Em 99, o Helmet acabou. O que aconteceu? Muitas mudanças na formação? Meus companheiros de banda da formação original resolveram mudar e fazer algo diferente. E você não pode impedir uma pessoa, obviamente, embora eu preferiria ter tirado um ano de folga e depois voltado, mas eles não queriam. É difícil, economicamente, manter uma banda na estrada. Você tem que ganhar dinheiro para pagar as pessoas, porque ninguém quer estar em uma banda de graça. É preciso ser um bom músico para tocar no Helmet, então os caras são chamados para tocar em outras bandas, que podem pagar mais. É parte do que eu tenho que lidar como líder de uma banda independente. Não consigo pagar o que o Guns’n’Roses, The Cult ou Maroon 5 pagam para meus ex-bateristas.
E então você tocou em uma turnê com David Bowie. Como aconteceu o convite? Ele estava se separando do (guitarrista) Reeves Gabrels depois de 13 anos, eles estavam em uma situação difícil. Na época, eu estava no apartamento do meu empresário em Nova York, porque eu tinha deixado minha esposa um mês antes e ela ficou no apartamento e na casa que tínhamos. E um dia eu simplesmente recebi uma ligação do David Bowie perguntando se eu queria tocar com ele e eu disse: “Claro!”.
Do nada, David Bowie te ligou? Você não pensou que fosse um trote? Eu tinha passado a noite inteira festejando e bebendo, fui a um club after hours e voltei ao apartamento às 3 da tarde. Meu empresário ligou e disse: “David Bowie está tentando falar com você”. E eu fiquei: “Uau, cacete!”. Não é uma ligação que você recebe todo dia.
Não mesmo! Naquela época o Bowie já tinha uns 20 discos, então você teve que aprender um monte de músicas. Era muito material. Aprendi 30 músicas em duas semanas. Foi um trabalho duro, porque eu estou acostumado a tocar minha própria música. Mas foi ótimo, uma ótima experiência. Ele me disse que eu não precisava tocar exatamente o que os outros guitarristas tocavam, tinha que apenas tocar no espírito da música. Foi encorajador. Então eu fiz assim e acabei, espero, adicionando algo à música dele.
Você também trabalhou com trilhas sonoras e produção de discos. Acredito que isso tenha influenciado o som que o Helmet faria após a volta. Você pode apontar algumas coisas que tenha aprendido com trilhas sonoras e produção e usado nos discos novos do Helmet? Sim. Tocando em filmes, comecei a pensar as guitarras, o feedback e coisas do gênero como ferramentas expressivas para descrever o personagem, em vez de escrever músicas a partir da minha perspectiva. Ser forçado a abordar a guitarra de um modo diferente foi uma coisa boa. No último disco, a música Morphing é um resultado direto do trabalho com filmes. Improvisei algumas guitarras e então orquestrei meio que à mão, catando algumas notas nos instrumentos de corda, metais e madeiras. Também usei um pouco de piano.
Por que decidiu ressuscitar o Helmet? Continuei a compor e formei uma banda com o (baterista) John Tempesta. Estávamos ensaiando e um amigo nosso, Jay Baumgardner, dos estúdios NRG, se ofereceu para gravar de graça, porque não tínhamos dinheiro nenhum. Já tínhamos a banda, ainda não sabíamos como iríamos chamá-la e então um dia Jimmy Arvine, da minha antiga gravadora, Interscope, ligou: “Por que você não faz outro disco do Helmet pra Interscope?”. Eu tinha amado trabalhar com o pessoal da Interscope, então foi perfeito.
Sua voz mudou um pouco nesses discos novos. Foi natural ou algo que planejou? Hoje trabalho bem mais do que antes em relação a cantar e estar consciente da minha extensão. Tenho voz grave, então a afinação drop C me deu uma maior extensão, de um jeito estranho. A guitarra toda afinada um tom abaixo é mais adequada à minha voz e eu comecei a me sentir cada vez mais confiante. Comecei a trabalhar com um vocal coach, Mark, em LA. Eu disse: “Quero fazer vocais realmente agressivos e quero fazer coisas melódicas também”. E desde o primeiro dia tivemos ambos.
