terça-feira, 23 de março de 2010

Steve Shelley à toda

A exemplo do coleguinha Thurston Moore, Steve Shelley agora também tem um blog, o Vampire Blues, em parceria com Chris Lee.

E falando no moço, dá pra ouvir aqui, em streamming, uma seleção que ele fez pro Daily Session. As escolhas são tudo aquilo que eu não esperava do baterista do Sonic Youth: muita música africana, jamaicana, soul, rock'n'roll "de raiz" e... tcharã: Canto de Ossanha, afrossamba de Baden Powell e Vinícius de Moraes (!!!)

segunda-feira, 22 de março de 2010

Perguntinha do dia

A instalação em si é arte, mas e a música produzida sem querer pelos passarinhos, também é??

domingo, 14 de março de 2010

Paulicéia Avant-Garde: Grupo Rumo


Luiz Tatit estava de férias, ouvindo Minha Nega na Janela (música de Germano Mathias e Doca regravada por Gilberto Gil), quando teve um insight: “as melodias das canções não têm origem propriamente musical mas sim entoativa”. Estudar e explorar a entoação da fala na canção popular passou a ser prioridade da banda de Tatit. Batizado de Grupo Rumo, esse “coletivo” de dez jovens estudantes universitários já tinha no nome a pretensão de encontrar um novo caminho para a canção brasileira. E encontraram.

A base da sonoridade do Rumo está toda no texto da canção, desde a maneira como se configura a melodia (ou a não-melodia, já que se trata muito mais de fala do que propriamente de canto) até detalhes dos arranjos. Apesar da profusão de instrumentistas, os arranjos são bastante comedidos – afinal, é a palavra que deve estar em primeiro plano. Além da proposta musical inovadora, o Rumo tinha dois grandes trunfos: a incrível cantora Ná Ozzetti e o humor sutil de suas canções – no livro Todos Entoam, Luiz Tatit conta que a veia humorística do grupo acabou surgindo de maneira imprevista. O canto-falado, pela estranheza, acabava gerando risos na plateia, o que não era uma intenção do grupo. Mas, já que as pessoas riam, eles resolveram incorporar o humor nas letras e acabaram criando coisas impagáveis como Ah!, Carnaval do Geraldo, Trio de efeitos e Delírio, meu!


(registro de show de 2004, em comemoração aos 30 anos da fundação do grupo)

Em 1981, o Rumo lançou de maneira completamente independente seus dois (isso, dois!) discos de estréia: Rumo e Rumo aos Antigos, álbum de regravações de canções brasileiras de Lamartine Babo, Noel Rosa, Sinhô, entre outros. Em 1983, veio Diletantismo, em 1985, Caprichoso e, em 1988, Vamos Passear, ótimo disco de canções infantis.



O trabalho mais consistente do Rumo (segundo a opinião do próprio Tatit e endossada por mim), no entanto, é Rumo ao Vivo, de 1992, que também é o último disco da banda. A maioria das 13 faixas do disco é composta de canções de caráter humorístico e que contam historinhas. Também há espaço para o lirismo (como em Esboço, que fala sobre uma dessas pessoas que parecem personagens – embora ela seja gente como a gente, “pois se aperta ela chora”) e para neuroses urbanas (Dia útil, que conta a história de um trabalhador que ficou tão apegado aos azulejos e ao piso do escritório que teve um colapso nervoso quando o local foi reformado) e para a metalinguagem (Essa é para acabar).

