terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Presente de Natal: entrevista com Craig Leonard

O artista multimídia canadense Craig Leonard se define como um “anarquivista” – alguém que trabalha com arquivismo de maneira desregrada e sem seguir protocolos. A (anti-)técnica parece perfeita para a área de interesse de Leonard: explorar e catalogar materiais ligados à vanguarda e à contra-cultura.

Em 2007, ele estava fuçando no acervo do Centre for Experimental Art and Communication, que funcionou em Toronto de 1973 a 1978, quando achou uma gravação da banda de punk rock californiana The Screamers. Durante a curta carreira do grupo (1977-1981), nenhum disco foi gravado, o que conferiu ao material encontrado por Leonard status de tesouro histórico do underground. O artista então se incumbiu da tarefa de prensar artesanalmente cópias em vinil do registro e entregá-las aos ex-membros da banda que ainda estavam vivos – e fazer do processo todo um projeto chamado Gift for the Screamers. Em janeiro de 2009, Leonard criou um novo projeto de investigação musical: descobrir quando e em qual estúdio canadense a banda no wave DNA gravou a música "Grapefruit". Na mesma época, o artista expôs, no museu Mercer Union de Toronto, a obra Bad Seeds, que consiste em imenso mapa musical que mostra relações entre integrantes de diversas bandas não-comerciais.

Sua empreitada mais recente é Sun Ra to Sunn O))) – A Blasted History of Noise, uma performance de uma hora de duração na qual Leonard apresenta trechos de 100 discos importantes da “noise music”, começando com The Magic City, de Sun Ra (1965) e terminado com Monoliths and Dimensions, de Sunn O))) (2009). Fiquei sabendo dessa performance somente agora em dezembro, por meio de um post do blog Trabalho Sujo. Fui pesquisar na internet e consegui o contato de Craig Leonard, que topou me dar uma entrevista por email (sei que entrevistas por email são uma aberração da era tecnológica, mas o cara mora no Canadá, então vamos dar um desconto, né?). A seguir, nossa “conversa digital”, acompanhada de vídeo com um trecho da apresentação:

From Sun Ra to Sun O))) - Craig Leonard from New Media Workspace on Vimeo.



Noise music não é uma coisa agradável para a maioria das pessoas. Como você entrou em contato e começou a gostar desse tipo de música?
Basicamente, é outra faceta do meu interesse em expressões artísticas de vanguarda. Eu não diria que gosto de barulho por si só, eu gosto em um contexto cultural amplo, como ato de resistência e rebelião.

Como Sun Ra to Sunn O))) foi concebido? Quando você teve a ideia de fazer essa performance?
A ideia surgiu de uma matéria chamada Audio Explorations que eu ensino na Universidade NSCAD em Halifax. O curso era sobre barulho, improvisação e instrumentos feitos em casa. Como introdução para a história do barulho na música, eu levei meu toca-discos portátil e alguns discos de Morton Subotnick, Minus Delta T, Throbbing Gristle e ATV. Então surgiu a ideia de que seria ótimo fazer uma cronologia do barulho em dois ou mais toca-discos. Eu tentei fazer isso em um festival de música experimental no verão de 2009 chamado Obey Convention, onde eu fui algo do tipo o DJ do barulho entre as bandas. A apresentação foi boa o bastante para que eu pensasse em tentar novamente como uma performance solo.

Você disse que o que define barulho é “dissonância, volume, distorção, imprevisibilidade e caos”. E os sons desafinados e experimentações com afinações diferentes (como escalas orientais)?
O que acho interessante no “barulho” é que, na maioria das vezes, se trata de um conceito relativo – pessoalmente e culturalmente. É definido como o sinal indesejável em um sistema, mas para alguns este é o objetivo. Então continua sendo barulho? Esse é o ponto em que “barulho” se torna um gênero, e eu não estou automaticamente interessado em ouvir esse tipo de trabalho. A performance é uma apresentação de marcos culturais E de relações pessoais com um largo espectro de barulho na música.

Me conte como você formou essa coleção de vinis de noise music. Imagino que alguns dos discos que você toca na performance devem ter sido realmente difíceis de achar…
Li muito sobre noise, utilizei discografias sugeridas por outras pessoas (como a legendária lista Nurse With Wound), e fiz coleções de catálogos completos de certos selos (Industrial, Play It Again Sam). Estou longe de ter todos os discos que eu adoraria ter, mas sempre estou fazendo procuras online ou em lojas de discos sempre que vou a uma nova cidade (Como são as lojas de discos em São Paulo!?). Basicamente, minha coleção nasceu do meu gosto por Throbbing Gristle. A partir daí, voltoi no tempo até o jazz experimental e os primórdios da eletrônica, e tem se movido para a frente por muitos estilos diferentes. Mas sou parcial em relação ao início dos anos 80. Estou preenchendo lacunas e procurando por coisas novas o tempo todo.

