quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Centésimo post


Comemorando a chegada do centésimo post do Destruindo Pianos, preparei uma playlist com 100 músicas que representam bem o espírito do blog: tem Velvet, Sonic Youth, no wave, Vanguarda Paulistana, coisas dos anos 90, barulhos e esquisitices em geral. Alguns dos artistas já apareceram em posts por aqui, outros aparecerão em breve. Só baixar e ser feliz!
(obs: os arquivos estão em vários formatos diferentes. Sugiro baixar o Reprodutor de mídias VLC, um software gratuito, livre, que toca qualquer coisa e não enguiça)

Pasta A – Novaiorquices, noventices e pós-punk

01 - 30 seconds over Tokyo – Pere Ubu
02 - Antiworld – Nina Hagen
03 - Braid 1 and Leaping song – Meredith Monk
04 - Ddiamondd – Battles
05 - Design to kill – James Chance and the Contortions
06 - Ecstasy – Lou Reed
07 - Eric’s trip – Sonic Youth
08 - Face place – The Slits
09 - Forgiveness – Yeasayer
10 - From her to eternity – Nick Cave & The Bad Seeds
11 - From the air – Laurie Anderson
12 - Gallons of rubbing alcohol flow through the strip – Nirvana
13 - Ghost rider – Suicide
14 - Harness your hopes – Pavement
15 - Here she comes now – The Velvet Underground
16 - In the flowers – Animal Collective
17 - Junkhead – Alice in Chains
18 - Kill yr. Idols – Sonic Youth
19 - Lesson No. 1 for electric guitar – Glenn Branca
20 - Lounge act – Nirvana
21 - New new – DNA
22 - Ono soul – Thourston Moore
23 - Rain on Tin – Sonic Youth
24 - Red dress – TV on the Radio
25 - Rock’n’roll nigger – Patti Smith
26 - Staircase – Beirut Slump
27 - Suck you dry – Mudhoney
28 - The wagon – Dinosaur Jr.
29 - Tonight tonight – Smashing Pumpkins
23 - Too much paranoias – Devo
31 - Under the house – PIL
32 - Useful chamber – Dirty Projectors
33 - Venus in furs – The Velvet Underground
34 - Violet – Hole
35 - Walk on the wild side – Lou Reed
36 - We die young – Alice in Chains
37 - While you wait for the others – Grizzly Bear

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Pasta B – Metal, industrial, kraut, eletrônico

38 - A hanging – Swans
39 - Akuma no kuma – Sunn O))) + Boris
40 - Boris – Melvins
41 - Born Stubborn – Sepultura
42 - Come do daddy – Aphex Twin
43 - Convincing people – Throbbing Gristle
44 - Country lane – Wendy Carlos
45 - Do the Mussolini (headkick) – Cabaret Voltaire
46 - Facelifter – Naked City
47 - Halber Mensch – Einstuerzende Neubauten
48 - Headhunter – Front 242
49 - Loneliness – Tuxedomoon
50 - Longue Route – The Young Gods
51 - Machine Gun – Portishead
52 - Masked ball – Jocelyn Pook
53 - Mushroom – Can
54 - Negativland – Neu!
55 - No words no thoughts – Swans
56 - One step beyond – Fantômas
57 - Short piece – Krieger
58 - Start the riot – Atari Teenage Riot
59 - The man machine – Kraftwerk
60 - The soul continues – Jarbor + Attila Csihar
61 - Urlo Negro – Mike Patton
62 - Warm leatherette – The Normal

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Pasta C – Freejaz, Radiohead, Beck, psicodelia, Vanguarda Paulistana, instrumental brazuca e outros

63 - All I need – Radiohead
64 - Anteontem – Itamar Assumpção
65 - Apaixonite aguda – Itamar Assumpção
66 - Astronomy Domine – Pink Floyd
67 - Che belew shellela – Getatchew Mekuria + The Ex
68 - Chemtrails – Beck
69 - China my China – Brian Eno
70 - Colors – Pharoah Sanders
71 - Dear darkness – PJ Harvey
72 - Diversões eletrônicas – Arrigo Barnabé
73 - Embalos – Itamar Assumpção
74 - Friction – Vandermark 5
75 - Gray sunset – Ariel Pink
76 - Harry Partch – Beck
77 - In limbo – Radiohead
78 - Indiu – Tetê Espíndola + Philippe Kadosch
79 - Kokend asfalt – Ex Orkest
80 - Leeds United – Amanda Palmer
81 - Lubenica – Emir Kusturica & The No Smoking Orchestra
82 - Machine Gun – Peter Broetzmann Octet
83 - Man-size sextet – PJ Harvey
84 - Only Shallow – My Bloody Valentine
85 - Paranoid Android – Radiohead
86 - Pentagramarama – Satanique Samba Trio
87 - Provolone – A Banda de Joseph Tourton
88 - Resh hex – Tobacco + Beck
89 - Santo Antonio – Hermeto Pascoal
90 - Sertão – Tetê Espíndola
91 - Sova – Hurtmoldt
92 - Sutil – Na Ozzetti
93 - Tô tenso – Patife Band
94 - Treci Vavilon – Darkwood Dub
95 - Trench – Jonny Greenwood
96 - Trio de efeitos – Grupo Rumo
97 - Vamos dar mais uma – Macaco Bong
98 - We travel the spaceways – Sun Ra
99 - White rabbit – Jefferson Airplane
100 - Who needs the peace corps – Frank Zappa

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Queria ter colocado alguma coisa de black metal também, mas não achei. Então fica esse vídeo de bonus track (as roupas são ridículas, a mensagem é uma merda e os caras não são pessoas que eu chamaria pruma cerveja, mas essa música é bem interessante, principalmente as mudanças bruscas de um clima pra outro):

Tchau 2010

Este ano foi bem parado aqui no blog, mas eu andei fazendo umas matérias/resenhas bem legais por aí (e já tem coisa prontinha pra sair em 2011 também). Aqui vão os links:

Reportagem sobre o disco Clara Crocodilo, que completou 30 anos em 2010 (essa matéria foi minha estreia na revista +Soma, que é tipo a revista dos sonhos de quem quer trabalhar com cultura e escrever sem amarras): http://www.maissoma.com/2010/8/20/ensaio-clara-crocodilo-por-raquel-setz

Entrevista com a Banda Isca de Polícia, falando sobre os discos de inéditas do Itamar e sobre os shows de lançamento: http://www.maissoma.com/2010/10/13/entrevista-isca-de-policia-fala-sobre-o-show-caixa-preta

Review do show insólito do duo Phil Minton (voz) e do Han Bennink (bateria): http://www.maissoma.com/2010/12/16/show-phil-minton-e-han-bennink-centro-cultural-vergueiro

Nesta edição da +Soma, tem uma entrevista que fiz com o Luiz Tatit e uma resenha da Caixa Preta, do Itamar. Baixe aqui.

No rraurl, resenhei os discos novos da Charlotte Gainsbourg (produzido pelo Beck), Holly Miranda, Mike Patton, Swans e, na seção tesouros, falei sobre o crássico No New York.

Por fim, uma matéria sobre o bizarro festival de viking metal que rolou no Manifesto Bar (e esta foi minha estreia no blog da Vice, outra revista dos sonhos): http://www.viceland.com/blogs/br/2010/07/29/por-odin-ce-ta-pensando-que-sou-loki/

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Ooooops

Na minha listinha de ontem, esqueci de uma importante:

5. I IN U, da Laurie Anderson, no CCBB


Eis que uma exposição com fotos, vídeos e muitas instalações sonoras da artista multimídia e ícone da vanguarda Laurie Anderson desembarcou em Sampa, no CCBB. Ocupando quatro andares do prédio e reunindo trabalhos de 1970 até os dias de hoje, I IN U tinha tudo para ser uma puta exposição de cair o queixo. O único problema é que 90% das obras sonoras estão inaudíveis. Sem isolamento acústico entre as instalações, o que se ouve é uma cacofonia dos infernos. Isso sem contar o barulho que vem da rua (como é no centrão e a porta fica aberta, joga uns 80 decibéis aí), da cafeteria e dos funcionários do lugar, que conversam alto e cantam (é, CANTAM) no meio das obras. No dia em que fui, ainda fui presenteada com dois grupos de crianças não muito educadas e uma professorinha que, ao ver as diversas obras cuja temática é o sono e os sonhos, soltou a seguinte pérola:
- Como essa Laurie gosta de dormir! Tô achando que ou ela é preguiçosa, ou tem anemia ou então está esperando o príncipe encantado vir dar um beijo.

