domingo, 22 de janeiro de 2012

David Torn - Sesc Belenzinho


"Tocou com Lou Reed" e "improvisação livre": foram essas duas informações que me fizeram ir ao show de David Torn, que rolou hoje no Sesc Belenzinho - a boiada de pagar um quarto do valor do ingresso com a carteirinha de comerciário também pesou, devo assumir. Mas o que importa é que o show muito, mas muito mais do que eu esperava.

Torn se apresentou acompanhado pelo saxofonista Tim Berne e pelo baterista Ches Smith (que, aliás, toca com a Mary Halvorson). O que mais me chamou a atenção foi a dinâmica dos três: Torn praticamente só trabalhando texturas por meio de efeitos e distorções e criando assim uma "cama" para o diálogo entre o sax (prolífico) e a bateria (ultra-prolífica). Às vezes o guitarrista parecia até meio absorto em uma viagem particular, o que criou um efeito interessante na música: os outros dois, que por um lado estavam mais em evidência, mais na posição de solista, por outro lado seguiam as direções sugeridas pela paisagem de fundo criada por Torn. E na hora em que este partiu para um solo torrencial, o efeito foi de clímax.

Meu único senão foi quanto ao baterista. O cara toca muito, tem uma complexidade rítmica impressionante, mas parecia ignorar a importância das pausas, do silêncio (talvez porque quisesse mostrar serviço e provar que estava à altura dos outros dois, bem mais velhos e experientes). Houve um momento, por exemplo, em que a guitarra e o sax entraram em um diálogo super interessante e delicado, que acabou um pouco desfigurado pela insistência de Smith em batucar a caixa. Mas mesmo os excessos do baterista não chegaram a prejudicar a apresentação.

O engraçado é que eu estava lendo uns textos sobre improvisação livre antes de ir ao show e em um deles o autor, Frederic Rzewski, colca que um aspecto importante da improvisação é a autonomia do momento: "o universo da improvisação está sempre sendo criado; ou melhor, a cada momento um novo universo é criado" - e este universo pode ser uma continuidade do anterior ou não ter nada a ver com ele. Com isso, a música improvisada é como a vida real, em que a maioria das coisas acontece sem ter nenhum motivo, simplesmente acontece.

E foi justamente isso o que eu ouvi no show de David Torn: algumas ideias colocadas por um dos instrumentistas eram desenvolvidas, outras eram abandonadas, outras sofriam transformações em decorrência das ideias propostas pelos outros músicos. Mas nenhuma ideia era mais importante do que outra, todas tinham sua beleza. E nenhuma delas precisava de um ponto de partida ou de um ponto de chegada para justificar sua existência. Elas existiram. E ponto.


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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Phil Minton & Han Bennink

Em dezembro de 2010, tive a oportunidade fodástica de entrevistar Han Bennink e Phil Minton, duas lendas da improvisação livre, para a +Soma (se quiser conferir, só clicar aqui).

Na ocasião, o Fernando Stutz fez um vídeo tanto da entrevista quanto do show deles no CCSP, que depois foram editados e deram origem a esse registro lindo:

+SOMA::OnProgressSeries::Han&Phil from kultur studio on Vimeo.

domingo, 15 de janeiro de 2012

MuCoMuFo 4: Mary Halvorson

Não se deixe enganar pela carinha de geek fofa da Mary Halvorson: essa guitarrista não veio ao mundo pra fazer coraçãozinho com a mão. Toca com o Trevor Dunn no Trio-Convulsant, tem seus próprios grupos e aqui aparece acompanhando o lendário saxofonista de free jazz Joe McPhee. Destaque para o caráter percussivo da guitarra em alguns momentos, para o modo como ela brinca alucinadamente com a afinação do instrumento e para o diálogo com o sax. Fodona!



E falando em MuCoMuFo, a Matana Roberts disponibilizou em streaming o áudio de um show em que toca a segunda parte da saga Coin Coin (o show foi gravado em 2010, antes do lançamento em disco da primeira parte). E, ao fim da apresentação, ela diz que a história vai ter mais uns seis capítulos - ou seja, vamos ouvir Coin Coin até 2039, benzadeus!


