segunda-feira, 23 de julho de 2012

Especial Glenn Branca: Hallucination City

A 13ª sinfonia de Branca é uma obra insana para 100 guitarras - e uma solitária bateria. Não consegui achar vídeos decentes de Hallucination City e ela ainda não foi registrada em disco, então deixo vocês com essa reportagem em que o compositor fala um pouco sobre a peça:



ps: Branca deve ter gostado dessa história de juntar uma renca de instrumentistas, tanto que uma das peças que está tentando gravar em disco é False World, Good Night!, para 100 violinos e percussão orquestral.

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sexta-feira, 20 de julho de 2012

Especial Glenn Branca: sinfonias para orquestra


Um dos erros crássicos em relação a Branca é se referir a ele como "o cara que compõe umas peças loucas pra guitarra" - aliás, se algum dia você tiver a oportunidade de estar cara a cara com ele, corre um sério risco de levar um pescotapa caso solte uma dessas.

Sim, ele compõe umas peças loucas pra guitarra. E levando em conta algumas pessoas que passaram por sua ensemble, ele pode ser considerado o mentor de muita coisa revolucionária no rock guitarrístico. Mas seu universo estético não se limita às seis cordas, e ele já escreveu peças para cravos preparados e para orquestras sinfônicas. Em uma entrevista dada alguns anos atrás, Branca afirmou:

"Acredito que a orquestra sinfônica é o instrumento mais belo já concebido por qualquer cultura [...] Quando ouço uma ótima banda de rock, isso me faz sentir vivo, mas quando ouço uma ótima orquestra, isso me faz sentir humano".

Das suas obras para orquestra, duas foram registradas em disco: a Sinfonia n. 7 (que foi gravada ao vivo e tem um dos áudios mais escrotos que já vi na vida) e a Sinfonia n. 9 (L'eve Future), que também conta com um coral e ganhou um melhor tratamento fonográfico.

Enquanto as obras para guitarra são no estilo porrada na orelha (efeito atingido pelo uso do clímax sustentado), as sinfonias para orquestra tem longas passagens calmas, de exploração de timbres. O primeiro movimento de L'eve Future são 47 minutos de tranquilidade, de uma música que se desenvolve de maneira orgânica: uma ideia dando origem a outra ideia dando origem a outra ideia, em um esquema que poderia durar eternamente, não fosse a entrada brusca do segundo movimento, de caráter mais orgástico.

(infelizmente, não tem nenhum videozinho da peça...)

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quarta-feira, 18 de julho de 2012

Especial Glenn Branca: a série harmônica

Um dos elementos sonoros mais explorados na obra de Glenn Branca é a série harmônica - se você nunca estudou música e não sabe do que se trata, dá um saco na Wikipédia. O interesse por essa peculiar sequência infinita de sons acabou ganhando ares obsessivos (ele passou a enxergar a série como o princípio de toda filosofia e coisas do gênero), então o próprio compositor colocou o pé no freio em certo momento.

Além de quase ter levado embora a sanidade do mestre, o fascínio pela série harmônica gerou belas obras, como a Sinfonia n. 3 (Gloria) - Música para os primeiros 127 intervalos da série harmônica (esse vídeo é só um trecho do primeiro movimento, não tem a peça toda no iutubiu):



Outra coisa interessante sobre essa peça é que ela não foi gravada com guitarras e sim com cravos preparados - aliás, boa parte da obra de Branca não foi escrita para guitarra e cada vez mais ele vem voltando sua atenção para a orquestra sinfônica, mas essas são cenas do próximo capítulo deste Especial...

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Especial Glenn Branca: as sinfonias para guitarra

Bastaram alguns anos para que Glenn Branca passasse das peças para guitarra como Lesson n. 1 e n. 2, The Ascension e The Spectacular Commodity para as famosas sinfonias para guitarra, conhecidas principalmente pela intensidade provocada pelo clímax sustentado - logo nos primeiros minutos, a música atinge o ápice, que é mantido por quinze, vinte minutos, num orgasmo eterno em que prazer e dor viram uma coisa só.

Nessas obras, Branca também explora diversas possibilidades sonoras, entre elas os acordes cluster (para isso, as cordas da guitarra são afinadas em uma mesma nota, só variando a oitava: as duas mais graves em mi, as duas intermediárias em mi uma oitava acima e as duas mais agudas em mi duas oitavas acima), os microtons, os fenômenos acústicos (sons que não estão na partitura, mas que aparecem por causa do volume, da distorção e da interação entre as várias guitarras).

