sábado, 30 de maio de 2009

440 Hz: Uma coisa uma coisa, outra coisa outra coisa?


Ótimo esse documentário Ninguém sabe o duro que dei, sobre o Wilson Simonal. Além dos vídeos musicais incríveis que mostram um artista com a rara capacidade de dominar a plateia, o filme tenta desatar o nó que transformou Simonal em colaborador do DOPS e, consequentemente, persona non grata da MPB. São ouvidos amigos do cantor, jornalistas que desceram o pau nele e, pela primeira vez na história, o contador que foi o estopim de toda a confusão. Mas o modo como o filme é estruturado pode gerar uma interpretação rasa e incorreta dos fatos, fazendo Simonal passar de vilão para vítima da mídia. E não é nem uma coisa nem outra. Primeiro porque, ao que tudo indica, ele realmente chamou uns gorilas do DOPS para darem uma surra no contador. Depois porque, na época, ele declarou em alto e bom som para a imprensa: "Eu estou com os homens" (os homens são os agentes do DOPS). Era apenas uma bravata, mas foi encarada como verdade e motivo para jogar o cara no ostracismo. Antes de tacar pedra na mídia, no entanto, vamos nos lembrar que ele falou a frase infeliz em 1971, ano em que a ditaDURA rolava solta e pessoas morriam, sumiam e eram torturadas nos porões do DOPS.

E é aí que está a questão realmente complexa. Vamos supor que Simonal realmente fosse um informante do DOPS. Isso seria motivo para parar de ouvir seus discos e de ir aos seus shows? As posições políticas e mesmo as ações de um artista devem servir de parâmetro para decidir se vamos consumir/fruir sua obra ou não?

Imaginemos um caso ainda mais complicado (e igualmente hipotético): uma banda instrumental incrível, mas que no meio do show e no encarte dos discos faça discursos sobre a supremacia da raça ariana. Apesar do trabalho artístico ser irretocável, seria certo darmos ibope e dinheiro a quem tem um discurso desses?

Não sei a resposta, sinceramente. Faz anos que tenho vontade de assistir aos filmes da Leni Reifenstal (cineasta favorita de Hitler) ou de ouvir um disco do Charles Manson, mas ainda não tive coragem. E o dia em que o fizer (se o fizer...), farei escondido. Uma coisa uma coisa, outra coisa outra coisa, mas não é assim tão fácil separar estética de ética.

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