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sábado, 14 de janeiro de 2012

Equação simples

Rock progressivo - (cafonice + megalomania) + barulho = This Heat



Aproveitando o post, queria indicar dois blogs bem legais que conheci nesta semana. Um é o Barulho Horroroso, que não tem muito texto, mas é um lugar legal para pesquisar música torta, de free jazz a industrial (com links pra baixar os discos e tal). O outro é o Heavy Metal Be-Bop, de um jornalista americano que está investigando a pequena porém rica interseção jazz/metal - este último, aliás, foi uma sugestão passada pelo Bernardo nos comentários do post sobre a Matana Roberts. Achei tão legal que resolvi compartilhar com todos os 5 leitores do blog!


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domingo, 8 de janeiro de 2012

Entrevista com Page Hamilton (Helmet) - Parte 2


Perdeu a parte 1? Confira aqui.

Em 99, o Helmet acabou. O que aconteceu? Muitas mudanças na formação?

Meus companheiros de banda da formação original resolveram mudar e fazer algo diferente. E você não pode impedir uma pessoa, obviamente, embora eu preferiria ter tirado um ano de folga e depois voltado, mas eles não queriam. É difícil, economicamente, manter uma banda na estrada. Você tem que ganhar dinheiro para pagar as pessoas, porque ninguém quer estar em uma banda de graça. É preciso ser um bom músico para tocar no Helmet, então os caras são chamados para tocar em outras bandas, que podem pagar mais. É parte do que eu tenho que lidar como líder de uma banda independente. Não consigo pagar o que o Guns’n’Roses, The Cult ou Maroon 5 pagam para meus ex-bateristas.

E então você tocou em uma turnê com David Bowie. Como aconteceu o convite?
Ele estava se separando do (guitarrista) Reeves Gabrels depois de 13 anos, eles estavam em uma situação difícil. Na época, eu estava no apartamento do meu empresário em Nova York, porque eu tinha deixado minha esposa um mês antes e ela ficou no apartamento e na casa que tínhamos. E um dia eu simplesmente recebi uma ligação do David Bowie perguntando se eu queria tocar com ele e eu disse: “Claro!”.

Do nada, David Bowie te ligou? Você não pensou que fosse um trote?
Eu tinha passado a noite inteira festejando e bebendo, fui a um club after hours e voltei ao apartamento às 3 da tarde. Meu empresário ligou e disse: “David Bowie está tentando falar com você”. E eu fiquei: “Uau, cacete!”. Não é uma ligação que você recebe todo dia.

Não mesmo! Naquela época o Bowie já tinha uns 20 discos, então você teve que aprender um monte de músicas.
Era muito material. Aprendi 30 músicas em duas semanas. Foi um trabalho duro, porque eu estou acostumado a tocar minha própria música. Mas foi ótimo, uma ótima experiência. Ele me disse que eu não precisava tocar exatamente o que os outros guitarristas tocavam, tinha que apenas tocar no espírito da música. Foi encorajador. Então eu fiz assim e acabei, espero, adicionando algo à música dele.



Você também trabalhou com trilhas sonoras e produção de discos. Acredito que isso tenha influenciado o som que o Helmet faria após a volta. Você pode apontar algumas coisas que tenha aprendido com trilhas sonoras e produção e usado nos discos novos do Helmet?
Sim. Tocando em filmes, comecei a pensar as guitarras, o feedback e coisas do gênero como ferramentas expressivas para descrever o personagem, em vez de escrever músicas a partir da minha perspectiva. Ser forçado a abordar a guitarra de um modo diferente foi uma coisa boa. No último disco, a música Morphing é um resultado direto do trabalho com filmes. Improvisei algumas guitarras e então orquestrei meio que à mão, catando algumas notas nos instrumentos de corda, metais e madeiras. Também usei um pouco de piano.

Por que decidiu ressuscitar o Helmet?
Continuei a compor e formei uma banda com o (baterista) John Tempesta. Estávamos ensaiando e um amigo nosso, Jay Baumgardner, dos estúdios NRG, se ofereceu para gravar de graça, porque não tínhamos dinheiro nenhum. Já tínhamos a banda, ainda não sabíamos como iríamos chamá-la e então um dia Jimmy Arvine, da minha antiga gravadora, Interscope, ligou: “Por que você não faz outro disco do Helmet pra Interscope?”. Eu tinha amado trabalhar com o pessoal da Interscope, então foi perfeito.