Para atingir os efeitos sonoros desejados, algumas vezes Branca se viu obrigado a botar a mão na massa e criar os instrumentos que pudessem levar para o mundo real os sons que tocam na sua cachola. Esse é o caso da mallet guitar, espécie de guitarra percussiva utilizada na belíssima Sinfonia n. 2, e dessa guitarra-de-duas-cabeças:


A mais famosa das sinfonias para guitarra é a número 6, batizada de Devil Choirs at The Gates of Heaven, sobre a qual já falei um pouco aqui.

No vídeo abaixo, uma apresentação completa com as sinfonias 8 e 10, chamadas de Mysteries. O áudio do iutubiu não faz jus à complexidade sonora das peças, mas vale a pena ver:



Neste link, há um artigo do Village Voice em que Branca comenta cada uma de suas sinfonias. Recomendadíssimo.

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terça-feira, 17 de julho de 2012

Especial Glenn Branca: the treta goes on...

Não queria ficar nessa de ti-ti-ti avangardê por aqui, mas descobri hoje que o incidente com John Cage não terminou naquela manhã de verão em Chicago. Em 1996 (14 anos após a famigerada ocasião e 4 anos após a morte de Cage), Glenn Branca foi entrevistado pela revista Musicworks e comentou as declarações polêmicas de Cage. Então um fã de Cage chamado David Miller enviou uma carta dizendo que a história não era bem assim, e Branca retrucou com outra carta, na qual conta sua versão dos fatos.

A seguir, ambas as cartas, devidamente traduzidas para a língua de Camões (aceito agradecimentos em forma de elogios, bombons de cereja, cerveja e depósitos bancários, ok?):

Carta de David Miller

Achei a entrevista com Glenn Branca, na Musicworks 66, muito interessante e gostaria de agradecê-los pela publicação. Estou confuso, no entanto, com a interpretação de Branca da famosa crítica que John Cage fez à sua música em 1982. Ele deu aos leitores apenas metade da história: a sensacionalista, escandalosa (sem dizer melodramática) primeira metade.

O encontro Cage/Branca foi discutido várias vezes em silence, uma lista de discussão online centrada em Cage e sua obra. Está documentado que Cage logo modificou, e mais tarde se retratou, sua forte reação inicial contrária à música de Branca, que ouviu em 7 de julho de 1982 no New Music America Festival. Peter Gena, co-diretor daquele festival, afirmou na lista que dois dias depois, em 9 de julho, “Cage mencionou para mim que reconsiderou a peça de Branca e decidiu que talvez tivesse exagerado”. Isso está confirmado no livro Sonic Transports, de Carlo Gagne (página 33). Gagne também cita uma entrevista publicada no Chicago Sun Times no dia 18 de julho, na qual Cage afirma: “Como eu estava preocupado, perguntei às pessoas que estavam conversando comigo o que elas tinham achado. Eu revi meus conceitos porque várias pessoas disseram que foram revigorados pela música. Um deles disse que ouviu sons que nunca tinha ouvido antes. Bem Johnston disse que foi como olhar por um microfone para um mundo que ele nunca tinha visto. Um crítico belga disse que esse era o próximo passo, a semente do século 21”. (Obrigado ao Brian Guild por ter apontado essa fonte)

Voltando à lista silence, Herb Levy escreveu que em dezembro de 1993 [aqui o cara provavelmente digitou errado a data, porque Cage morreu em 92] Cage foi “a uma apresentação da ensemble de Branca no On the Boards. Esse lugar é bem menor do que o Navy Pier de Chicago, então Cage estava bem mais próximo do palco. No On the Board, Cage viu que os instrumentistas não eram comandados, que eles podiam interagir socialmente, sem serem forçados por Branca a fazer nada. Além disso, por causa do tamanho do local, não havia sistema de PA, cada instrumentista era ouvido por meio de seu amplificador individual, então o som era muito melhor do que a costumeira maçaroca de guitarras de Branca, Chatham e outros. Depois de conversar com Powell e com alguns de nós e ver a música de Branca em um cenário diferente, Cage retirou seus comentários anteriores”.

