sexta-feira, 23 de abril de 2010

440 Hz: o tal do grunge...

Mês em que se comemora o aniversário da morte de Kurt Cobain (16 anos... caraio) + show do Mudhoney em breve, e me peguei reescutando meu amado Nevermind e meu querido In Utero, procurando vídeos no Youtube e pensando sobre o tal do grunge. Não precisa nem dizer que o termo "grunge" foi inventado pela maledeta imprensa musical e que o suposto "porta-voz" do "movimento" detestava-o. Mesmo assim, vamos usar o termo grunge para designar bandas nascidas em Seattle no fim dos anos 80/começo dos 90, influenciadas pelo punk rock e que não economizavam nos power chords e distorções.

Escutando hoje essas bandas, tenho que admitir que, do ponto de vista estritamente musical, elas são quase indefensáveis, assim como também o é (sejamos realistas) o punk rock de Sex Pistols e Ramones (The Clash já são outros 500...). Assim como no punk, a relevância do grunge não pode ser medida em termos puramente musicais, e sim levando em conta o contexto em que surgiu.

Primeiro, devemos lembrar do estado lastimável em que se encontrava o rock no fim dos anos 80, dominado pelo hard rock farofa. Só por ter tirado Skid Row e similares do top 10, Cobain já mereceria estátua em praça pública, mas sua importância foi muito além da esfera do rock.

Desde a época dos nossos tatatataravós, os velhos tentam convencer os jovens de que eles (os jovens) são um monte de merda inútil, sem ideais e sem coragem para lutar. Normal, todo mundo tem essa coisa de "no meu tempo é que era bom". O problema é que há gerações de jovens que acreditam nessa ladainha e, de tanto ouvirem que são esse monte de merda, acabam realmente se tornando um monte de merda. A geração do começo dos anos 90 foi assim: adolescentes enterrados no sofá, sendo sugados pela MTV e comendo junk food. Se há uma palavra que pode resumir o zeitgeist de então é "tédio". O grunge, com timbres graves, andamento arrastado e o discurso que alternava desesperança e desespero foi a tradução musical do sentimento dessa geração que se jogou no lixo: "Olá, papai e mamãe, olhem o monte de merda que os senhores criaram". A raiva não é direcionada contra a sociedade (como era no punk), é direcionada contra si mesmo. E isso acabou sendo um belo de um tapa na cara da sociedade. Afinal, enquanto os filhinhos estão apáticos em frente à TV, tudo bem; mas e quando eles resolvem manifestar o desprezo que sentem por si mesmos partindo para a autodestruição?

Não havia no grunge espaço para os sentimentos singelos, assim como também não havia espaço para o ódio cru - afinal, não havia motivação suficiente para nenhum dos dois. Tudo é cinza, o mundo é chato. Músicas que tratam de temas como suicídio, depressão, incompreensão são constantes no repertório das bandas grunge e até o amor está impregnado dessa visão pouco animadora do mundo: Drain you, do Nirvana, uma das poucas canções "românticas" do grunge, compara o amor à doença e utiliza imagens escatológicas para falar do sentimento (Mastigo sua carne pra você/ Passo pra frente e pra trás/ em um beijo apaixonado/ da minha boca para a sua/ porque gosto de você):



Nesse contexto, o tiro com que Cobain explodiu os miolos em 5 de abril de 1994 "apenas" enfatiza o (anti-)discurso da geração. Mas há no grunge outra obra tão ou até mais perturbadora que esta: trata-se de Dirt, disco de 1992 do Alice in Chains. Dirt é quse um álbum conceitual, cujo tema é "heroína", a droga que anula a vida e transforma o usuário em um morto-vivo (como cantou Lou Reed, cara que entendia do assunto, em Heroin), e que acabou por matar o vocalista Lanney Stanley em 2003. Would?, faixa de maior sucesso do disco, entrou na trilha sonora de Singles, filme água-com-açúcar de Cameron Crowe que se passa em Seattle em plena era grunge, mas no qual não aparece uma seringa sequer.


(Alice in Chains na festa de lançamento do filme. Atenção na letra de Junkhead, música que eles tocam antes de Would? e que também faz parte de Dirt)

Um texto conciso e bem interessante para entender o fenômeno grunge está aqui e faz parte do livro 1989 - Bob Dylan didn't have this to sing about, de Joshua Clover. Aliás, olha só a capa do livro:

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