Mas mesmo em meio ao caos foi possível apreciar algumas obras, como 'Night Life', em que sonhos bizarros são descritos em pequenos textos e ilustrados com lindos desenhos digitais, a instalação multimídia (vídeo, músicas e objetos) 'Delusion' com sua perturbadora história da cadela Loebelle, o caderno com instruções sobre como virar as páginas de um caderno, e a genial 'Handphone Table', em que os braços e mãos do público se tornam fones de ouvido - pena que, por estar no hall de entrada com toda a barulheira do centro e uma tv passando a gravação de uma performance de Anderson, não deu pra ouvir muita coisa.

A seguir, um videozinho sobre 'Delusion':

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Breve apanhado do último mês

Algumas coisas que vi/ouvi no tempo que passei sem postar:

1. Lançamento da Caixa Preta de Itamar Assumpção


Finalmente, o box contendo a discografia toda do mestre + dois álbuns de inéditas foi lançado e, pra marcar o acontecimento, rolaram vários shows no SESC Pompeia. Todos os discos foram apresentados quase na íntegra durante três fins de semana, com dois discos/shows por noite. A primeira noite, de 15 de outubro, foi com a clássica Banda Isca de Polícia fazendo o ainda mais clássico Beleléu Leléu Eu, e com os mineiros do Porcas Borboletas tocando Às Próprias Custas s.A. O show da Isca (entrevistei a banda pro site da +Soma, aqui) foi incrível e emocionante, com Suzana Salles e Vange Milliet quebrando tudo nos vocais e na performance. Zena, a viúva de Itamar, estava sentada em uma mesa da choperia, e enquanto a banda tocava Baby, lembrava dela me contando que essa música foi feita pra ela. Foi difícil segurar a lagriminha. E o pessoal do Porcas mandou bem recriando o disco mais difícil da carreira de Itamar.

No dia 16 de outubro, teve Anelis Assumpção fazendo Sampa Midnight, que talvez seja o meu favorito do Nego Dito, e Karina Buhr Intercontinental. Curti bastante os dois, e fiquei bem surpresa com a Karina. Tinha visto uma participação dela num show em homenagem ao Manguebeat e achei nada de mais. Mas a garota apavorou transformando Filho de Santa Maria em embolada, Sexto Sentido em rock pesadão e Zé Pelintra em ponto de terreiro (cantou acompanhada apenas de atabaques, que ela mesma tocou). As participações de Elke Maravilha, falando sobre a morte de um jeito leve e bonito ("O Itamar foi brincar de outra coisa, daqui a pouco eu vou também") e cantando uma música em alemão sobre a guerra foi foda. E Denise Assunção no meio da plateia cantando Parece que foi ontem parecia uma força da natureza. Lindo.

No dia 23 foi a vez das Orquídeas do Brasil apresentarem o primeiro volume da trilogia Bicho de 7 Cabeças. Não sou uma mega fã dessa fase do Itamar, mas reconheço o trabalho profundo de artesanato musical que há ali. O problema das Orquídeas, a meu ver, é o teclado, que além de ser desnecessário em uma banda com trocentas musicistas, tem um timbre horroroso. Mas o show foi bem bacana, principalmente pela participação de Alzira e Tetê Espíndola e pela inclusão da música Sei dos Caminhos, uma das melhores parcerias de Ita e Alice Ruiz e que, apesar de sempre tocada nos shows das Orquídeas, nunca foi gravada.

O show que veio em seguida, de Mariela Santiago, foi o que se pode chamar, sem injustiça, de DESASTRE. A cantora tem ótimos músicos na banda e a mistura de diversos gêneros da música negra é bem interessante, mas o que ela fez com as faixas do volume 2 da trilogia foi um crime. As faixas do disco devem ter, em média, 3 minutos. No show, cada música durou uns 10. No começo, ela embromava minutos a fio, depois repetia a letra umas 5 vezes e embromava mais um tanto no final. Metade da plateia estava vazia no fim do show e quem ficou até o fim saiu reclamando.

Sobre a Caixa Preta não vou falar agora, porque uma resenha minha sairá na próxima edição da +Soma. Boto o link aqui depois.

2. Festival de Jazz de Cascavel
Aí aconteceu uma coisa engraçada: fui ao Oeste paranaense ouvir música brasileira instrumental e, por conta da trilha sonora dos ônibus que vão de Cascavel para cidades vizinhas, acabei tendo um intensivão de sertanejo universitário, pagode de corno e dance music - e tenho que confessar que em alguns momentos essa parte inesperada foi mais divertida e agradável que a outra. O primeiro dia foi ótimo, com os catarinenses do Rio Vermelho fazendo um som com melodias cativantes e sem solos longos, e a super banda formada pelo pianista Nelson Ayres, o violonista Ulisses Rocha e o acordeonista Toninho Ferragutti. O terceiro dia foi bom, com o show de Marcell Powell, filho de Baden que toca pra cecete, tem uma boa escolha de repertório, mas às vezes enche o saco com subidas e descidas de escala nos looongos solos (aliás, achei o solo do baixista da banda o melhor da noite) e o chatinho Portinho Trio (saca piano bar? quase isso).

Mas queria mesmo falar do segundo dia, que foi insuportável. E escolho comentar mais sobre esse não porque eu goste de falar mal das coisas, mas porque ele abriu uma brecha pra eu dizer algumas coisas que estão entaladas na garganta há alguns anos. Vamos lá: o primeiro show, do pianista Gilson Peranzetta e do saxofonista/flautista Mauro Senise não me empolgou (clima piano bar, de novo), mas não ofendeu. O segundo show, do guitarrista Ricardo Silveira, é que foi dose.

Existe um dogma de que jazz é uma música de alto nível e, portanto, tudo o que recebe o rótulo jazz deve ser respeitado (ou melhor, venerado), e quem criticar é um ignorante. Mas, como os livros sagrados, bandas e artistas de jazz não só podem como devem ser criticados, se não quisermos nos tornar fundamentalistas musicais. O que se viu no palco do Cascavel Jazz Festival no show de Ricardo Silveira, foi o máximo da falta de originalidade e do egotismo: primeiro a banda toca um tema, aí o guitarrista fica três horas solando (dessas três, duas são subindo e descendo escalas de nomes estranhos - outro dogma jazzístico, aliás), volta o tema e tchau. Uma vez um professor muito querido mas também um tanto equivocado disse que "a música é pretexto para improvisar", o que equivale dizer que "a arte é pretexto para a exibição narcisística". É esse tipo de mentalidade que faz com que 90% das pessoas fuja da música instrumental - eu mesma não via a hora de buscar refúgio no som trash do busão cascavelense.