Levy continua: “Nessa época, os comentários anteriores de Cage já tinham circulado na Ear e em outras publicações impressas, além de terem sido registrados em fita... e não houve uma coletiva para se retratar. E, é claro, as primeiras opiniões de Cage são citações midiáticas muito melhores para Branca. Então a citação original vai provavelmente sempre estar presente, apesar de não ser uma representação precisa de (tudo) o que Cage pensa sobre Branca”.

Uma entrevista é, claro, feita para contar uma história pessoal na maneira que melhor servir a ele ou ela. Isso faz parte de uma boa entrevista. No entanto, leitores interessados em um ou em ambos os compositores deveriam gostar de saber que essa história envolve algo mais do que um romance edipiano gasto. Ou, Como Gagne coloca: o suposto “axioma ‘Cage chama Branca de fascista’ não passa de uma hipótese”.



Resposta do Glenn Branca

Obrigado por me enviarem a carta de David Miller em relação ao incidente com Cage – que chamo de “Baboseira de Cage”.

O que me surpreende na carta dele, e em outras similares que já vi, é o fato de que eu sou atacado e criticado pelo que foi certamente uma baboseira do Cage. Parece-me que o problema real aqui é simplesmente o fato de que os seguidores de Cage não aguentam imaginar que ele não era um santo. Eu não fui a pessoa que criou essa controvérsia. Não tive nada a ver com isso. “O sensacionalismo, o escândalo, o melodrama” foram todos criados por John Cage, para começo de conversa. Em várias, várias entrevistas desde então eu fui questionado a explicar o que aconteceu e por que Cage disse o que disse. A verdade é que eu não tenho a menor ideia do que aconteceu. E durante os onze anos em que Cage continuou vivo, ele nunca deu uma explicação pública. Acho que é justo dizer que a responsabilidade de fazer isso era dele, não minha. Sim, é verdade que em determinado momento ele afirmou que poderia reconsiderar sua posição. Mas ele disse isso quando o estrago já estava feito. Algum jornal, revista ou estação de rádio publicaria uma retratação da sua afirmação?

Em uma apresentação que fiz em Munique, alguns anos após os comentários de Cage, um grupo de pessoas na plateia começou a gritar “fascista” nos intervalos entre os movimentos da minha sinfonia. Obviamente aquelas pessoas não tinham ouvido nenhuma “retratação” que Cage pudesse ter feito. Também não há dúvida de que eles foram incitados por Cage, já que um cassete com seus comentários, lançado pela Crepuscule Records, foi tocado por estações de rádio da Europa toda. As afirmações sobre mim na fita duram quinze minutos e em nenhum momento ele se retrata, exceto quando diz “Eu não proibiria” e então ri. Acho que quando alguém vai tão longe a ponto de dizer que sua música “poderia ocasionar o fim do mundo” (como Cage o faz na fita), as pessoas vão acreditar que ele realmente está falando sério. Para retratar uma afirmação assim é preciso mais do que um simples “Eu não quis realmente dizer isso”. A verdade é que a fita é engraçada. Tantas observações dele são tão sem noção que discuti-los seriamente também seria absurdo. Mesmo assim as pessoas continuam levando a sério. John Cale (não Cage), de todas as pessoas, resolveu retomar de onde Cage parou e também me acusou de ser fascista. Ele também nunca me conheceu. Ele também não sabia nada sobre mim pessoalmente.

Ironicamente, Ned Sublette, membro da minha ensemble por anos, era amigo de Cage e estava lá em Chicago. Sempre me perguntei por que Cage nunca se deu ao trabalho de perguntar para o Ned nada sobre mim ou sobre minha prática musical antes de começar a famosa diatribe. É claro que, por outro lado, é de conhecimento geral na nova cena musical que Cage tinha uma quedinha por ataques do tipo, e gente como Steve Reich, Laurie Anderson e Julia Eastman foram todos publicamente reprimidos pelo gracioso mestre.