Esqueci de perguntar sobre seu vocal. Você teve aulas ou simplesmente decidiu que seria o cantor da banda? No começo não tive. Eu queria cantar, mas não sabia direito o que estava fazendo, simplesmente urrava e berrava e tentava cantar. Comecei a cantar no Band of Susans e isso me deu confiança para cantar minhas próprias músicas. Mas eu ficava bem nervoso no começo. Enchia a cara para combater o nervosismo. Quando saíamos em turnê, depois dos dois ou três primeiros shows, eu ficava meio rouco. Então eu sempre pedia um dia de folga depois desses primeiros shows e aí voltava bem.
Você disse em uma entrevista que está trabalhando em “fantasias jazz e fantasias orquestrais”. Estou cercado por estantes de música, trabalho em muitos standards de jazz. Terminaremos a tour em novembro e tenho três bandas para produzir. Espero que depois disso eu tenha tempo para trabalhar de verdade e decidir o que vou fazer com eles. Vou compor algumas coisas com Mark e ele trabalha com a Antonia Bennet, filha do Tony Bennet. Ela é uma ótima cantora, tem uma voz super cool. Vamos tentar botar nossas cabeças para funcionar juntas e compor algumas coisas. Espero gravar um disco com amigos.
Vai ser um disco de standards de jazz? Não sei se serão só standards, mas algumas das canções que faremos serão. Tenho algumas em mente, músicas que sempre amei, mas é uma questão de achar o que consigo cantar, o que funciona para a minha voz. Algumas coisas funcionam e outras não, é preciso ser seletivo em relação ao material. Estou tentando achar o tom certo também. Uma das canções eu tentei em C, Bb, B e Ab. E cada tonalidade meio que tem uma personalidade diferente. Ab é quase blues e sombria, por ser um registro mais grave. Em C é uma outra coisa, porque você vai achar uma extensão diferente na sua voz. É bem interessante.
E as fantasias orquestrais? Comecei e me frustrei, não gostei de nada do que escrevi. Então agora está na geladeira e o cara com quem trabalho está passando férias na Alemanha com a família. Ele escreve para orquestra e filmes o tempo todo, além de ser um ótimo pianista clássico. Compusemos algumas coisas juntos e isso nos deu a ideia de fazer um disco com orquestra. Guitarra – ou guitarras – e orquestra.
Falando em jazz e fantasias, em 96 você gravou o disco Zulutime, com Caspar Brötzmann. Só consegui ouvir algumas faixas, mas é muito legal. Com quantas guitarras foi feito? Era uma improvisação livre? Ele todo foi feito com duas guitarras e gravado ao vivo. Fomos para o estúdio com (o engenheiro de som) Wharton Tiers, que trabalhou em Strap it on, Meantime e Monochrome. E só tivemos que apertar “record”. Eu começava uma peça e ele (Caspar) começava a seguinte. Acho que fizemos em dois dias. Tocávamos por algumas horas e ele falava: “Page, acho que deveríamos sair para tomar um coquetel e criar um clima legal”. Então íamos ao bar, tomávamos umas, voltávamos e tocávamos mais um pouco. Era um diálogo: apenas dois caras em uma sala com guitarras e amplificadores gigantes, respondendo um ao outro.
Usaram efeitos também? Distorção foi o principal efeito. Eu aprendi com ele como usar o wah-wah para criar texturas diferentes. Além dos pedais de distorção e wah-wah, também usei um chorus e um delay. Isso ajuda a moldar o som. Ele usou um wah-wah, acho que a distorção era um pedal RAT e o chorus era um Roland.
Usaram coisas como loop machines? Porque eu consegui ouvir umas quatro guitarras ali… Não, só duas guitarras. Louco, né?
Última pergunta: você trabalhou na trilha sonora do filme Across the Universe. Só tocou guitarra ou também fez arranjos? Ambos. Havia um monte de músicos ótimos no estúdio: o guitarrista Mark Stewart, que toca com Paul Simon, o baterista Charlie Drake e o baixista T Bone Walk, que morreu no ano passado e tocava na orquestra do Saturday Night Live. Havia também T Bone Bernet e Rick Martino, que trabalha muito com Elliot Goldenthal. Todos os músicos participavam nos arranjos, dando ideias e experimentando. Tive uma ideia legal para a música Across the Universe, do Lennon, uma coisa modal e meio drone. E foi assim que começamos, o arranjo foi construído a partir desses pequenos feedbacks de guitarra que eu tinha, bem simples. Todos tinham muitas ideias, foi um sonho trabalhar com esses músicos.
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