se mudou para Belgrado e, alguns anos depois, deu origem a Emir Kusturica & The No Smoking Orchestra, que era o que estava tocando nas lojas em Buenos Aires. Agora, o lance bizarro da história é que, sabe-se lá por quê razão, o iugoslavo/cigano Emir Kusturica criou uma ligação super forte com a Argentina, a ponto de sua banda ter gravado um CD-DVD ao vivo em Buenos Aires e de ele ter dirigido UM DOCUMENTÁRIO SOBRE MARADONA! Com certeza é por isso que nuestros hermanos gostam tanto da música do cara - e provavelmente também é por isso que ninguém fala dele no Brasil...

Neste site tem toda a discografia da banda + as trilhas sonoras dos filmes de Emir Kusturica.

E aqui vai o trailler do documentário do Maradona:


Que tal God Save the Queen como trilha para Dieguito, hein?

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Bando de animais

Finalmente criei disposição para começar 2009, após uma viagem para Buenos Aires ao som de Emir Kusturica (tema do meu próximo post) e outra para Parati sem trilha sonora.

Bom, já tinha lido bastante sobre o Animal Collective mas não tinha me animado a ouvir. Uns dizem que é o novo Velvet Underground, outros dizem que é uma merda, e eu fui acabar tirando minhas próprias conclusões apenas recentemente. Ainda não mergulhei direito no universo desse bando de animais, mas pelo que conheci me parece uma mistura de noise com psicodelia regado a litros de eletrônica, com métricas quebradas e músicas praticamente sem forma. Em uma palavra: estranho. Em outra palavra: gostei.




ps: ah, e eles acabaram de lançar um disco novo, chamado Merriweather Post Pavillion. Lançar um disco em janeiro: isso sim é começar o ano com tudo.