Ouvindo o disco, me deparei com tantas tiradas geniais que resolvi deixar aqui uma pequena lista com as minhas preferidas:

- De tanto vigorar, gorou/ Esperando Godard, Godot (O menino)

- Gosta de entrar um pouco na USP/ Gosta de sentir que é estudante/ E mesmo que não estude ele embroma/ com tanta perfeição que sempre sai com um diploma (Esboço)

- Cê não sabe, eu to mais calmo/ e totalmente envolvido com o trabalho/ já tenho outra menina/ não é linda, mas já dá pra quebrar o galho (Banzo)

- Um sentimento indefinido/ foi me tomando ao cair da tarde/ Infelizmente era felicidade (Felicidade)

sexta-feira, 12 de março de 2010

Professor Pardal da música

Na revista + Soma desse mês (que pode ser baixada de graça aqui), saiu uma matéria com Felix Thorn, cara que tem um jeito peculiar de fazer música: além de compor, ele cria engenhocas que, alimentadas por um motor de brinquedo ou eletrodoméstico, tocam suas composições. O curioso do negócio é que, apesar da música ser executada por uma máquina, ela trabalha com sons de instrumentos analógios como bumbos e vibrafones. E, para tornar o efeito visual ainda mais impressionante, Felix instalou em suas traquitanas lâmpadas coloridas que se acendem e apagam em sincronia com os sons - e que sons...











segunda-feira, 8 de março de 2010

Clássicos do dia 7: Can - Tago Mago


Era uma vez uma banda de rock alemã cujo vocalista teve um colapso nervoso. Até aí nada de mais, já que pessoas vivem surtando o tempo todo em todos os lugares. Mas esta história possui três detalhes que a tornam um tanto mais interessante:

Detalhe 1 – O cantor teve o colapso durante um show da banda. Completamente atordoado, ficou repetindo as palavras “upstairs, downstairs” sobre o palco.
Detalhe 2 – Seu psiquiatra disse que o ataque foi, em parte, ocasionado pelo tipo de música executado pelo grupo, e lhe aconselhou a fazer as malas e voltar para sua terra natal, os EUA.
Detalhe 3 – Para substituí-lo, o baixista do grupo chamou um japonês maluco que vira cantando/rezando para o sol no meio da rua em Munique.

Essa seqüência de acontecimentos bizarros (porém verdadeiros) foi o ponto de partida para o nascimento de uma obra-prima do rock experimental-progressivo-psicodélico-vanguardista: Tago Mago, segundo álbum do grupo Can, lançado em formato de disco-duplo em 1971. Assim como The Velvet Underground & Nico, Tago Mago até hoje impressiona pela originalidade, pelo novo. Se você mostrá-lo pela primeira vez a alguém e disser que o disco foi lançado semana passada, ela não só vai acreditar como vai exclamar: “Nossa, que som diferente!” - ou “Caralho, que porra é essa?!”, o que tem mais ou menos o mesmo sentido: de algo novo, nunca escutado antes.

Também à semelhança do Velvet, o Can teve forte influência da música erudita do século 20: Holger Czukay, baixista do grupo, foi aluno de Stockhausen. Holger também dava aulas de música e foi por meio de um aluno seu, o guitarrista Michael Karoli, que ouviu I am the walrus pela primeira vez e percebeu que havia vida inteligente no rock. Passou a ouvir Jimi Hendrix e Frank Zappa e montou uma banda com Karoli, o tecladista Irmin Schmidt, o baterista Jaki Liebzeit e o vocalista americano Malcolm Mooney (depois substituído pelo loucaço Damo Suzuki).

“[Tago Mago] foi uma tentativa de alcançar um mundo musical misterioso da luz para a escuridão e de volta à luz”. A descrição de Holger é um bom ponto de partida para entender esse instigante álbum, recheado de mudanças de clima, experimentações sonoras, versos repetidos como mantras e momentos de pura viagem lisérgica.

O disco 1 se assemelha bastante ao Pink Floyd fase Syd Barret, e meu conselho para aprecia-lo é: ouça-o com o corpo. Coloque para tocar, relaxe os músculos e se deixe levar pela música. Qualquer movimento louco que der vontade de fazer, faça. Logo você vai se perceber tomado pelo som, mexendo o corpo de maneira louca, libertadora, num semi-transe psicodélico. Como canta Damo Suzuki na ótima faixa de abertura, Paperhouse: You can make everything/ what you want with your head. Nada faz mais sentido.