Sua voz mudou um pouco nesses discos novos. Foi natural ou algo que planejou?
Hoje trabalho bem mais do que antes em relação a cantar e estar consciente da minha extensão. Tenho voz grave, então a afinação drop C me deu uma maior extensão, de um jeito estranho. A guitarra toda afinada um tom abaixo é mais adequada à minha voz e eu comecei a me sentir cada vez mais confiante. Comecei a trabalhar com um vocal coach, Mark, em LA. Eu disse: “Quero fazer vocais realmente agressivos e quero fazer coisas melódicas também”. E desde o primeiro dia tivemos ambos.

Esqueci de perguntar sobre seu vocal. Você teve aulas ou simplesmente decidiu que seria o cantor da banda?
No começo não tive. Eu queria cantar, mas não sabia direito o que estava fazendo, simplesmente urrava e berrava e tentava cantar. Comecei a cantar no Band of Susans e isso me deu confiança para cantar minhas próprias músicas. Mas eu ficava bem nervoso no começo. Enchia a cara para combater o nervosismo. Quando saíamos em turnê, depois dos dois ou três primeiros shows, eu ficava meio rouco. Então eu sempre pedia um dia de folga depois desses primeiros shows e aí voltava bem.

Você disse em uma entrevista que está trabalhando em “fantasias jazz e fantasias orquestrais”.
Estou cercado por estantes de música, trabalho em muitos standards de jazz. Terminaremos a tour em novembro e tenho três bandas para produzir. Espero que depois disso eu tenha tempo para trabalhar de verdade e decidir o que vou fazer com eles. Vou compor algumas coisas com Mark e ele trabalha com a Antonia Bennet, filha do Tony Bennet. Ela é uma ótima cantora, tem uma voz super cool. Vamos tentar botar nossas cabeças para funcionar juntas e compor algumas coisas. Espero gravar um disco com amigos.

Vai ser um disco de standards de jazz?
Não sei se serão só standards, mas algumas das canções que faremos serão. Tenho algumas em mente, músicas que sempre amei, mas é uma questão de achar o que consigo cantar, o que funciona para a minha voz. Algumas coisas funcionam e outras não, é preciso ser seletivo em relação ao material. Estou tentando achar o tom certo também. Uma das canções eu tentei em C, Bb, B e Ab. E cada tonalidade meio que tem uma personalidade diferente. Ab é quase blues e sombria, por ser um registro mais grave. Em C é uma outra coisa, porque você vai achar uma extensão diferente na sua voz. É bem interessante.

E as fantasias orquestrais?
Comecei e me frustrei, não gostei de nada do que escrevi. Então agora está na geladeira e o cara com quem trabalho está passando férias na Alemanha com a família. Ele escreve para orquestra e filmes o tempo todo, além de ser um ótimo pianista clássico. Compusemos algumas coisas juntos e isso nos deu a ideia de fazer um disco com orquestra. Guitarra – ou guitarras – e orquestra.

Falando em jazz e fantasias, em 96 você gravou o disco Zulutime, com Caspar Brötzmann. Só consegui ouvir algumas faixas, mas é muito legal. Com quantas guitarras foi feito? Era uma improvisação livre?
Ele todo foi feito com duas guitarras e gravado ao vivo. Fomos para o estúdio com (o engenheiro de som) Wharton Tiers, que trabalhou em Strap it on, Meantime e Monochrome. E só tivemos que apertar “record”. Eu começava uma peça e ele (Caspar) começava a seguinte. Acho que fizemos em dois dias. Tocávamos por algumas horas e ele falava: “Page, acho que deveríamos sair para tomar um coquetel e criar um clima legal”. Então íamos ao bar, tomávamos umas, voltávamos e tocávamos mais um pouco. Era um diálogo: apenas dois caras em uma sala com guitarras e amplificadores gigantes, respondendo um ao outro.

Usaram efeitos também?
Distorção foi o principal efeito. Eu aprendi com ele como usar o wah-wah para criar texturas diferentes. Além dos pedais de distorção e wah-wah, também usei um chorus e um delay. Isso ajuda a moldar o som. Ele usou um wah-wah, acho que a distorção era um pedal RAT e o chorus era um Roland.

Usaram coisas como loop machines? Porque eu consegui ouvir umas quatro guitarras ali…
Não, só duas guitarras. Louco, né?