Também devo mencionar, só para ficar gravado, que os comentários de Cage foram bem mais longos, detalhados e tornados públicos do que a maioria das pessoas percebe. O artigo no Chicago Sun-Times foi apenas um de vários. Ele começou uma discussão no painel na manhã seguinte à minha apresentação com um comentário longo e bem preparado sobre a minha música. Depois houve uma discussão aberta, e ao menos uma hora foi sobre a minha música. Tudo isso foi gravado. Ele também fez a acima mencionada entrevista para Crepuscule com Wim Mertons, ator do livro American Minimal Music, além de fazer mais comentários para a imprensa e para amigos. O festival em Chicago naquele ano foi dedicado a Cage em comemoração ao seu 70º aniversário. A cerimônia de abertura foi televisionada e seu bolo foi cortado pelo prefeito de Chicago. Durante tudo isso, Cage anunciou que iria assistir às 100 ou mais apresentações do festival naquele ano. Para mim, como compositor jovem, ser escolhido daquela maneira por John Cage foi um choque. Meu concerto havia recebido dez minutos de uma ovação de pé por virtualmente toda a plateia de 1200 pessoas. A apresentação foi perfeita. Eu estava em êxtase. Na manhã seguinte ganhei essa surpresa desagradável que até hoje, 14 anos depois, continua a ressoar. Não sei se Cage algum dia soube que a peça apresentada naquela noite não era um movimento da Symphony n. 2, como foi erradamente listado no programa, mas Indeterminate Activities of Resultant Masses, que eu havia estreado em Nova York quase um ano antes. Acho que se ele soubesse que o que ouviu era virtualmente uma homenagem a ele, sua reação teria sido bem diferente.

Se eu fosse dar uma versão completa e precisa dessa história, e de modo algum ela termina em 1982, acho que poderia tranquilamente encher umas trinta ou trinta e cinco páginas. Quando Mr. Miller diz em sua carta que eu só ofereci a primeira metade, na verdade foi somente o primeiro capítulo.


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segunda-feira, 16 de julho de 2012

Especial Glenn Branca: o pseudo-piti do John Cage

A história é famosa: em 1982, Glenn Branca apresentou Indeterminate Activities of Resultant Masses no The New Music America Festival, em Chicago. Na plateia estava John Cage, que não gostou nada do que ouviu e, no dia seguinte, deu uma entrevista com duras críticas à peça. O papo foi gravado e acabou indo parar no lado B do disco com o registro de Indeterminate...

O incidente ficou conhecido como momento-em-que-Cage-teve-um-mini-ataque-histérico-e-chamou-Branca-de-fascista, mas na verdade trata-se de uma bela discussão que envolove política, comunicabilidade, zen-budismo e desejo. E a boa notícia é que você não precisa mais atravessar os 18 minutos de conversa em que Cage fala arrastado e, como era de se esperar, faz longas pausas entre uma frase e outra, para saber tudo o que foi dito na famigerada ocasião - pois, imbuída de altruísmo à lá Madre de Tereza da barulhice, transcrevi e traduzi para o português tudinho (as partes em itálico são as falas do entrevistador, Wim Mertons, e os xxxx são palavras em outras línguas ou nomes que não consegui entender).



Sabe, quando estou em casa, não ouço música. Porque passo tanto tempo compondo. Apenas escuto os sons ao meu redor, como estou ouvindo agora enquanto conversamos. Mas quando há um desses festivais, eu vou, como você deve ter notado, a todos os concertos religiosamente. É minha única oportunidade de ouvir música (riso). E gostei da maioria. Na noite passada, eu… eu não gostei da peça do Branca. Não foi porque estava muito alto – porque posso tolerar o volume alto – mas fiquei com uma opinião negativa sobre o que me pareceram ser implicações políticas. Eu não gostaria de viver em uma sociedade como aquela, em que uma pessoa exige que outras pessoas façam uma coisa tão intensa juntas. Pensei mais sobre isso hoje, mas não gostei realmente da experiência. Conforme penso sobre ela, me torno mais aberto. Não que eu abraçaria, mas ao menos não proibiria. (riso) Mas isso mostra o quão ampla e mudada está nossa noção de composição. Bem, tive uma certa dificuldade com aquilo. [A música de] Branca é um exemplo de determinação absoluta de uma pessoa a ser seguida por outras. Mesmo se não puder ouvir, você pode ver a situação. Não um pastor tomando conta das ovelhas, mas um líder insistindo para que as pessoas concordem com ele, não lhes dando nenhuma liberdade. O único sopro de ar fresco aconteceu quando a tecnologia entrou em colapso. O amplificador quebrou. Esse foi o único momento de liberdade em relação à intenção. Mas no momento que que foi reinstalado, a intenção recomeçou.