3. Planeta Terra


Sábado, dia em que completei 26 anos, rolou o Festival Planeta Terra, disparado o melhor e mais bem organizado do Brasil. Como já estou velha, resolvi ver poucas atrações. Comecei pelo Yeasayer, ótima banda do Brooklyn que fez um show delicioso. Vi o início do Passion Pit, mas a voz de gás hélio do vocalista me encheu o saco, então encontrei umas amigas e fui comer. Fugi do Phoenix, banda sem graça que misteriosamente lotooooooou a pista do palco principal, e voltei pro Pavement (agradecimentos eternos ao pessoal hype que foi ver Hot Chip e deixou a pista parecendo salão de baile). Show FODA: Stephen Malkmus em pose blasé enquanto os outros caras da banda piravam, super alegres de estarem ali. No set list, Stereo, Gold Soundz, Shady Lane e Cut Your Hair. Nessa, achei que a plateia fosse cantar o 'uh uh uh uh...' com mais vigor - mas também achei que veria montes de camisa de falnela e não vi, nada é perfeito nessa vida. Ah, e teve também Range Life, em que eles tiram um sarro do Smashing Pumpkins.

Já o show do Smashing Pumpkins foi polêmico: monte de gente descendo o cacete, mas eu achei bem bom. Ok, o solo de bateria foi ridículo, a guitarra tava desafinada em Today e a baixista estava lá de enfeite, mas justiça seja feita: a versão mais roqueira de Ava Adore foi animal, Tonight Tonight e Bullet with buterfly wings não tem como dar errado e as músicas novas não são geniais, mas estão longe da mediocridade. Então por que tanta implicância com Billy e sua turma? Tenho um palpite: a implicância vem do fato de Billy Corgan ser um mala e, pior do que isso, de sua atitude de rockstar de gênio difícil estar fora de moda. Enquanto o Pavement e as bandas pós-Strokes são formadas por caras comuns, desses com quem gostaríamos de tomar uma cerveja no boteco, Corgan não se livra da aura de estrela de multidões. Nos anos 90, quando isso ainda existia e o Pumpkins era uma puta banda, dava pra engolir o temperamento do moço. Hoje não dá mais.

4. Metal Machine Trio
Lou Reed desembarcou em Sampa pra fazer um show baseado no inaudível disco Metal Machine Music. Os ingressos evaporaram em uma hora e eu acabei ficando sem.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Cinema punk

Hoje, na Mostra de Cinema de São Paulo, vi um filme do diretor punk francês François-Jacques Ossang chamado O caso da divisão Morituri. 'Bizarro' é o único adjetivo que consigo colocar nesse treco. Nem sei se gostei ou não, porque não dá pra entender lhufas da história misturando gladiadores pós-modernos, jornalistas espertalhões, deuses pagãos, RAF (aka Grupo Baader-Meinhof) e experiências de privação sensorial. Os defeitos na legendagem eletrônica, marca da Mostra, também não ajudaram no quesito 'compreensão'. Mas a trilha sonora é fodástica e e dá o tom nas cenas mais frenéticas - o 'problema' é que a montagem esquisita cria vários momentos de clímax que são rapidamente abortados.

Na hora dos créditos, apareceu o nome das bandas que colaboraram, mas como o negócio ficou durante um micro segundo, só consegui ler Cabaret Voltaire. Fucei na internet, mas não consegui achar a lista certinha. Se alguém souber, fico eternamente grata. E se alguém souber que banda é nessa cena específica, também agradeço:


Morituri_privation_sensorielle
Carregado por boukan-boukin. - Temporadas completas e episódios inteiros online

Há pouquíssimo material de Ossang na internet. O média metragem Silence, com trilha sonora do Throbbing Gristle, é um dos raros registros on-line:


FJ Ossang - Silencio

Dougherty | Myspace Music Videos

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Avant-garde project


Já falei rapidinho aqui sobre o Avant-garde Project, iniciativa de um cara chamado Lou Davenport, dono de uma grande coleção de discos de música erudita contemporânea. Ao perceber que muitos desses discos estavam fora de circulação, ele resolveu convertê-los em arquivos de áudio e compartilhar com o mundo. Zero comercialismo e 100% idealismo, visto que ele não lucra nada e ainda tem o trabalhão de fazer as conversões. Alguns meses atrás, tive um probleminha baixando um dos discos, mandei um email para ele comunicando a falha e aproveitei para fazer uma entrevistinha por email. Segue aqui:

Como você se tornou um fã de música erudita contemporânea? É apenas algo que você aprecia ou você trabalha com música?
Não tenho nenhuma educação em música, não toco ou componho. Comecei a ouvir esse tipo de música décadas atrás, quando percebi que um monte de compositores do pós- guerra estavam produzindo combinações de timbres e harmonias fascinantes e sem precendentes. Eu amo sons e gosto de me expor à maior variedade possível de sons interessantes, então comecei a colecionar e ouvir LPs de música clássica de vanguarda.

Quando você teve a ideia do Avant-garde project?
No começo de 2006, percebi que Acustica, do Mauricio Kagel, não estava disponível em nenhum formato além de alguns MP3 na ubuweb. Eu queria compartilhar esse trabalho incrível, então tive a ideia de converter meu LP e fazer upload no bittorrent. Isso me fez pensar que eu era uma das poucas pessoas com (a) uma coleção grande de LPs de música clássica do fim do século 20, (b) um aparelho analógico topo de linha com conversor analógico-digital, (c) familiaridade com bittorrents e (d) tempo livre suficiente para transcrever e fazer upload desse material. Assim, senti uma certa obrigação em fazer com que esses discos estejam disponíveis para mais pessoas.
Comecei com alguns favoritos pessoais, e, a partir do momento em que ficou claro que havia interesse no projeto, comecei a transcrever trabalhos fora de circulação de maneira mais sistemática. De início, pensei que fosse fazer umas trinta ou quarenta partes, então pareceu que eu teria material para umas oitenta, e agora estou com mais do dobro desse número. Depois de fazer upload de uns vinte discos, percebi que a “seeding bandwidth” dos partidários do AGP estava se estreitando para manter todos esses torrents disponíveis, então comprei o domínio avantgardeproject.org e assim as pessoas podem fazer download direto do servidor.

Quais são seus favoritos entre toda sua coleção e entre os discos que estão no arquivo do Avant-garde project?

Veja aqui: http://www.avantgardeproject.org/favorites.htm

Você mantém o site sozinho?
Sim. Apesar de alguns partidários do AGP terem ajudado fornecendo material e hospedando “mirror sites”, continua sendo uma operação de um homem só.

Discos de música clássica contemporânea são extremamente difíceis de achar e também muito caros. Os que você postou no site são ainda mais difíceis de conseguir. Me conte como você formou sua coleção de discos – você costuma ir a sebos? Compra pela Internet?
Comprei MUITO em lojas de discos usados em um período de décadas. Eu comprava agressivamente no fim dos anos 80 e começo dos 90, quando pessoas com coleções grandes de LPs estavam mudando para o CD e se desfazendo de suas coleções. Perda deles, ganho meu.

Existe algum disco que você esteja procurando, mas ainda não conseguiu?
Não me vem nada à cabeça imediatamente. Com pouquíssimas exceções, o ebay me proporcionou preencher as lacunas, exceto naqueles casos em que o preço é muito alto para mim.

Apesar do site conter apenas trabalhos fora de circulação, você teve algum problema com copyright?
Tive alguns pedidos para remover material, e o fiz imediatamente após ler o email, e os representantes dos donos dos copyright têm sido geralmente amigáveis. Acho que eles perceberam que o AGP existe para servir os compositores e os fãs dessa música incrível, e que eu não quero interferir em nenhuma atividade comercial, já que o mecanismo comercial sempre será o melhor meio de oferecer mais música a mais pessoas, e temos que respeitar isso.

O projeto é focado na música do século 20. Você tem intenção de expandi-lo para a música do século 21 também?
Só se começarem a lançar montes de LPs de música clássica do século 21 e estes LPs saiam de circulação.

