sábado, 26 de janeiro de 2013

Kevin Drumm, o esgotamento do drone e o tempo da arte



Kevin Drumm, prolífico como é de costume, já começou sua série de lançamentos de 2013 com o disco Tannenbaum. A primeira das oito faixas do álbum, Night Side, tem nada menos que UMA HORA, UM MINUTO E UM SEGUNDO de duração e é uma das coisas mais radicais feitas com drone que eu já ouvi: as mudanças de timbre, altura e dinâmica são tão sutis que a impressão é que, tirando um momento ou outro, nada acontece na música. Isso me levou a duas questões:

- o esgotamento do drone: a pedra foi cantada por Sávio de Queiroz em sua lista de fim de ano para o excelente blog Matéria e eu, com uma pontada de infelicidade, tendo a concordar. Por ser uma maneira de fazer música baseada na imobilidade, vai chegar um momento (e, ouvindo Night Side, parece que ele está bem próximo), que a coisa vai parar de vez. No lugar de uma música que desafia o ouvinte a encontrar um mundo rico de sons onde aparentemente só há uma repetição indefinida de umas poucas notas, teremos uma música que não tem nada a oferecer além da repetição indefinida de umas poucas notas. O desafio passará, então, a ser uma mera prova de resistência para o ouvinte. Um caminho mais inteligente parece ser o de Stephen O'Malley, que em seus diversos projetos como Sunn O))), KTL e Aethenor, usa o drone como estrutura da música, sobre o qual é possível colocar linhas de sopro, vocal, orquestração etc.

- o tempo da arte: para mim, a principal função da música enquanto arte é tirar o ouvinte da vida cotidiana e levá-lo a um mundo de pura contemplação, para uma atividade totalmente improdutiva que consegue escapar da lógica do consumo que perpassa todos os aspectos da vida atual. É preciso que o ouvinte entregue seu tempo e sua atenção para o artista, que lhe dará, em troca, a experiência. Até aí, tudo muito lindo. Acontece que o dia tem um número limitado de horas, os anos tem um número limitado de dias e a vida tem um número limitado de anos. Portanto, quanto de tempo e de atenção (levando em conta que, para ter a experiência, é preciso se focar totalmente na obra - não dá para estar em um concerto e acessando o facebook pelo celular ao mesmo tempo) um artista pode exigir do seu público? Qual o limite a partir do qual essa transação passa a ser injusta para uma das partes?

E então lembro que há mais sete faixas de Tannenbaum pedindo para serem ouvidas - e, dando play, sei o que vou perder, mas não sei o que vou ganhar.



4 comentários:

Bernardo disse...

Chris Cutler, relacionado ao item 2:

"While it is interesting to me the way that early experiments in the field of 'serious' music, notably Musique Concrete and Electronic Music, rapidly found their way into low cultural discourses (by way of The Who, Early Pink Floyd, Krautrock and so on), it probably wasn't until the rise of so-called Industrial music that 'pure noise' acquired an iconic meaning as a kind of musically neutral sonic statement of attitude (Who, Floyd, Faust were anything but musically neutral). This came along with the rejection of skill and musical literacy that characterised a faction of the Punk/New Wave that represented the post Who/Floyd/Faust generation. The main difference between the generations is aesthetic. An between identification with people or machines. It is, after all, easy to make 'sounds' - especially using new technology (samplers, computers) even if you have no musical training. I have no problem with that; it is liberating, it may help new musical forms to evolve, stripped of prejudice and habit. But that makes the question of quality more and not less critical. Ignorance may always be a handicap, but it is not automatically a virtue. Anyone can work with sound today, like the sound of what they hear and make a CD from it. The question for me is still, why? Why make a record? Why this kind of sound and not that kind of sound? Who and what is it for? Because I run a record label, I get a lot of CD's and cassettes sent to me. And more and more of them are drone-based, loop based and 'noise'-based. To my ears 90% of them sound boringly the same (surely America can only be discovered once). Boringly, because I can discern no organising structure, no content, no reason why they need to exist. I don't understand them (though obviously thousands do). For me there is sound that has meaning; that has some aesthetic value (and I would not therefore call it noise, Docksader, AMM, ZGA, Biota are good examples - this is rather music made with creatively stretched resources). Then there is sound that is irritating and formless (so that, to me, it continues to be no more than noise - unwanted sound). To my taste there is way too much of the second category and way too little of the first. After all, if you are going to make a new music with new sounds, that is a difficult and not an easy task. It requires a lot of problems to be solved and questions to be answered. It requires a kind of necessity: a reason to exist rather than not to exist. It is harder, not easier than most other musics because rules do not yet exist and have persuasively to be proposed. And. if in such music I don't sense innovation, a musical thread, a well-told story, critical appreciation, editing, intelligent decision making, a sense of colour, balance, structure, drama, development, tension, necessity - then I hear only noise. On the other hand, I have a particular admiration for works in which I do perceive those qualities. "