Última pergunta: você trabalhou na trilha sonora do filme Across the Universe. Só tocou guitarra ou também fez arranjos?
Ambos. Havia um monte de músicos ótimos no estúdio: o guitarrista Mark Stewart, que toca com Paul Simon, o baterista Charlie Drake e o baixista T Bone Walk, que morreu no ano passado e tocava na orquestra do Saturday Night Live. Havia também T Bone Bernet e Rick Martino, que trabalha muito com Elliot Goldenthal. Todos os músicos participavam nos arranjos, dando ideias e experimentando. Tive uma ideia legal para a música Across the Universe, do Lennon, uma coisa modal e meio drone. E foi assim que começamos, o arranjo foi construído a partir desses pequenos feedbacks de guitarra que eu tinha, bem simples. Todos tinham muitas ideias, foi um sonho trabalhar com esses músicos.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Entrevista com Page Hamilton (Helmet) - Parte 1



Pra começar 2012 de um jeito bacanudo, aqui vai a primeira das entrevistas órfãs que fiquei de publicar no blog. Chamei essa entrevista de "entrevista amaldiçoada", porque tudo parecia dar errado. Cronologia dos perrengues:

- um dos produtores do show que o Helmet fez em São Paulo em julho é amigo do Gonzo, editor da Soma, e perguntou se não rolava uma matéria na revista. Aí o Gonzo entrou em contato comigo perguntando se eu não tava a fim de fazer a entrevista e eu disse que sim, claro. Imaginei que já estava tudo certo, só iriam me passar as coordenadas de onde e quando, eu iria lá, conversaria com o cara e sairia a matéria linda na revista. Aí quando chegou na semana do show, eis que o Gonzo não conseguia de jeito nenhum entrar em contato com o tal produtor, que, depois descobrimos, tinha ido pescar no Pantanal (!) e estava incomunicável.

- chegou o dia do show, bateu aquele desespero em todo mundo, "meo deos como vamos fazer???" e o que consegui foi o contato do Samuel, que faria uns vídeos do show (são esses aí que aparecem ao longo da entrevista). Liguei pra ele, garanti meu passe para a passagem de som e aí falaria com o Page Hamilton - saberia que não daria pra fazer uma entrevistona bacana ali na correria, mas daria pra pegar email e aí combinar um papo via Skype.

- Peguei o email do moço, entrei em contato e marcamos uma entrevista por Skype em uma semana em que ele estaria na casa dos pais em Oregon, meio que de férias. Parecia lindo. Só que a conexão estava uma merda e a entrevista teve que ser abortada depois de dez minutos. Aí combinamos de fazer por telefone alguns dias depois. Aí o celular dele estava uma merda e de novo a entrevista foi pro saco. Combinamos de fazer de novo via Skype, quando ele estivesse de volta à casa dele, onde tem uma conexão melhor e tal.

- Nessas a revista já estava fechando e eis que Bernardo Pacheco, do Elma, entrou em contato com o Mateus, editor da Soma, dizendo que tinha feito uma entrevista com o Page Hamilton e perguntou se ele não queria publicar na revista. Como não havia previsão de sair a minha e a revista não pode atrasar, o Mateus acabou optando pela entrevista feita pelo Bernardo - que, aliás, ficou bem legal, saca só.

- Como eu ainda queria falar com o Page e achei que seria, como diria a Sandra Annenberg, muito deselegante descombinar o papo, expliquei a situação e ele, que é o cara mais gente boa do mundo, topou em falar comigo mesmo que o resultado só fosse publicado no meu humilde blógui. E aí, bom... aqui vai a primeira parte do resultado!

Quando você foi pra Nova York, queria estudar jazz. Que tipo de jazz você curtia: free jazz ou mais tradicional?
Quando comecei a escola – em Oregon, primeiro, na University of Oregon – comecei a curtir guitar jazz: George Benson, Grant Green. E depois jazz modal, como Kind of Blue, do Miles Davis. E aí comecei a ouvir Coltrane, o que foi muito inspirador. Daí fui conhecendo coisas mais antigas, bebop dos anos 40 e 50. Então meu período favorito no jazz é entre os anos 40 e 60. Gosto de standards. Trabalho em standards o tempo todo. Também amo Wayne Shorter, ele tem umas mudanças de acordes interessantes. Free jazz também me interessa, ouço o Coltrane de 66 e 67 e também o disco Free Jazz, do Ornette Coleman. Mas eu gosto de harmonia, e free jazz, como o nome já diz, é livre harmonicamente, não há mudanças de acordes. Não dá pra realmente estudar free jazz. Se você for a uma instituição, provavelmente você vai aprender sobre mudanças de acordes e tal. Então estudei composição: escrevi uma peça para big band, um octeto para metais, uma canção baseada num poema e alguns temas originais de jazz, que toquei no meu recital de formatura.

Em que instituição você estudou?
Manhattan School of Music.

Na época em que você foi para Nova York já era um fã de rock e metal ou só gostava de jazz?
Cresci no rock. Toco guitarra por causa do Led Zeppelin. Então gosto de heavy, hard rock. Sempre gostei de música pesada, agressiva. Pra mim, Coltrane é bem pesado, agressivo, assim como Charlie Parker. Músicos não devem se prender a gêneros musicais, na minha opinião. Quando alguém me diz “Odeio jazz”, eu reviro os olhos. Se for um músico, está perdendo uma das maiores formas de arte já criadas. É o mesmo quando alguém diz que odeia música pesada, metal. Só digo: “Problema seu”. Gosto de tudo, não me identifico com um estilo.

Você chegou a NY no começo dos anos 80, certo?
1985. Me mudei pra NY com 600 dólares no bolso. Trabalhei como segurança no Welfare Hotel, onde eu morava. Não conseguia nem pagar o aluguel. Estava devendo 6 meses e o dono veio dizer: “Ei, seu aluguel está atrasado”. Eu disse: “Você é meu chefe, é você quem me paga. Mal consigo comer, como posso pagar o aluguel?”. Então arrumei um bom emprego de motorista de van, fazendo entrega de learning antiques, que são umas revistas de educação continuada para adultos. Eu as entregava 4 dias por semana. Ganhei um bom dinheiro com isso e pude sair do vermelho.

Como você foi tocar com o Glenn Branca?
Vi um anúncio no Village Voice – também foi assim que eu entrei pro Band of Susans. Não sabia do que se tratava. Tive uma audição, só eu e Glenn no escritório dele, ele tinha um monte de livros e tal. Ele me deu alguns ritmos para tocar com uma guitarra em open tune (sistema em que todas as cordas da guitarra são afinadas em uma mesma nota). Ele também pegou uma guitarra e tocamos juntos. Adorei. E ele me contratou. Com o Glenn não é uma gig fixa, em que você só toca com ele, porque ele faz só uns seis shows por anos. Foi assim: ensaiamos para alguns shows na Itália e na França, paramos por alguns meses e então ensaiamos de novo para a gravação (da sinfonia Devil’s Choirs at the Gates of Heaven).

Gostaria de falar sobre algumas técnicas ou ideias que você aprendeu com ele e depois usou no Helmet ou em outros projetos.
Acho que a principal coisa foram as figuras rítmicas do Glenn e a sobreposição de coisas como guitarras em 5/4 e bateria em 4/4. Isso ficou comigo. Também absorvi o open tuning. No caso do Glenn, as guitarras são afinadas em E e B. Ele dividia as guitarras em seções: soprano, contralto, tenor, barítono e baixo. É quase como um coro, um coro de guitarras. A soprano, por ser mais aguda, tinha cordas de expessura mais fina, que têm um som mais brilhante. Muito interessante. No Helmet, não usamos open tuning, mas acho que aquele som permaneceu comigo. A maneira como ele sobrepõe acordes e cria esses harmônicos interessantes na upper part of the chords. Qualquer nota tem uma série harmônica e quando você adiciona distorção e outras notas, você tem essa parede sonora interessante.

Antes do Helmet, você tocou no Band of Susans. Há umas guitarras muito boas naquele disco Love Agenda. Eram 3 guitarras, certo?
Sim. Com três guitarras é obviamente menos cabeludo e complexo do que o grupo do Glenn, que tinha nove guitarras, acho, na época em que gravamos a Sinfonia nº 6. O Robert pegava acordes bem simples e os contrapunha a outros acordes. Era lindo. Foi ele quem me fez começar a experimentar com distorção.

helmet: role model / so long / ironhead from de casa on Vimeo.


Como o Helmet nasceu?
Eu estava compondo e tinha esperança de que algumas dessas músicas entrassem no disco (Love Agenda), mas o Robert achou que não eram apropriadas pro Band of Susans. Foi por isso que saí. Eu amava a banda, era ótima, mas eu queria compor. Então decidi formar minha própria banda. Depois de excursionar com o Band of Susans, acho que perdi meu emprego, então arrumei um emprego em uma revista chamada Rock Pool. Eu cuidava da correspondência e escrevia entrevistas usando um nome falso. Conheci uma amiga, ela me achou realmente talentoso e então pagou um anúncio no Village Voice para mim. Foi assim que conheci John Stanier (baterista). Ela era casada com um australiano, Peter Mengede (guitarrista), ele entrou na banda e fizemos audições para baixista. Coloquei um anúncio no Village Voice de novo. Acho que 13 baixistas apareceram na audição. Henry (Bogdan) era fantástico.