Para terminar: a música clássima contemporânea é considerada a forma de arte contemporânea mais impopular. Por exemplo, pessoas comuns conseguem curtir uma exposição de artes visuais em um museu, mas ouvir algo como música eletroacústica é quase insuportável para elas. Você recomenda algum tipo de “treinamento auditivo” para aqueles que querem entrar nesse universo, mas ainda não são familiarizados a ele?
Honestamente, não tinha pensado muito nisso. Lembro de ter lido em algum lugar que música é sobre preencher as expectativas dos ouvintes o suficiente para lhes proporcionar satisfação e uma experiência inteligível, mas não tanto a ponto da música soar banal e desinteressante. Acho que as pessoas variam em quanto elas preferem uma música que fica no terreno do familiar e previsível versus música que as desafiam com o novo e o inesperado. Para gostar de música clássica conemporânea, acredito que você já tem que querer ser desafiado pela música. A maioria das pessoas não quer isso. Elas gostam do que é familiar e previsível porque elas querem simplesmente ser entretidas pela música. Duvido que as pessoas possam se treinar para querer algo diferente do que elas querem naturalmente. Mas talvez!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Dossiê Brooklyn 2: Dirty Projectors


Ano passado, quando lançou o disco Bitte Orca, o Dirty Projectors deixou todo mundo passado. Ao lado de Merriweather Post Pavilion, do Animal Collective, e Veckatimest, do Grizzly Bear, foi um dos melhores álbuns de 2009 e uma das razões de existir do Dossiê Brooklyn.

Agora no fim de junho, a banda lançou um EP em parceria com a Bjork, ligado a uma campanha para salvar as baleias (o site, em que dá pra baixar o disco é http://www.mountwittenbergorca.com/). Nas sete faixas do EP, o Dirty Projectors consegue um resultado ainda melhor do que o de Bitte Orca em aliar ousadia e delicadeza e beleza e esquisitice. Apesar de ter baixo, bateria e guitarra/violão, o Dirty Projectors usa muito a voz como instrumento de base - e, para isso, as três vocalistas muitas vezes utilizam timbres estranhos e, podemos até dizer, feios. Mas essa possível feiúra se dilui na beleza das melodias, na delicadeza dos arranjos. E o resultado dessa mistura é uma música que não chega a ser etérea ou onírica. É música terrena mesmo, mas que passeia por paisagens incomuns e estranhamente belas.

A primeira faixa do EP Mount Wittenberg Orca (observação inútil: o DP deve ser a única banda do mundo que já usou a balavra "orca" no título de dois discos) tem um clima "canto de baleias" que pode ser um pouco sacal, mas que faz muito sentido como introdução de um disco feito para salvar o cetáceo. E, embora haja algumas letras cujo eu-lírico é uma baleia, a coisa passa longe de "We are the orcas/ save the orcas/ let's make a better orca place". Não, nada de demagogia sentimentalista. Apenas um ótimo disco voltado para uma igualmente ótima causa.

Minhas duas faixas favoritas são When the world comes to an end e No embrace, ambas cantadas por David Longstreth, criador do DP e compositor de todas as músicas do grupo, além de guitarrista e vocalista.



A New York Magazine publicou há um tempo um artigo bem legal sobre a banda e o por quê do Brooklyn ter se tornado um celeiro de bandas boas - e não é nada na água, como eu supunha....

domingo, 4 de julho de 2010

A cura do pastiche


Desde o ano passado, o genial Beck está levando a cabo um projeto insano chamado Record Club. Ele junta uns colegas e, em um dia, regrava algum disco clássico (ou "clássico"). A cada semana, ele disponibiliza em seu site um vídeo com uma faixa. Tudo começou com The Velvet Underground & Nico (o cara tem BOLAS, vamos combinar) e o último da lista foi Kick, do INXS - e não é que Beck conseguiu tornar inteligentes e empolgantes as músicas de uma das bandas mais insossas da música pop? A balada breguinha Never Tear Us Apart ficou linda de morrer, apesar dos versos melecados continuarem os mesmos.

Mas eis que o moço resolveu chutar o balde: chamou Thurston Moore, Tortoise e diversos músicos de estúdio para regravar (tremei) Live at Acropolis, do Yanni (!!!!!). Mesmo que não se lembre do nome, você já deve ter visto esse show pelo menos de relance quando zapeava a TV na época do Natal - embora não seja um show natalino, as emissoras ganham um ar épico nessa época do ano. Enfim... Esse show, gravado na Acrópole, em Atenas, é a definição de kitsch: pretende ser grandioso, mas é apenas cafona; pretende ser erudito, mas é tão vulgar quanto uma Surra de Bunda. Zeus deve ser um camarada bem misericordioso, do contrário teria lançado um raio bem na testa de Yanni, enquanto este tocava melodias baratas fazendo cara solene e batendo cabelo. Isso sem falar no bigode INDECENTE. Um clássico do mau gosto dos anos 90.

Mas Beck, que é um cara de coragem, resolveu encarar a besta-fera. A primeira faixa, Santorini, já está disponível e é de cair o queixo. Ouça e veja a original e a de Beck/Thurston - sim, eles encontraram a cura do pastiche:




Record Club: Yanni "Santorini" from Beck Hansen on Vimeo.

Observação: este blog acabou de completar dois aninhos - e eu, mãe desnaturada, nem dei uma festinha. Mas o 100º post se aproxima e aí vai rolar uma playlist comemorativa. Até!


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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Metal, aqui me tens de regresso + arte & tortura


Dos 13 aos 18 anos fui uma fã incondicional de metal, prinipalmente do (engasgo constrangido) metal melódico. Lembro que uma vez eu li uma entrevista com o Max Cavalera, logo que ele montou o Soulfly, dizendo que o metal é o gênero de música mais brega que existe. Na hora, fiquei com raiva e achei que o cara tava querendo aparecer (afinal, o Soulfly É uma banda de metal, ainda que misturado com 300 outras coisas), mas depois que conheci Velvet Underground e me toquei que tudo aquilo que eu achava uma puta música bem feita era uma bela duma farofa kitsch, entendi o que Max dizia.

Mas eis que, de uns tempos pra cá, venho me deparando com bandas que provam que há, sim, vida inteligente no mundo do metal (não no do metal melódico, esse é uma desgraça mesmo). Primeiro foi o Swans, que não é exatamente metal, mas também não deixa de ser (falei deles aqui), depois o Sunn O))), depois o Fantômas e agora o Naked City, do saxofonista esquizofrênico-avant-garde John Zorn.

Acabei de ouvir a Black Box, que é uma espécie de compilação contendo as "miniaturas grindcore" do disco Torture Garden e a faixa Leng Tch'e. Só para ter uma ideia de como o cara é louco: a miniatura mais longa dura 1min18 (algumas duram 10 segundos) e Leng Tch'e dura 31min39. Moderação não é um conceito muito apreciado por Zorn.

As miniaturas são uma espécie de cruzamento entre Napalm Death e Ornette Coleman: barulhentas, experimentais, desagradáveis e muito bem tocadas - quando a banda dá uma leve guinada pro jazz, é possível perceber como os músicos são bons e técnicos. Uma delas aparece na abertura do filme Violência Gratuita, de Michel Haneke:



Não gostou? Então nem pense em chegar perto de Leng Tch'e. Durante a primeira metade da música, ela segue uma linha drone: bem pesada e arrastaaaaaaada. Não gostou? Então aperte stop enquanto é tempo, porque mais ou menos da metade pro final, a coisa se transforma em um inferno. Yamakata Eye, o japonês doido que berra em certas faixas de Torture Garden, reaparece aqui, só que dessa vez berrando durante vários minutos - e ainda por cima acompanhado de um saxofone que parece querer imitar uma garota de 11 anos tendo ataque de histeria. Tentei achar uma metáfora de sensação física para expressar o que é essa música (estupro? tortura? ter o estômago cutucado por uma agulha de tricô??), até que dei um rápido pulinho na Wikipedia e achei a analogia perfeita.

Acontece que o próprio nome da música, Leng Tch'e, quer dizer "morte por mil cortes" e foi uma "técnica" de execução praticada na China. A última aconteceu em 1905, foi fotografada e adivinha? A capa do álbum é justamente essa foto (quem quiser ver, clique aqui).

Agora voltemos ao começo, quando eu falei da vida inteligente no metal. Uma das bandas citadas foi o Fantômas, do Mike Patton. Pois este grupo também lançou um disco parecido com Leng Tch'e, só que PIOR. Trata-se de Delirium Cordia, faixa de 75 minutos de duração cujos últimos 20 minutos consistem em um barulho de vitrola tocando um disco sem nada gravado, apenas um arranhão. VINTE MINUTOS. E o que vem antes também não é muito mais agradável que isso não. Na wiki, Delirium Cordia é comparado a uma cirurgia sem anestesia. Acredite, não é uma comparação injusta.

Agora voltemos alguns meses atrás, quando fiz a resenha de Devil Choirs at the Gates of Heaven, do Glenn Branca, e contei a historinha de que John Cage o acusou de fazer fascismo musical. Imagine o que o papa avant-garde diria se ouvisse os dois discos acima citados. Porque a música do Glenn Branca, se você se submeter a ela, é bonita. Já Leng Tch'e e Delirium Cordia não. E não é uma questão de gosto: elas foram claramente feitas para serem desagradáveis, quase insuportáveis.

Agora voltemos ao presente e perguntemos: por que um artista quer torturar seu público? O que está por trás disso? Revolta contra o sistema? Revolta contra a necessidade da arte ser bela? Sadismo? Terrorismo sonoro? Não sei. Só sei que, quando a música acaba, dá um alívio imenso, uma sensação de "sobrevivi, agora me tira daqui!!".

Se eu odiei os discos? Não, pelo contrário. Tenho certeza de que em breve ouvirei novamente. E por que o público (eu) quer ser torturado outra vez? Sei menos ainda...

Para mais metal, tortura e música errada em geral, acompanhe Destruindo Pianos no Facebook.


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quinta-feira, 27 de maio de 2010

My name is Noise 1

Seguindo a tradição de prometer e não cumprir, crio mais uma seção no blog: My name is Noise, sobre bandas que têm a palavra "noise" no nome.

Inauguro a seção com a banda inglesa que atende pela meiga alcunha Extreme Noise Terror, representante de um sub-gênero chamado grindcore, filho bastardo da união promíscua entre hardcore e death metal. Assim como o black metal, o grindcore prima pela antimusicalidade. É um som absolutamente (e propositalmente) medonho, que, segundo essa matéria da revista Vice, nasceu em nosso solo tupiniquim (Já dizia Noel Rosa que "a tosqueira, a podridão e outras bostas são nossas coisas, coisas nossas").

A (anti-)música do Extreme Noise Terror pode ser descrita como um amálgama de guitarras extremamente distorcidas e mal tocadas, uma bateria tão desconjuntada que parece que os caras pegaram bumbo, chimbal, pratos e caixas e arremessaram escada abaixo, e vocais guturais que entoam versos de protesto contra o sistema e pelos direitos dos animais - mas somente um ouvido super-humano pode entender as letras bem intencionadas; para os meros mortais, fica a impressão de que os vocalistas estão apenas vomitando na frente do microfone.

Por meio deste canal do Youtube, ouvi o primeiro LP do grupo, A Holocaust in Your Head, de 1989. Depois vi mais uns dois ou três vídeos de músicas de outros discos e confesso que não tenho disposição para ir atrás de mais coisas. Não sei se é porque passei meus anos de adolescência dando audiência para o Fúria MTV, o Oitenta e Noise e o Backstage, e acabei familiarizando meus ouvidos com esse tipo de música, mas o suposto terrorismo sonoro do ENT não me assusta nem empolga.

Na verdade, acho toda a proposta estética da banda um tanto ingênua. Primeiro porque em 1985 (ano de fundação do grupo), músicos que não sabiam tocar já não eram novidade no mundo do rock; segundo porque as letras são de um ativismo tão simplório que chega a constranger (essa aqui, por exemplo); e terceiro porque não há nada de original ali.

Na cena no wave novaiorquina, por exemplo, os artistas se valeram da própria ignorância musical para criar uma nova música. Eles pegavam uma guitarra e, não sabendo tocar nenhum acorde ou compor melodioas, tiravam som do instrumento esfregando uma garrafa de vidro nas cordas ou batendo nelas com baquetas ou simplesmente descendo a mão de maneira completamente caótica - Pat Place, guitarrista do Contortions conta que, nas primeiras apresentações do grupo, saiu do palco com os dedos sangrando, de tanto esmurrar e arranhar o instrumento. Já o Extreme Noise Terror simplesmente executa uns três ou quatro power chords em uma guitarra com a distorção no máximo. Além disso, com o passar dos anos, o grupo foi se aproximando cada vez mais do metal, o que acabou por acertar a rítmica desconjuntada da bateria - elemento que causava um baita mal-estar sonoro (mas, como a ideia era causar mal-estar, talvez não tenha sido uma sacada muito inteligente).

Analisando bem, os caras têm mais barulho no nome do que na música em si...

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Leiturinhas parte 2

Do livro Música Impopular, de Julio Medaglia - capítulo Música Eletrônica (os negritos são meus):

"Assim como um compositor dodecafonista se policiava ao extremo, evitando todo e qualquer acorde que pudesse lembrar um encadeamento tonal-tradicional, o de música eletrônica, na criação do seu arsenal sonoro, cuidava para que ele fosse inteiramente original e livre de qualquer associação com sons ou ruídos existentes. [...] Os sons inventados para uma composição assim como sua estruturação são utilizados uma única vez. Os teipes preparados são, em seguida, apagados, restando, por fim, apenas a matriz da qual são feitas as cópias em fitas ou discos.

"Em linhas gerais, a composição de música se processa da seguinte maneira: a obra é realizada pelo compositor inteiramente dentro de um estúdio de gravação com a ajuda de um técnico. Esse estúdio possui um gerador de frequências que emite um som sinusoidal, a matéria-prima básica do compositor. A diferença entre um som sinusoidal e aquele produzido por instrumentos tradicionais é que o som sinusoidal é "puro", não tem timbre. Se analisarmos num aparelho especializado as características de um som produzido por um instrumento tradicional, vamos observar que, além do som fundamental, aquele que lhe dá nome (dó, fá-sustenido, si-bemol), certa quantidade de sons menos audíveis também integra sua estrutura e são chamados de harmônicos. [...]

"De acordo com o instrumento que emite o som, varia a quantidade de harmônicos, suas intensidades, alturas e durações (os "harmônicos são intermitentes). A relação estabelecida nesse conjunto de características dos harmônicos presentes num som é que determina seu timbre. Na realidade, cada harmônico é um som sinusoidal. Assim, o compositor registrando numa pista do gravador um som sinusoidal básico (fundamental) e for acrescentando nos demais outras frequências (hoje existem máquinas que gravam canais simultâneos e independentes), ele tem condições de inventar o timbre que quiser. [...]

"O material utilizado pelo compositor varia do som ao ruído. No som, com coloração determinada, os harmônicos possuem um relacionamento proporcional entre si, chamado de "peridiocidade". Quando não existe esse relacionamento "periódico", os harmônicos se atritam e o resultado é o ruído. Para a música eletrônica, o som e o ruído tanto fazem parte de sua linguagem como as vogais e consonantes em qualquer idioma. [...]

"O repertório sonoro criado pelo compositor vai sendo armazenado num arquivo e quando ele estiver completo os fragmentos vão sendo pinçados e editados num processo semelhante ao da montagem de um copião cinematográfico. Desse copião é extraída, então, a fita-matriz da peça."