A segunda música, Mushroom, é curta (pouco mais de 4 minutos) e sem longas intervenções instrumentais, mas mesmo assim pode ser considerada um hino psicodélico. Com um clima sombrio, batida constante e letra abstrata (I saw a mushroom head/ I was born and I was dead), ela remete à clássica White Rabbit, do Jefferson Airplane, verdadeira ode aos alucinógenos.



A viagem continua em Oh Yeah, que começa com uma sutil explosão, utiliza o recurso da gravação de voz tocada ao contrário (que deixa tudo meio assustador) e tem parte da letra em japonês, e desemboca na funky e loooooooonga Halleluhwah, de mais de 18 minutos de duração. Apesar de boa parte dela ser instrumental e de haver alguns solos, não há nenhuma exibição de virtuosismo – o Can queria sempre soar como um organismo musical, não como um conjunto de indivíduos querendo mostrar o quanto são bons tecnicamente.

Quem teve dificuldades em absorver o disco 1 deve esperar mais um pouco para continuar, porque a segunda parte de Tago Mago faz Jefferson Airplane parecer banda de fanfarra. Ele começa com a estranha e amedrontadora Aumgn, na qual a banda deixou o rock de lado e resolveu explorar a eletroacústica. São mais de17 minutos de todo tipo de barulhos esquisitos, violinos desafinados, teclados e guitarras tocados insanamente, percussões tribais e gemidos assustadores, numa espécie de ritual religioso-sonoro de alteração de consciência. Terror e beleza.

Peking O começa com um vocal arrastado acompanhado por um teclado e alguns efeitos eletrônicos até que, aos 2:30, vira um... samba! Bastante desengonçado (afinal, é uma banda ALEMÃ), o batuque dura uns dois minutos. Daí até o fim, a música se torna algo completamente inexplicável, jam session de internos de um manicômio – aliás, entre a gravação de uma música e outra, quando os técnicos tinham que trocar os aparelhos, Holger sempre deixava um gravador ligado. Assim registrou, sem os outros integrantes saberem, todas as improvisações que faziam durante os momentos de espera. Com um precioso trabalho de edição sonora, Holger colocou muitos trechos dessas gravações escondidas no álbum.

Depois dessas duas bombas atômicas em cima do cérebro, Tago Mago encerra com a relativamente tranqüila e curta Bring me coffee or tea, hora do ouvinte finalmente respirar e avaliar se a viagem alucinógena proposta pelo Can foi uma experiência prazerosa ou uma bad trip. De qualquer forma, pode ter certeza de que ninguém volta igual desse passeio...

Aliás... será que Malcolm Mooney ouviu esse disco?

sexta-feira, 5 de março de 2010

Que meda...

Outro dia aconteceu uma coisa engraçada... estava ouvindo a música "Aumgn", do Can (do álbum Tago Mago, que será resenhado no próximo Clássicos do dia 7, aliás), com fones de ouvido e de olhos fechados, e aí... senti medo. Isso mesmo: MEDO. Tive que até abrir os olhos um pouco. Já ouvi muitas músicas sombrias, agonizantes e que posso até descrever como assustadoras, mas que me lembre essa foi a primeira vez que realmente senti medo de uma música. Então recordei de um colega que contou que ficou sem dormir a primeira vez que, ainda criança, escutou "Black Sabbath".

Afinal, se há músicas capazes de emocionar, alegrar, entirstecer ou fazer suspirar, também deve haver músicas que dão medo. Um cara que parecia saber bem disso era o falecido cineasta Stanley Kubrick, que fez uma seleção de músicas tenebrosas de nomes como Bartók e Penderecki para a trilha sonora do aterrorizante filme O Iluminado:



E trilha da cena do ritual erótico de De olhos bem fechados, então? Composição de Jocelyn Pook, Masked Ball foi construída sobre a gravação de uma missa em romeno tocada de trás pra frente. Aliás, não é a toa que o pessoal da teoria da conspiração adora encontrar mensagens subliminares satânicas em gravações tocadas ao contrário - qualquer coisa tocada ao contrário, até uma missa, soa diabólica: