quarta-feira, 6 de abril de 2011

Clássicos do dia 7: James White & the Blacks - Off White


No fim dos anos 70, punks odiavam disco music. Tanto que, em 1979, rolou a famigerada Disco Demolition Night, na qual milhares de LPs de disco music foram queimados no meio de um campo de baseball durante intervalo entre jogos. Mas eis que, naquele mesmo ano, James Chance grava um álbum de disco music, para o qual rebatizou sua banda James Chance & the Contortions como James White & The Blacks. Não que ele fosse um cara de cabeça aberta a fim de acabar com a raivinha dos punks contra Donna Summer e cia. Na verdade, Chance detestava disco music e não perdia oportunidade de fazer declarações racistas (aliás, o racismo no meio punk é escarafunchado por Lester Banges no artigo White Noise Supremacists – que título, hein –, também de 79). Acontece que Chance foi procurado por Michael Zilkha, dono da gravadora ZE, que lhe fez a seguinte proposta: lançaria um álbum do Contortions caso ele também gravasse um álbum de disco music, a ser lançado simultaneamente. James Chance, que podia ser preconceituoso, racista e psicopata, mas não era besta, fechou negócio. E assim nasceu Off White.

Antes de falar da música propriamente, é bom lembrar como funciona a questão “racial” nos EUA: lá ou você é branco ou você é negro (claro que há miscigenação, mas as pessoas se definem como um ou como outro, você nunca vai ouvir um americano dizendo que é mulato, moreninho, escurinho ou “da cor do pecado”, como rola aqui no Brasil). Se você é branco, você fala como branco, se veste como branco e mora no subúrbio com outros brancos. Se é negro, fala como negro, se veste como negro e mora no gueto com outros negros. A música não fica de fora dessa divisão, o que é escancarado na própria existência da expressão “black music”, balaio de gatos que engloba desde o cantor soul com influência do gospel até o gangsta rap mais violento. Para nós, brasileiros, é quase impossível pensar nesses termos. Por isso nos soam tão estranhos o nome do grupo (James White & the Blacks), os títulos das canções (White Savages, White Devil, Bleached Black) e, principalmente, a letra de Almost Black, Pt. 1, em que duas garotas (uma branca e outra negra) discutem se James Chance tem um quê de negão por baixo da pele branquela.

Mas voltemos à música. Quando Michael Zilkha propôs a Chance gravar um álbum de disco music, ele deixou bem claro que não precisava ser algo comercial, que Chance tinha liberdade para fazer o que quer que entendesse por disco. E, apesar de considerar disco music uma coisa nojenta, havia algo nela que Chance admirava: a monotonia. As faixas de Off White são construídas sobre loops de baixo e bateria, até dançantes, mas exaustivamente repetitivos. Sobre essa base quase imutável, as guitarras e o sax estão livres para brincar. Está na interação entre as guitarras barulhentas (sempre bom lembrar que o pessoal da no wave não tinha o menor interesse em acordes) e o sax free jazz anti-virtuosi de Chance a grande graça do álbum.

Off White começa com uma versão disco para Contort Yourself (do álbum Buy, do Contortions), na qual os berros autoritários de Chance são substituídos por um coro feminino que languidamente convida o ouvinte a se contorcer, e o instrumental apoplético dá lugar a um groove bem marcado (tanto que a canção ficou cerca de 1:40 mais longa). Segue a chatinha Stained Sheets, música de motel embalada pelos gemidos de Lydia Lunch, e o também não muito empolgante cover de Heatwave (não a do Martha & the Vandellas).

A coisa fica boa mesmo nas instrumentais White Savages e Off Black, nas quais estão os diálogos mais interessantes entre guitarras e sax. No caso de Off Black, que conta com a participação do guitarrista Robert Quine, a relação entre as duas guitarras que se estabelece por volta de 2:30 também é digna de atenção. E se essas conversas abstratas, ruidosas e por vezes absurdas (porém de uma precisão quase sonic-youthiana) dizem alguma coisa, é: “James Chance é um filho da puta, mas esta é provavelmente a melhor disco music que você vai ouvir na vida – seja você branco, negro, cor de rosa ou verde com bolinhas douradas”.

Contort Yourself - versão Contortions:



Contort Yourself - versão James White:

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