Nessas, acabei conhecendo esse canal incrível no Youtube - pena que a qualidade de áudio do site seja bem precária:
http://www.youtube.com/user/NewMusicXX

terça-feira, 11 de maio de 2010

Leiturinhas

Dois textículos bem interessantes sobre música disponíveis na internet:

The wolf at our hills (Jan Swafford para a Slate Magazine): esse texto é uma resenha do livro How equal temperament ruined harmony (and why you should care), do professor Ross W. Duffin, mas vai muito além do compre ou não compre/leia ou não leia: é uma pequena aula sobre os sistemas de afinação ocidentais, desde a Renascença até os dias de hoje. E também é uma prova de que o mundo da música pode ser ao mesmo tempo fascinante, enlouquecedor e até um tanto fútil.

How black is black metal (Kevin Coogan): este também é uma resenha, só que do polêmico livro Lords of chaos, de Michael Moynihan e Didrik Sederlind, que conta a história da ainda mais polêmica cena black metal norueguesa do início dos anos 90. Kevin Coogan usa sua técnica de jornalista investigativo para destrinchar as ligações entre black metal, igreja de satã, organizações nazi-fascistas, Charles Manson, a cultuada banda de industrial Throbbing Gristle e o autor Michael Moynihan (que é assumidamente de extrema-direita). Ele aproveita para explicar a diferença entre fascismo/terrorismo cultural (praticado pelo Throbbing Gristle) e fascismo/terrorismo de fato (praticado por Moynihan, Varg Viekernes e todo esse pessoal bacaninha).
Observação: em alguns momentos do texto, Coogan ataca o comunismo, o que pode levar à ideia de que ele também é simpático ao ideal de extrema-direita. Dei uma pesquisada e descobri que ele lançou um livro (Dreamer of the day: Francis Parker Yoker and Postwar Fascist International) pela editora Autonomidia, especializada em obras de caráter anarquista. Portanto, pode ler sem medo que Coogan é um cara confiável.

Por fim, queria indicar o livro Rip it up and start again - Postpunk 1978-1984, do jornalista musical Simon Reynolds. Ainda estou no começo, mas só o prólogo já valeu os reais investidos: ao comparar o que veio antes do punk (como Frank Zappa, Brian Eno, krautrock e a santa trindade glam rock David Bowie/Lou Reed/Iggy Pop) com o que veio depois (no wave, industrial, Joy Division, PIL), ele chega à seguinte conclusão:

In hindsight, is punk rock that seems the historical aberration - a clear-the-decks return to basic rock'n'roll that ultimatelly turned out to be a brief blip in an otherwise unbroken continuum of art-rock spanning the seventies from start to finish.
[tradução livre: Em retrospecto, o punk rock é que parece ter sido a aberração histórica - um retorno ao rock básico que acabou sendo apenas uma pequena quebra no contínuo de art-rock que, não fosse o punk, teria acompanhado os anos 70 do começo ao fim]

Ou seja, Reynolds praticamente esvazia a importância musical do punk rock. A história de que o punk salvou o mundo do rock progressivo de grupos como Yes e Emerson, Lake & Palmer é uma falácia: já antes de 1976 (ano zero do punk rock) havia outras bandas/artistas fazendo coisas muito mais interessantes que o progressivo xarope e que o próprio punk. Moço corajoso esse Simon Reynolds...

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Dossiê Brooklyn 1: Battles

Demoreeeeeei horrores pra finalmente botar essa seção Dossiê Brooklyn para funcionar, mas esse atraso se deve ao fato de que, desde o início, tinha em mente que o primeiro post deveria ser sobre o Battles - que é, na minha opinião, a banda mais surpreendente dessa cena.

Formada em 2003, até agora o Battles lançou apenas um EP e um álbum, o excelente Mirrored. Em vários lugares a banda aparece sob o rótulo "math rock", o que até poderia ser mais uma das várias baboseiras da imprensa musical, mas a ideia de que talvez a banda utilize deliberadamente a matemática em suas composições não é absurda: o frontman Tyondai Braxton tem formação musical sólida, além de ser filho de um compositor de vanguarda chamado Anthony Braxton.

Somando isso ao fato do disco se chamar Mirrored e da primeira faixa se chamar Race: In e a última, Race: Out, entrei numas de tentar descobrir se as faixas do disco se relacionam de maneira espelhada (a primeira se refletindo na última, a segunda se refletindo na penúltima e assim por diante) - seja por meio de temas, do compasso utilizado, do clima, enfim. E a Internet não me ajudou muito nessa hora, porque além de eu não encontrar partituras das músicas, não achei nenhuma entrevista abordando as técnicas de composição que a banda utiliza - ê, jornalismo musical capenga. Enfim, o resultado foi que eu queimei meus já parcos neurônios e nada.

Mas, apesar de não ter feito nenhuma grande descoberta, acredito que ainda seja possível falar algumas coisinhas sobre o Battles e, mais especificamente, o disco Mirrored.

De maneira geral, o grande trunfo da banda e do disco é a rítmica. Instrumentistas excelentes (mas não virtuoses, ainda bem), os integrantes do Battles trabalham com compassos e polirritmias com as quais 99% das bandas de rock não poderia nem sonhar em explorar. Estranhamente, a faixa de Mirrored que se tornou mais conhecida foi Atlas, justamente uma das menos complexas em termos rítmicos:



Mas a habilidade do Battles quando o assunto é ritmo se revela mesmo nas faixas Race: In, Rainbow, Snare Hanger, Tij e na excepcional Ddiamondd, para mim a melhor do disco - e, sinceramente, uma das músicas mais instigantes que já ouvi na vida. E talvez a própria banda a considere a mais importante do álbum, já que é ela que trata diretamente do tema "espelhos", a começar pelo título (os Ds que se repetem no início e no fim). A letra da música é um negócio tão maluco (embora não seja nada nonsense) que no fim o eu lírico já está se perguntando se ele próprio não é um diamante. Fora a velocidade com que é cantada - queria saber quanto tempo o vocalista teve que treinar pra conseguir dar conta do recado...

Curiosidade: foi por meio de Ddiamondd que conheci o Battles. Isso aconteceu alguns anos atrás, quando o blog Trabalho Sujo publicou um mashup bizarro feito com essa música e um clipe do É o Tchan:

sexta-feira, 23 de abril de 2010

440 Hz: o tal do grunge...

Mês em que se comemora o aniversário da morte de Kurt Cobain (16 anos... caraio) + show do Mudhoney em breve, e me peguei reescutando meu amado Nevermind e meu querido In Utero, procurando vídeos no Youtube e pensando sobre o tal do grunge. Não precisa nem dizer que o termo "grunge" foi inventado pela maledeta imprensa musical e que o suposto "porta-voz" do "movimento" detestava-o. Mesmo assim, vamos usar o termo grunge para designar bandas nascidas em Seattle no fim dos anos 80/começo dos 90, influenciadas pelo punk rock e que não economizavam nos power chords e distorções.

Escutando hoje essas bandas, tenho que admitir que, do ponto de vista estritamente musical, elas são quase indefensáveis, assim como também o é (sejamos realistas) o punk rock de Sex Pistols e Ramones (The Clash já são outros 500...). Assim como no punk, a relevância do grunge não pode ser medida em termos puramente musicais, e sim levando em conta o contexto em que surgiu.

Primeiro, devemos lembrar do estado lastimável em que se encontrava o rock no fim dos anos 80, dominado pelo hard rock farofa. Só por ter tirado Skid Row e similares do top 10, Cobain já mereceria estátua em praça pública, mas sua importância foi muito além da esfera do rock.