Você é um entusiasta do vinil?
Definitivamente!

Como você escolheu quais álbuns, músicas e pedaços de músicas usaria em sua performance? Quanto tempo você levou para fazer essa seleção?
Eu gostei da poesia de ter Sun Ra e Sunn o))) emoldurando os discos apresentados. Eu usei The Magic City, disco que Sun Ra lançou em 1965, para começar, mas eu poderia ter começado com o primeiro disco do Nihilist Sapasm Band, que é daquele mesmo ano. Eu poderia ter ido mais longe, Futuristas, por exemplo, mas não há nenhum vinil do Russolo e eu não conseguiria pagar por um se existisse! Eu estava determinado a usar somente as prensagens originais da minha própria coleção. Então o projeto é maior que um set de DJ. Para mim, é tanto sobre colecionar quanto é uma visão geral da noise music, ou melhor, do barulho na música. Obviamente eu também poderia ter escolhido diversas outras coisas para representar 2009! Eu tentei achar um álbum ou mais para cada ano de 1965 até o presente.
Quanto aos álbuns, foram anos colecionando. Já os samples escolhidos para a performance foram aleatórios. Chamo (a técnica) de “solte a agulha”.

Os samples são apresentados em ordem cronológica, certo?
Certo.

Sun Ra foi o primeiro cara a realmente usar barulho na música popular?
Definitivamente não. Foi quem quer que seja que tenha desviado da música que herdou, um homem das cavernas esperto.

Quais são seus artistas, discos e/ou músicas preferidos dentre aqueles apresentados na performance?
Essa é realmente difícil de responder porque eu amo a maioria dos discos por alguma razão ou outra. Eu adoro a loucura das performances improvisadas da Nihilist Spasm Band, Destroy All Monsters, Red Krayola e Acid Mothers Temple. Eu adoro o terrorismo psicopata do Throbbing Gristle. Sempre vou amar Swans, DNA, Sonic Youth antigo. Realmente gosto de bandas mais novas como Kites, Coughs e Sightings. De maneira geral, gosto de experimentos em áudio que continuam sendo audições desafiadoras, que produzem um efeito psicológio e/ou físico.

Qual foi sua experiência mais louca e/ou intensa com música?
Eu vi um show do ao ar livre do Mercury Rev em 1994 que foi tão alto – três ou quatro guitarras cheias de feedback e uma flauta com uma tonelada de pedais de efeito – que as pessoas realmente se escondiam atrás de outras pessoas na parte de trás do local, tentando se proteger do ataque. Foi tão intenso fisicamente que era difícil de respirar. Em relação ao barulho gerando um efeito psicológico, "Second Annual Report", do Throbbing Gristle, quando escutado com muita atenção, sempre me leva para um lugar profundo.

Você mencionou o Sonic Youth antigo. O que você acha do “novo” Sonic Youth? Você gostou do disco mais recente deles, The Eternal?
Eu parei de escutar Sonic Youth depois de Daydream Nation. Brincadeira, mais ou menos. Eu vi a turnê de aniversário do Daydream Nation em 2007 em Los Angeles e foi ótimo. Eu vi o show do The Eternal em São Francisco no ano passado e amei. Eu os respeito imensamente, mas parei de seguir faz ao menos uma década. Sou nostálgico em relação às coisas mais antigas, cruas e com atitude suja: Confusion is Sex, Evol e Sister.

Existe algum estilo de noise music que você simplesmente não suporta? Você gosta de gabba e black metal, por exemplo?
Eu considero música comercial e pop um barulho nauseante. Em relação à música que tem intenção de ser barulhenta, eu estou disposto a dar uma chance a tudo, com exceção de merdas neo-nazistas, que pra mim são intoleráveis.

Você teve que lidar com questões de copyright?
Para ser honesto, nem me preocupo com isso.

Você planeja gravar Sun Ra to Sunn O))) e lançar em disco? Ou fazer um DVD?
Não. Dei gravações em áudio da performance para alguns amigos mas é só.

Você vai fazer esse performance novamente? Onde e quando? Tem planos de levar a performance para o exterior e talvez… apresentá-la no Brasil?
Sim. Na praia no Brasil. Eu queria! Você conhece boas galerias de arte?

Li sobre um outro projeto seu chamado Gift for the Screamers. Só por curiosidade… você conseguiu entregar os vinis feitos à mão para todos os ex-membros dos Screamers que estão vivos?
Ainda não consegui achar o Tommy Gear… Infelizmente, eu meio que desisti de procurar.

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