Mas qual é a diferença? Você também tem esses objetivos determinados. Mesmo que você diga que é um não-objetivo, também é uma determinação que elaborou antes de escrever a peça. Você também define seu não-objetivo como objetivo.

Esse é um mau uso da linguagem. Se você diz que um não-objetivo é um objetivo, então você está usando a linguagem para anular a linguagem, para anular a mente. Se você não pode dizer “não-objetivo” e isso significar “não-objetivo” em vez de “objetivo”, então a linguagem não tem nenhum uso. Minha atitude em relação à vida é diferente da que ele expressa. Não é a mesma. Mas ambos podemos viver. Não acho que a imagem de poder e intenção e determinação faria uma sociedade na qual eu gostaria de continuar a viver. Mas você gostou, então eu queria ouvir mais o que aquilo tem de bom. Digamos que ele estivesse expressando boas intenções com veemência e poder, então seria como uma dessas organizações religiosas estranhas das quais ouvimos falar. Não seria? Pareceria com isso. Ou, se fosse algo politico, pareceria com o fascismo. Em nenhum dos casos, eu gostaria de fazer parte. Prefiro muito mais o pensamento de Thoureau, de anarquia, de liberdade em relação a uma intenção assim. É como eu sinto. E não acho que de forma alguma Branca esteja um passo à frente de nada. (riso) Ele pode ser popular agora, mas popularidade não é nada, porque o que é popular hoje não é amanhã. Todas essas coisas mudam, nada é mais instável do que a popularidade.

Mas essa música nunca vai ser popular.

Não vai? Mas no programa está escrito que é popular, que ele é uma estrela e muito bem sucedido.

Ele é menos bem sucedido do que você.

Não sei o que isso significa, não sei o quão bem sucedido eu sou. O que estou fazendo agora é tentando achar uma nova peça para compor, e até agora não fui bem sucedido. (riso) A música que ele tocou na noite passada não era escrita.

Sim.

Ninguém estava lendo.

Sim, todos tinham estantes com partituras.

Não vi.

Todos tinham uma estante. É música escrita.

Verdade?

Sim.

Não vi nenhuma partitura... tenho que perguntar para outras pessoas, mas devo dizer que não vi. A música atual do David Tudor tem que ter o David Tudor, senão é impossível de ser tocada. E acho que com o Branca é a mesma coisa: tem que ter o Branca. [A música da] Laurie Anderson tem que ter a Laurie Anderson. Minha música é diferente, eu não preciso estar presente.

Houve um tempo em que os compositores também queria ficar o mais próximo possível de sua própria música.

Como os trovadores da Idade Média. É com eles que essas pessoas se parecem. É uma volta à Idade Média, mas com o uso da tecnologia moderna. Na verdade, é a tecnologia moderna o que o torna xxxxx (palavra em francês), porque eles fazem circuitos e tal, dos quais se tornam dependentes. E se os circuitos não funcionam, a música desmorona. É muito diferente de uma música que pode ser usada por um estranho, uma pessoa que você não conhece. Pelo menos você corta o cordão umbilical. (riso) Há um comentário muito bonito feito pela Margaret xxx, você a conhece de nome?

Sim.

Eu a conhecia, e ela disse que agora que vivemos mais do que antes, não há motivo para continuarmos a fazer as mesmas coisas sempre. Podemos mudar mais do que achávamos apropriado antes. Eu tento sempre achar algo novo.

A ideia de novidade é...

Me interessa, sim. E se você disser que sempre querer algo novo é a mesma coisa sempre, então novamente você não está usando a linguagem corretamente. (riso)

Você está um passo na minha frente agora.

Mas você não estava indo para lá?

Não vou te contar. (risos)

No mínimo, você abriu a porta em direção a essa ideia. Agora você pode me dizer o que te interessa naquilo [peça do Branca]?

Tem a ver com não-comunicação.

Apenas ser? Ser alguma coisa, fazer algum som e não dizer nada?

(barulho significando sim)

Mas por que a insistência?

É como um grito.

Está indo contra o ambiente ao redor? É um grito sobre algo ou não?

Não, acho que não.

É só um grito?

Sim. É sem esperança.

Sem esperança? Você quer dizer, porque é um fim em si mesmo?