Desde a época dos nossos tatatataravós, os velhos tentam convencer os jovens de que eles (os jovens) são um monte de merda inútil, sem ideais e sem coragem para lutar. Normal, todo mundo tem essa coisa de "no meu tempo é que era bom". O problema é que há gerações de jovens que acreditam nessa ladainha e, de tanto ouvirem que são esse monte de merda, acabam realmente se tornando um monte de merda. A geração do começo dos anos 90 foi assim: adolescentes enterrados no sofá, sendo sugados pela MTV e comendo junk food. Se há uma palavra que pode resumir o zeitgeist de então é "tédio". O grunge, com timbres graves, andamento arrastado e o discurso que alternava desesperança e desespero foi a tradução musical do sentimento dessa geração que se jogou no lixo: "Olá, papai e mamãe, olhem o monte de merda que os senhores criaram". A raiva não é direcionada contra a sociedade (como era no punk), é direcionada contra si mesmo. E isso acabou sendo um belo de um tapa na cara da sociedade. Afinal, enquanto os filhinhos estão apáticos em frente à TV, tudo bem; mas e quando eles resolvem manifestar o desprezo que sentem por si mesmos partindo para a autodestruição?

Não havia no grunge espaço para os sentimentos singelos, assim como também não havia espaço para o ódio cru - afinal, não havia motivação suficiente para nenhum dos dois. Tudo é cinza, o mundo é chato. Músicas que tratam de temas como suicídio, depressão, incompreensão são constantes no repertório das bandas grunge e até o amor está impregnado dessa visão pouco animadora do mundo: Drain you, do Nirvana, uma das poucas canções "românticas" do grunge, compara o amor à doença e utiliza imagens escatológicas para falar do sentimento (Mastigo sua carne pra você/ Passo pra frente e pra trás/ em um beijo apaixonado/ da minha boca para a sua/ porque gosto de você):



Nesse contexto, o tiro com que Cobain explodiu os miolos em 5 de abril de 1994 "apenas" enfatiza o (anti-)discurso da geração. Mas há no grunge outra obra tão ou até mais perturbadora que esta: trata-se de Dirt, disco de 1992 do Alice in Chains. Dirt é quse um álbum conceitual, cujo tema é "heroína", a droga que anula a vida e transforma o usuário em um morto-vivo (como cantou Lou Reed, cara que entendia do assunto, em Heroin), e que acabou por matar o vocalista Lanney Stanley em 2003. Would?, faixa de maior sucesso do disco, entrou na trilha sonora de Singles, filme água-com-açúcar de Cameron Crowe que se passa em Seattle em plena era grunge, mas no qual não aparece uma seringa sequer.


(Alice in Chains na festa de lançamento do filme. Atenção na letra de Junkhead, música que eles tocam antes de Would? e que também faz parte de Dirt)

Um texto conciso e bem interessante para entender o fenômeno grunge está aqui e faz parte do livro 1989 - Bob Dylan didn't have this to sing about, de Joshua Clover. Aliás, olha só a capa do livro:

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Mike Patton x originais

Eis que a usina musical chamada Mike Patton (Faith no more, Fantômas, entre outros) lançou em 2010 o disco-solo Mondo Cane, só com regravações de canções italianas das décadas de 50 e 60 (!!!). Tô fazendo resenha pro Rraurl e, pra entender melhor o disco, resolvi ir atrás das gravações originais, que, por sorte, foram bem fáceis de encontrar no Youtube. Como Mondo Cane foi feito com base em alguns shows que Patton gravou 2008 e que também estão no Youtube, dá pra comparar o antes e depois das canções. Usei um show em Amsterdã, que está inteirinho e com boa qualidade e ordenei as faixas conforme o disco, não a apresentação. Ó só:

1. Il Cielo in una Stanza





2. Che Notte!





3.Ore D'amore






4. Deep Deep Down






5. Quello che conta





6. L'Urlo Negro





7. Scalinatella






8. L’uomo Che non sapeva amare






9. 20 Km al Giorno





10. Ti Offro da Bere





11. Senza Fine





Amando ou odiando o Mike Patton, em uma coisa todos têm que concordar: o cara é um puta cantor. Ele faz o que quer com a voz, seja berrar como um insandecido, seja entoar belas melodias como um gentleman.

O show todo tem mais onze músicas, que acabaram de fora do CD. Depois publico o restante da apresentação + as versões originais.

terça-feira, 23 de março de 2010

Steve Shelley à toda

A exemplo do coleguinha Thurston Moore, Steve Shelley agora também tem um blog, o Vampire Blues, em parceria com Chris Lee.

E falando no moço, dá pra ouvir aqui, em streamming, uma seleção que ele fez pro Daily Session. As escolhas são tudo aquilo que eu não esperava do baterista do Sonic Youth: muita música africana, jamaicana, soul, rock'n'roll "de raiz" e... tcharã: Canto de Ossanha, afrossamba de Baden Powell e Vinícius de Moraes (!!!)

segunda-feira, 22 de março de 2010

Perguntinha do dia

A instalação em si é arte, mas e a música produzida sem querer pelos passarinhos, também é??

domingo, 14 de março de 2010

Paulicéia Avant-Garde: Grupo Rumo


Luiz Tatit estava de férias, ouvindo Minha Nega na Janela (música de Germano Mathias e Doca regravada por Gilberto Gil), quando teve um insight: “as melodias das canções não têm origem propriamente musical mas sim entoativa”. Estudar e explorar a entoação da fala na canção popular passou a ser prioridade da banda de Tatit. Batizado de Grupo Rumo, esse “coletivo” de dez jovens estudantes universitários já tinha no nome a pretensão de encontrar um novo caminho para a canção brasileira. E encontraram.

A base da sonoridade do Rumo está toda no texto da canção, desde a maneira como se configura a melodia (ou a não-melodia, já que se trata muito mais de fala do que propriamente de canto) até detalhes dos arranjos. Apesar da profusão de instrumentistas, os arranjos são bastante comedidos – afinal, é a palavra que deve estar em primeiro plano. Além da proposta musical inovadora, o Rumo tinha dois grandes trunfos: a incrível cantora Ná Ozzetti e o humor sutil de suas canções – no livro Todos Entoam, Luiz Tatit conta que a veia humorística do grupo acabou surgindo de maneira imprevista. O canto-falado, pela estranheza, acabava gerando risos na plateia, o que não era uma intenção do grupo. Mas, já que as pessoas riam, eles resolveram incorporar o humor nas letras e acabaram criando coisas impagáveis como Ah!, Carnaval do Geraldo, Trio de efeitos e Delírio, meu!


(registro de show de 2004, em comemoração aos 30 anos da fundação do grupo)

Em 1981, o Rumo lançou de maneira completamente independente seus dois (isso, dois!) discos de estréia: Rumo e Rumo aos Antigos, álbum de regravações de canções brasileiras de Lamartine Babo, Noel Rosa, Sinhô, entre outros. Em 1983, veio Diletantismo, em 1985, Caprichoso e, em 1988, Vamos Passear, ótimo disco de canções infantis.



O trabalho mais consistente do Rumo (segundo a opinião do próprio Tatit e endossada por mim), no entanto, é Rumo ao Vivo, de 1992, que também é o último disco da banda. A maioria das 13 faixas do disco é composta de canções de caráter humorístico e que contam historinhas. Também há espaço para o lirismo (como em Esboço, que fala sobre uma dessas pessoas que parecem personagens – embora ela seja gente como a gente, “pois se aperta ela chora”) e para neuroses urbanas (Dia útil, que conta a história de um trabalhador que ficou tão apegado aos azulejos e ao piso do escritório que teve um colapso nervoso quando o local foi reformado) e para a metalinguagem (Essa é para acabar).