Isso foi em 88, 89?
89.

Sei que quando as pessoas formam uma banda elas não sentam e ficam horas pensando em como querem que o som seja, mas acredito que haja coisas que queiram explorar, e outras que não queiram. Como foi isso com o Helmet?
Eu ouvia muitas coisas e voltei ao rock depois de anos longe, estudando e tocando jazz e violão clássico. Comecei a ouvir rock no fim dos anos 70, começo dos 80, e gostava de Killing Joke, Wire, Gang of Four e bandas punk como Buzzcocks e Undertones. Eu realmente queria fazer alguma coisa com vocais e guitarras agressivos. Eu estava compondo, meio usando coisas do Glenn Branca, do Band of Susans e da minha bagagem de jazz. Escrevi o que me veio naturalmente. O drop tuning me ocorreu em uma noite, quando voltava pra casa. Me veio um riff à cabeça para a música Repetition, do Strap it on. Então cheguei em casa, peguei a guitarra e tive que mudar a afinação para achar as notas. Afinei a corda mi grave um tom abaixo, em ré. Isso me libertou e me abriu para todo esse mundo que não tinha explorado antes, e foi assim que o vocabulário do Helmet começou. Hoje tocamos em drop C. Mas naquela época, toda a guitarra estava na afinação tradicional, exceto a corda mais grave, que estava um tom abaixo. Agora, usamos essa afinação e depois abaixamos um tom da guitarra toda (fica assim: d – a – f – c – g – C). Gosto mais desse som.

Tenho uma impressão sobre o Helmet: que as coisas realmente loucas acontecem principalmente nos solos de guitarra. Ruído eu só consigo ouvir nos solos.
Estava conversando outro dia sobre isso e a pessoa me disse que talvez o fato de eu ouvir muitos saxofonistas tenha influenciado isso, porque eu estou sempre tentando tirar frases de saxofone da guitarra. John Coltrane é um dos meus heróis, assim como Charlie Parker e Wayne Shorter. E isso se transformou nesse estilo meu.

Os solos de guitarra são bem importantes na música do Helmet, mas hoje em dia a maioria das pessoas – com exceção dos guitarristas – parecem estar meio cheias disso. Solos de guitarra não são tão populares como eram nos anos 70, por exemplo.
Não me preocupo com isso, porque eu amo solos de guitarra. Gosto da excitação que eles criam e das mudanças de seção que você pode fazer com eles.

helmet: i know / wilma's rainbow / milquetoast from de casa on Vimeo.


Voltando no tempo, no começo dos anos 90, algumas pessoas compararam o Helmet à cena de Seattle. Você vê coisas em comum ou isso é asneira de jornalista?
Acho que é asneira de jornalista. Pela banda ter se formado na mesma época as pessoas fazem essas comparações. Mas eu e o baixista, Henry, somos do Noroeste, de Oregon. Saímos de lá e fomos correr atrás de nossas carreiras musicais em Nova York. Ao formar uma banda em Nova York, sofremos influência do estilo de vida urbano, que é completamente diferente do estilo de vida em cidades como Seattle e Porland, que não são tão agitadas quanto Nova York. Gosto de muitas dessas bandas de Seattle, mas o som delas é mais retrô, inspirado nos anos 70. Na verdade, conversei com os caras do Mudhoney algumas vezes e eles disseram que estavam chupinhando Stooges em velocidade lenta. Achei engraçado. O Helmet vem mais da cena noise artística de Nova York. Somos muito mais agressivos. Então não vejo semelhança entre nós e Nirvana, Soundgarden, Pearl Jam ou Alice in Chains.

E The Melvins?
Amo The Melvins. Dá pra ouvir influência de Black Sabbath na música deles. São uma das minhas bandas favoritas do Noroeste e são meus amigos também. Eles sempre compuseram ótimas músicas. Mesmo quando estão fazendo coisas com ruído e feedback, continua divertido e interessante de ouvir. Eles certamente me empolgam e eu diria que me influenciaram. Eles usam essas melodias pentatônicas ozzyanas. E a melodia na música Unsung, do Helmet, tem esse som de pentatônica ozzyana. Acho que peguei isso do Melvins.

Confira a parte 2 aqui.


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