Sim. É sobre energias, é uma acumulação de energias sem conteúdo, sem dialética, sem comunicação, sem feedback. É muito libidinoso.

O que isso quer dizer? Cheio de desejo?

Sim.

Então é dialético, porque o desejo é por algo além de si mesmo. É erótico?

Diria que sim.

Mas sem relação com nada amado, só em relação a si mesmo?

Provavelmente.

Então é puramente narcisista.

Sim.

Então para que serve?

Provavelmente, é inútil.

Então como você pode gostar se é inútil? Ou como você pode utilizá-lo se é inútil? (riso) Eu acho aterrorizante, mas você não. Meus joelhos estavam fracos ontem à noite depois daquela experiência. Eu não conseguia levantar, ao mesmo tempo em que não queria ficar sentado. É como o reflexo da luz do sol em um prédio ou algo assim. Quero dizer, quando o sol está bem forte e ele bate no seu olho depois de bater em um prédio em um determinado ângulo e você vê uma luz brilhante vindo em sua direção, algo assim.

Você estava falando sobre a diferença entre usar a força e a inteligência na música.

Sim. E a relação com o século 21. Se seguirmos o exemplo do Branca, duvido que chegaríamos a esse século, porque não há sugestão de inteligência, apenas força e energia. Por esses meios, é mais fácil nos aniquilarmos antes de chegar ao século 21. E é mais ou menos o que estamos fazendo, na verdade. Não nós, mas as nações. Acho que precisamos fazer um uso mais calmo das nossas faculdades. Uma das coisas que eu mais desgosto na música europeia é a presença de clímaxes. E o que vejo em Branca, assim como em Wagner, é um clímax sustentado. Também sugere que o que não é clímax não é excitante. Para mim, um dos ensinamentos mais importantes do zen budismo é “todo dia é um belo dia”. Poder mover a atenção de um ponto a outro sem ter a impressão de deixar algo importante para trás é uma sensação que gosto de ter e que espero poder passar aos outros. Assim cada um pode colocar sua atenção de modo original, e não de uma forma forçada ou persuadida. Assim cada pessoa toma conta de si mesma.



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domingo, 15 de julho de 2012

Especial Glenn Branca: o começo de tudo isso


"Então decidimos empurrar a música em direção aos compositores de que gostávamos, como Stockhausen. Eles todos estavam escrevendo música que era tão extrema quanto heavy metal, mas sem usar guitarras. Conforme íamos nessa direção, quanto mais nos afastávamos do centro, mais sucesso a banda fazia. In 1979, levei isso para fora da banda e escrevi uma peça instrumental para seis guitarras e esse foi realmente o começo de tudo isso" (Glenn Branca)

Essa primeira composição a que ele se refere é "Instrumental for six guitars", que foi apresentada ao vivo pela primeira vez em 1979, mas nunca chegou a ser registrada em disco. Logo depois vieram várias outras, como "Lesson n. 1" e "The Ascension", lançadas respectivamente em 1980 e 1981:





Além de ser um passo importante na construção da linguagem musical de Branca, colocando em foco a guitarra e suas diversas possibilidades de afinação e de variação dinâmica (o que levaria à composição das famosas sinfonias), essas primeiras peças foram essenciais para a criação da ensemble pela qual passaram nomes como Thurston Moore, Lee Ranaldo e Page Hamilton.

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sexta-feira, 13 de julho de 2012

440 Hz Anti-Especial: Por que não vou comemorar o Dia do Rock

Sejamos francos: tá difícil gostar de rock. Não porque "as bandas de hoje não tocam mais como o Deep Purple" ou outra frase nostálgico-reaça do tipo, mas porque o rock parece se tornar cada vez mais um ímã de gente classista, racista e misógina. Como bem colocou Bernardo Pacheco, guitarrista do Elma, em entrevista ao Intervalo Banger: "misto bizarro de preconceito de classe e surdez seletiva que alguns chamam de “rockismo” no Brasil".

Os mesmos argumentos usados pelos fanáticos religiosos que condenavam o rebolado de Elvis Presley nos anos 50, que quebraram LPs dos Beatles em público nos 60 ou que tentaram proibir o metal nos 80 são, em pleno 2012, repetidos à exaustão nas redes sociais para atacar gêneros como sertanejo, funk, pagode e axé - o fato de boa parte desses estilos musicais ter um pé na África e ser apreciado principalmente pelas classes C, D e E não é mera coincidência.

