"Tocou com Lou Reed" e "improvisação livre": foram essas duas informações que me fizeram ir ao show de David Torn, que rolou hoje no Sesc Belenzinho - a boiada de pagar um quarto do valor do ingresso com a carteirinha de comerciário também pesou, devo assumir. Mas o que importa é que o show muito, mas muito mais do que eu esperava.
Torn se apresentou acompanhado pelo saxofonista Tim Berne e pelo baterista Ches Smith (que, aliás, toca com a
Mary Halvorson). O que mais me chamou a atenção foi a dinâmica dos três: Torn praticamente só trabalhando texturas por meio de efeitos e distorções e criando assim uma "cama" para o diálogo entre o sax (prolífico) e a bateria (ultra-prolífica). Às vezes o guitarrista parecia até meio absorto em uma viagem particular, o que criou um efeito interessante na música: os outros dois, que por um lado estavam mais em evidência, mais na posição de solista, por outro lado seguiam as direções sugeridas pela paisagem de fundo criada por Torn. E na hora em que este partiu para um solo torrencial, o efeito foi de clímax.
Meu único senão foi quanto ao baterista. O cara toca muito, tem uma complexidade rítmica impressionante, mas parecia ignorar a importância das pausas, do silêncio (talvez porque quisesse mostrar serviço e provar que estava à altura dos outros dois, bem mais velhos e experientes). Houve um momento, por exemplo, em que a guitarra e o sax entraram em um diálogo super interessante e delicado, que acabou um pouco desfigurado pela insistência de Smith em batucar a caixa. Mas mesmo os excessos do baterista não chegaram a prejudicar a apresentação.
O engraçado é que eu estava lendo uns textos sobre improvisação livre antes de ir ao show e em um deles o autor, Frederic Rzewski, colca que um aspecto importante da improvisação é a autonomia do momento: "o universo da improvisação está sempre sendo criado; ou melhor, a cada momento um novo universo é criado" - e este universo pode ser uma continuidade do anterior ou não ter nada a ver com ele. Com isso, a música improvisada é como a vida real, em que a maioria das coisas acontece sem ter nenhum motivo, simplesmente acontece.
E foi justamente isso o que eu ouvi no show de David Torn: algumas ideias colocadas por um dos instrumentistas eram desenvolvidas, outras eram abandonadas, outras sofriam transformações em decorrência das ideias propostas pelos outros músicos. Mas nenhuma ideia era mais importante do que outra, todas tinham sua beleza. E nenhuma delas precisava de um ponto de partida ou de um ponto de chegada para justificar sua existência. Elas existiram. E ponto.
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3 comentários:
ae no sesc de sp rolam varios shows assim, aqui no rio é super dificil vir um desses caras.
muito boa a entrevista como page hamilton, perguntas que nao vemos em revistas de musica mas que deveriam estar lá.
abraços.
bela crítica.
o show tb foi para mim melhor que o esperado... um lance bacana é que tinha bastante gente e poucos abandonaram a sala...
No domingo acho que não chegou a lotar o teatro. Mas poucas pessoas saíram, fato. Isso é uma coisa que eu pago pau pro pessoal da improvisação livre: os caras estão cagando e andando se metade da plateia sai no meio do show. Continuam fazendo o som sem se abalar e ainda dão umas risadas depois.
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