domingo, 14 de março de 2010

Paulicéia Avant-Garde: Grupo Rumo


Luiz Tatit estava de férias, ouvindo Minha Nega na Janela (música de Germano Mathias e Doca regravada por Gilberto Gil), quando teve um insight: “as melodias das canções não têm origem propriamente musical mas sim entoativa”. Estudar e explorar a entoação da fala na canção popular passou a ser prioridade da banda de Tatit. Batizado de Grupo Rumo, esse “coletivo” de dez jovens estudantes universitários já tinha no nome a pretensão de encontrar um novo caminho para a canção brasileira. E encontraram.

A base da sonoridade do Rumo está toda no texto da canção, desde a maneira como se configura a melodia (ou a não-melodia, já que se trata muito mais de fala do que propriamente de canto) até detalhes dos arranjos. Apesar da profusão de instrumentistas, os arranjos são bastante comedidos – afinal, é a palavra que deve estar em primeiro plano. Além da proposta musical inovadora, o Rumo tinha dois grandes trunfos: a incrível cantora Ná Ozzetti e o humor sutil de suas canções – no livro Todos Entoam, Luiz Tatit conta que a veia humorística do grupo acabou surgindo de maneira imprevista. O canto-falado, pela estranheza, acabava gerando risos na plateia, o que não era uma intenção do grupo. Mas, já que as pessoas riam, eles resolveram incorporar o humor nas letras e acabaram criando coisas impagáveis como Ah!, Carnaval do Geraldo, Trio de efeitos e Delírio, meu!


(registro de show de 2004, em comemoração aos 30 anos da fundação do grupo)

Em 1981, o Rumo lançou de maneira completamente independente seus dois (isso, dois!) discos de estréia: Rumo e Rumo aos Antigos, álbum de regravações de canções brasileiras de Lamartine Babo, Noel Rosa, Sinhô, entre outros. Em 1983, veio Diletantismo, em 1985, Caprichoso e, em 1988, Vamos Passear, ótimo disco de canções infantis.



O trabalho mais consistente do Rumo (segundo a opinião do próprio Tatit e endossada por mim), no entanto, é Rumo ao Vivo, de 1992, que também é o último disco da banda. A maioria das 13 faixas do disco é composta de canções de caráter humorístico e que contam historinhas. Também há espaço para o lirismo (como em Esboço, que fala sobre uma dessas pessoas que parecem personagens – embora ela seja gente como a gente, “pois se aperta ela chora”) e para neuroses urbanas (Dia útil, que conta a história de um trabalhador que ficou tão apegado aos azulejos e ao piso do escritório que teve um colapso nervoso quando o local foi reformado) e para a metalinguagem (Essa é para acabar).

Ouvindo o disco, me deparei com tantas tiradas geniais que resolvi deixar aqui uma pequena lista com as minhas preferidas:

- De tanto vigorar, gorou/ Esperando Godard, Godot (O menino)

- Gosta de entrar um pouco na USP/ Gosta de sentir que é estudante/ E mesmo que não estude ele embroma/ com tanta perfeição que sempre sai com um diploma (Esboço)

- Cê não sabe, eu to mais calmo/ e totalmente envolvido com o trabalho/ já tenho outra menina/ não é linda, mas já dá pra quebrar o galho (Banzo)

- Um sentimento indefinido/ foi me tomando ao cair da tarde/ Infelizmente era felicidade (Felicidade)

Um comentário:

Unknown disse...

Raquel, que delícia encontrar esse poste do Rumo aqui no meio do caminho. Deu vontade de pegar os discos e ouvir na sequência!
Abraços