Fora a mania de ligar o gosto por tais gêneros à ignorância e a um atraso cultural, como se o rockão à lá AC/DC fosse o último bastião da intelectualidade. Em um dos gritos indignados em forma de montagem tosca de Photoshop, a letra de "Ai, se eu te pego" é comparada com a versão traduzida de "Civil War", do Guns'n'Roses (é, Guns'n'Roses...), tendo acima a pergunta "E você ainda pergunta porquê (é, junto e com acento circunflexo...) eu prefiro rock?".

É nessas horas que eu prefiro ouvir isso aqui:





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terça-feira, 10 de julho de 2012

Especial Glenn Branca: The Static

Com a morte precoce do Theoretical Girls, Branca montou a banda The Static com a artista visual e então namorada Barbara Ess. Como o antigo grupo, o The Static também durou pouco e só gravou um single (a música My Relationship, lado A, foi incluída na coletânea New York Noise vol.2, que também traz Sonic Youth e Rhys Chatham, entre vários outros):





Segundo a biografia que consta no site oficial do moço, foi no The Static que Branca inaugurou o sistema de afinação da guitarra em três oitavas - mas nada se explica sobre o tal sistema...


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quinta-feira, 5 de julho de 2012

Especial Glenn Branca: Theoretical Girls

Começando do começo, a primeira banda de mr. Branca, montada em Nova York no fim dos anos 70:



Como quase todos os outros grupos da no wave, o Theoretical Girls nunca gravou um álbum propriamente dito e acabou de fora da compilação No New York, organizada por Brian Eno. Além da falta de registros fonográficos, a primeira banda de Branca compartilha com os outros nomes da cena o fato de ter começado a fazer música quase aleatoriamente - Branca conta, no documentário Kill Your Idols, que ele e Jeff Lohn queriam montar uma companhia de teatro e decidiram, do nada, formar uma banda em vez da trupe.

Provavelmente foi essa mistura de amadorismo naïve e necessidade feroz de se expressar que moldou a cara dessa curta porém intensa cena musical. Mas ali foi só o começo para Branca, que iria fazer coisas muito mais interessantes e revolucionar a guitarra elétrica nos anos seguintes...

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quarta-feira, 4 de julho de 2012

4 anos de Destruindo Pianos


Hoje este humilde blog completa quatro anos de vida. Não preparei nenhum especial de aniversário porque só me dei conta disso ontem - ô ano pra passar voando, putaqueopariu.

Quando comecei o blog, minha ideia era falar sobre música feita a partir de barulhos, terreno que eu estava (e ainda estou) tateando. No início, era mais voltado pro rock, mas com o passar do tempo, outros interesses musicais se somaram, mais notadamente a improvisação livre e a face mais experimental do metal.

Mas sempre mantive a coisa da descoberta - em vez de tom professoral, um clima de conversa entre amigos trocando informações sobre as coisas que andam ouvindo. E justamente por isso, cada comentário postado aqui (seja elogiando o blog, seja dando dicas, seja compartilhando mais informações sobre determinado assunto) é muito importante pra mim.

Esse é um blog feito por e para quem ama música, aquelas pessoas que gostam de botar um disco para tocar e ouvir de olhos fechados, prestando atenção única e exclusivamente na trajetória dos sons. Aquelas pessoas que amam tanto a música que topam ser arrebatados, encantados, extasiados, aterrorizados e até torturados por ela - o "prazer primordial percebido inclusive na dor" que Nietzsche apontava como matriz comum da música e do mito trágico.

Quem venham mais dores assim. Que venham mais anos de Destruindo Pianos.

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terça-feira, 3 de julho de 2012

Especial Glenn Branca - entrevista para The Drone

O mestre da guitarra noise está com dois shows agendados em São Paulo (24 e 25 de julho no SESC Belenzinho), então resolvi fazer um especial aqui no blog no estilo Mês John Zorn.

Para começar, uma entrevista sucinta, mas bastante reveladora sobre as ideias de Branca, gravada no ano passado:



Falando em especiais, o Free Form Free Jazz prometeu um sobre o Peter Brötzmann, que por sinal também vai se apresentar no Brasil neste mês.

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