www.ccutler.com/ccutler/interviews/interview.colli.shtml

Raquel Setz disse...

Existem aí duas questões, acho: uma que o Chris Cutler levanta (e que pessoas como Flo Menezes e Ken Vandermark também falaram quando os entrevistei), que é: por que botar mais música no mundo?

E tem uma outra questão, que me incomodou quando ouvi Night Side, que foi: um artista pode exigir tanto tempo assim do ouvinte?

Carlos Morevi disse...

Certa ocasião, acabei gerando por acidente um arquivo de som com mais de 6 horas. A princípio aquilo era apenas um arquivo inútil ocupando um espaço relativo no hd. Mas depois de algumas audições isoladas na timeline do programa de áudio, acabei me lembrando das primeiras incursões do Andy Warhol com filme. "Sleep" é um registro em plano-sequencia de um cara dormindo durante cinco horas e vinte minutos. O artista voltou a repetir o procedimento filmando o Empire State com uma tomada de 8 horas. O próprio Warhol definia essas obras como "anti-film", partindo depois pra produção dos filmes mais conceituais. Um amigo meu tinha orgulho de ter assistido "Sleep" na íntegra, não lembro se foi em alguma mostra cabeçuda de cinema aqui ou no exterior.
Acho saudável o drone romper essa barreira do que é música e do que deixa de ser (principalmente em performances ao vivo), é como o noise usado em rituais xamanísticos, e esse povo comprando cd's com horas e horas de som de cachoeira, mar, tudo com intenções de meditação.

Δ disse...

"Então, o artista é quase que um pecador, porque ele se mistura com Deus e quer, da mesma forma que Deus, criar novos mundos. E se não houvesse esses artistas criando novos mundos, Deus, que só fez um, nos obrigaria a viver nesse já insuportável (há séculos insuportável). E se não fossem os artistas, nós não teríamos o nascimento de sempre novos mundos".
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Cláudio Ulpiano - A estética Deleuziana
Oficina Três Rios, PUC/SP (22/11/93).


Arte é sempre pra nos tirar desse mundo, é preciso colocá-la no mundo sempre, nem que seja pra nos fazer respirar, mas é preciso se encontrar fluxos que façam sentido para nós, ter abertura para esses fluxos e saber o que realmente é arte e o que não é. Arte (mesmo no tirando o ar) sempre dá mais um pouco de vida pra gente, um fôlego diferente que no dia-a-dia e nas práticas comuns, não alcançamos.

A questão da duração é complicada, será que o artista está fazendo o que faz por vislumbrar naquilo uma potência criativa ou apenas "vomita" material sonoro durante períodos prolongados querendo apenas "se diferenciar"? Difícil análise, é preciso pensar a obra. Não sei ajuda ou atrapalha, mas estava ouvindo vídeos em loop no youtube (de algum trecho de música de um desenho animado por exemplo)em que repetem esse trecho e fazem um vídeo de 10 ou 100 horas seguidas, é claro que ninguém vai ouvir aquilo tudo (creio eu) mas nem sempre se trata de ouvir ou de reproduzi-la, as vezes a obra pode estar no próprio ato de fabricá-la, e dai se ninguém vai ouvir aquilo tudo? Talvez o mais interessante seja a fabricação de obras obras e inúteis, que nem dá pra serem ouvidas por completo, pura inutilidade, obras infinitas, que nunca terminam... enfim, mais confusão do que solução.