Ouvindo o disco, me deparei com tantas tiradas geniais que resolvi deixar aqui uma pequena lista com as minhas preferidas:

- De tanto vigorar, gorou/ Esperando Godard, Godot (O menino)

- Gosta de entrar um pouco na USP/ Gosta de sentir que é estudante/ E mesmo que não estude ele embroma/ com tanta perfeição que sempre sai com um diploma (Esboço)

- Cê não sabe, eu to mais calmo/ e totalmente envolvido com o trabalho/ já tenho outra menina/ não é linda, mas já dá pra quebrar o galho (Banzo)

- Um sentimento indefinido/ foi me tomando ao cair da tarde/ Infelizmente era felicidade (Felicidade)

sexta-feira, 12 de março de 2010

Professor Pardal da música

Na revista + Soma desse mês (que pode ser baixada de graça aqui), saiu uma matéria com Felix Thorn, cara que tem um jeito peculiar de fazer música: além de compor, ele cria engenhocas que, alimentadas por um motor de brinquedo ou eletrodoméstico, tocam suas composições. O curioso do negócio é que, apesar da música ser executada por uma máquina, ela trabalha com sons de instrumentos analógios como bumbos e vibrafones. E, para tornar o efeito visual ainda mais impressionante, Felix instalou em suas traquitanas lâmpadas coloridas que se acendem e apagam em sincronia com os sons - e que sons...











segunda-feira, 8 de março de 2010

Clássicos do dia 7: Can - Tago Mago


Era uma vez uma banda de rock alemã cujo vocalista teve um colapso nervoso. Até aí nada de mais, já que pessoas vivem surtando o tempo todo em todos os lugares. Mas esta história possui três detalhes que a tornam um tanto mais interessante:

Detalhe 1 – O cantor teve o colapso durante um show da banda. Completamente atordoado, ficou repetindo as palavras “upstairs, downstairs” sobre o palco.
Detalhe 2 – Seu psiquiatra disse que o ataque foi, em parte, ocasionado pelo tipo de música executado pelo grupo, e lhe aconselhou a fazer as malas e voltar para sua terra natal, os EUA.
Detalhe 3 – Para substituí-lo, o baixista do grupo chamou um japonês maluco que vira cantando/rezando para o sol no meio da rua em Munique.

Essa seqüência de acontecimentos bizarros (porém verdadeiros) foi o ponto de partida para o nascimento de uma obra-prima do rock experimental-progressivo-psicodélico-vanguardista: Tago Mago, segundo álbum do grupo Can, lançado em formato de disco-duplo em 1971. Assim como The Velvet Underground & Nico, Tago Mago até hoje impressiona pela originalidade, pelo novo. Se você mostrá-lo pela primeira vez a alguém e disser que o disco foi lançado semana passada, ela não só vai acreditar como vai exclamar: “Nossa, que som diferente!” - ou “Caralho, que porra é essa?!”, o que tem mais ou menos o mesmo sentido: de algo novo, nunca escutado antes.

Também à semelhança do Velvet, o Can teve forte influência da música erudita do século 20: Holger Czukay, baixista do grupo, foi aluno de Stockhausen. Holger também dava aulas de música e foi por meio de um aluno seu, o guitarrista Michael Karoli, que ouviu I am the walrus pela primeira vez e percebeu que havia vida inteligente no rock. Passou a ouvir Jimi Hendrix e Frank Zappa e montou uma banda com Karoli, o tecladista Irmin Schmidt, o baterista Jaki Liebzeit e o vocalista americano Malcolm Mooney (depois substituído pelo loucaço Damo Suzuki).

“[Tago Mago] foi uma tentativa de alcançar um mundo musical misterioso da luz para a escuridão e de volta à luz”. A descrição de Holger é um bom ponto de partida para entender esse instigante álbum, recheado de mudanças de clima, experimentações sonoras, versos repetidos como mantras e momentos de pura viagem lisérgica.

O disco 1 se assemelha bastante ao Pink Floyd fase Syd Barret, e meu conselho para aprecia-lo é: ouça-o com o corpo. Coloque para tocar, relaxe os músculos e se deixe levar pela música. Qualquer movimento louco que der vontade de fazer, faça. Logo você vai se perceber tomado pelo som, mexendo o corpo de maneira louca, libertadora, num semi-transe psicodélico. Como canta Damo Suzuki na ótima faixa de abertura, Paperhouse: You can make everything/ what you want with your head. Nada faz mais sentido.

A segunda música, Mushroom, é curta (pouco mais de 4 minutos) e sem longas intervenções instrumentais, mas mesmo assim pode ser considerada um hino psicodélico. Com um clima sombrio, batida constante e letra abstrata (I saw a mushroom head/ I was born and I was dead), ela remete à clássica White Rabbit, do Jefferson Airplane, verdadeira ode aos alucinógenos.



A viagem continua em Oh Yeah, que começa com uma sutil explosão, utiliza o recurso da gravação de voz tocada ao contrário (que deixa tudo meio assustador) e tem parte da letra em japonês, e desemboca na funky e loooooooonga Halleluhwah, de mais de 18 minutos de duração. Apesar de boa parte dela ser instrumental e de haver alguns solos, não há nenhuma exibição de virtuosismo – o Can queria sempre soar como um organismo musical, não como um conjunto de indivíduos querendo mostrar o quanto são bons tecnicamente.

Quem teve dificuldades em absorver o disco 1 deve esperar mais um pouco para continuar, porque a segunda parte de Tago Mago faz Jefferson Airplane parecer banda de fanfarra. Ele começa com a estranha e amedrontadora Aumgn, na qual a banda deixou o rock de lado e resolveu explorar a eletroacústica. São mais de17 minutos de todo tipo de barulhos esquisitos, violinos desafinados, teclados e guitarras tocados insanamente, percussões tribais e gemidos assustadores, numa espécie de ritual religioso-sonoro de alteração de consciência. Terror e beleza.

Peking O começa com um vocal arrastado acompanhado por um teclado e alguns efeitos eletrônicos até que, aos 2:30, vira um... samba! Bastante desengonçado (afinal, é uma banda ALEMÃ), o batuque dura uns dois minutos. Daí até o fim, a música se torna algo completamente inexplicável, jam session de internos de um manicômio – aliás, entre a gravação de uma música e outra, quando os técnicos tinham que trocar os aparelhos, Holger sempre deixava um gravador ligado. Assim registrou, sem os outros integrantes saberem, todas as improvisações que faziam durante os momentos de espera. Com um precioso trabalho de edição sonora, Holger colocou muitos trechos dessas gravações escondidas no álbum.

Depois dessas duas bombas atômicas em cima do cérebro, Tago Mago encerra com a relativamente tranqüila e curta Bring me coffee or tea, hora do ouvinte finalmente respirar e avaliar se a viagem alucinógena proposta pelo Can foi uma experiência prazerosa ou uma bad trip. De qualquer forma, pode ter certeza de que ninguém volta igual desse passeio...

Aliás... será que Malcolm Mooney ouviu esse disco?

sexta-feira, 5 de março de 2010

Que meda...

Outro dia aconteceu uma coisa engraçada... estava ouvindo a música "Aumgn", do Can (do álbum Tago Mago, que será resenhado no próximo Clássicos do dia 7, aliás), com fones de ouvido e de olhos fechados, e aí... senti medo. Isso mesmo: MEDO. Tive que até abrir os olhos um pouco. Já ouvi muitas músicas sombrias, agonizantes e que posso até descrever como assustadoras, mas que me lembre essa foi a primeira vez que realmente senti medo de uma música. Então recordei de um colega que contou que ficou sem dormir a primeira vez que, ainda criança, escutou "Black Sabbath".

Afinal, se há músicas capazes de emocionar, alegrar, entirstecer ou fazer suspirar, também deve haver músicas que dão medo. Um cara que parecia saber bem disso era o falecido cineasta Stanley Kubrick, que fez uma seleção de músicas tenebrosas de nomes como Bartók e Penderecki para a trilha sonora do aterrorizante filme O Iluminado:



E trilha da cena do ritual erótico de De olhos bem fechados, então? Composição de Jocelyn Pook, Masked Ball foi construída sobre a gravação de uma missa em romeno tocada de trás pra frente. Aliás, não é a toa que o pessoal da teoria da conspiração adora encontrar mensagens subliminares satânicas em gravações tocadas ao contrário - qualquer coisa tocada ao contrário, até uma missa, soa diabólica: