quinta-feira, 28 de abril de 2011

440Hz: Uma coisa uma, outra coisa outra coisa vol. 2

Recentemente, venho ouvindo (quer dizer, lendo) um monte de gente falar sobre um tal de Odd Future. Semana passada tava lá no site Quietus, vi o link pra uma matéria e cliquei para saber ao menos do que se tratava. É um coletivo de rappers americanos bem jovens que apostam na tática da agressão. E foi aí que resolvi voltar a esse assunto, do qual já falei há uns dois anos nesse post.

Antes de tratar do caso em particular, façamos algumas considerações gerais. Há uma linha muito clara (ao menos para mim) separando o que pode e o que não pode em Arte em termos éticos: a linha da ação. Usando um exemplo: uns anos atrás, um artista visual criou uma obra que consistia em deixar um cão amarrado dentro de um museu, sem água e sem comida, até que morresse de inanição. Na época, a crítica que se ouvia era "Isso não é arte!". Discordo. Acredito que arte é qualquer coisa feita com a intenção de ser arte. Mas a arte não existe acima do bem e do mal. Matar um animal com requintes de crueldade é errado e ponto, seja para criar uma obra de arte, seja para produzir um casaco de peles.

Mas a coisa se complica muito quando saímos do terreno da ação para o da, digamos, abstração (ou melhor: quando saímos do "de verdade" para o "de mentirinha"). E se em vez de criar uma obra em que o cachorro morre realmente, o artista tivesse criado uma obra sobre como é divertido ou excitante torturar animais - mas sem que nenhum animal fosse machucado?

Gosto de encarar a arte em termos de ficção e simbologia. Uma obra sobre como é legal judiar de animais (ou matar criancinhas ou seja lá o que coisa abjeta for) não significa que o autor esteja advogando em favor da causa: ele pode muito bem ter se colocado na mente de uma pessoa que faz isso a fim de tentar explorá-la, desvendá-la (eu lírico) ou pode estar usando a crueldade contra animais como metáfora - pode estar falando, por exemplo, da dose de maldade que cada ser humano supostamente carrega dentro de si. E, se é verdade que todos nós temos uma quedinha pelo cruel e pelo abjeto, a arte (seja produzindo ou seja fruindo) é uma maneira saudável e segura de lidar com nosso lado negro da força. Prova disso são os indíces baixíssimos de violência em shows de metal extremo.

Mas ainda assim há situações nebulosas:

1. Quando se sabe que o artista está realmente advogando em favor da causa - por exemplo, o bizarro sub sub sub gêreno National Socialist Black Metal.

2. Quando se sabe que o artista está apenas querendo causar polêmica - por exemplo, a utilização de símbolos nazistas pelas bandas punks no fim dos anos 70.

O Odd Future muito provavelmente (ou ao menos eu assim espero) pertence à segunda categoria. Só que em vez de loas à raça ariana, os caras compõem versos sobre o prazer de estuprar e matar mulheres. Não sou uma pessoa que se choca facilmente e prefiro pecar pela indulgência a dar uma de Tippy Gore, mas me senti realmente muito incomodada e até assustada com o teor das letras - isso porque consegui entender uns 30% do que eles cantam.



E se até eu, que sempre dou à arte o benefício da dúvida e até relevo alguns casos em que não há dúvida (não vou deixar de ouvir Mayhem porque o ex-baterista é um porco racista), me senti profundamente ofendida, o que acontece com aquelas pessoas que não conseguem separar o real do "de mentirinha"? E se esta pessoa não ficar abalada e sim achar interessante a ideia de se divertir estuprando e matando?

À objeção "Ah, mas o cara só vai fazer algo assim se já for louco", digo que concordo, mas em partes. Isso pode ser verdade se aplicado a um adulto de cabeça feita. Mas e no caso de moleques de 13 anos que precisam se afirmar e para isso copiam seus ídolos? E, se a arte não tem o poder de mudar nossos pontos de vista e mesmo nossas atitudes, de que servem então as "mensagens positivas" da arte? Brecht é um total fracasso?

A quantidade de pontos de interrogação não é à toa. Não tenho resposta a essas perguntas.
Não acho que o artista deva ser censurado pelo que escreve/filma/canta. Mas também acho que um pouquinho de responsabilidade não faz mal a ninguém. Talvez a resposta esteja no equilíbrio entre essas duas questões.

ps.: óbvio que essa polêmica não se aplica a obras que tratem de questões abjetas, mas o fazem de uma maneira tão estilizada que é óbvio que estamos no terreno na ficção. Só uma pessoa muito tapada acreditaria que os filmes do Tarantino ou as músicas do Carcass fazem apologia à violência - aliás, os caras do Carcass são vegetarianos muito gente bowa.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Bizarro, medonho e fascinante

Abruptum é um duo de black metal/dark ambient sueco descrito pelo falecido Euronymous como "the audial essence of pure black evil" (algo como "a essência sonora da pura maldade preta" - poético, não?). Para dar mais um toque exótico à coisa, segundo o livro Lords of Chaos o líder do grupo, que atende pelo pseudônimo It, é um anão. Mas o que faz o Abruptum ser uma das entidades musicais mais bizarras da História é a própria música do Abruptum. Na real eu nem sei como descrever isso. É avant-garde ou simplesmente uma espécie de versão satânica do The Shaggs? Não sei. Mas sei que o resultado é tão feio que chega a ter uma beleza estranha.

11-unimum, mentem alcis juventutem largitionibus, hostes add by rasetz

Tentarei falar menos de black metal por aqui, mas entrei numas de ouvir esse tipo de som, então fudeu... Aproveitando a obcessãozinha do momento, recomendo a leitura desse artigo do site The Quietus, em que são exploradas as semelhanças entre black metal norueguês e gangsta rap americano (!!!). Aliás, em breve farei um post falando um pouquinho de rap - mas não, não tô numas de ouvir rap.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Desculpe pelo sangue...


Era uma vez uma banda norueguesa de black metal chamada Mayhem. O vocalista do grupo, um sueco que atendia pelo pseudônimo Dead, era um cara esquisitão, calado e depressivo que tinha hábitos excêntricos como por exemplo recolher animais mortos das ruas e guardá-los em sacos plásticos para poder inalar “o odor da morte” antes de subir no palco. Quando criança, Dead teve uma experiência de quase morte e desde então ficou obcecado pelo tema, tanto que nos shows usava um tipo de maquiagem cadavérica que ficou conhecido como corpse paint e se tornou uma das marcas do black metal. Dia 8 de abril de 1991, a fantasia engoliu a realidade e Dead se matou. Até aí não seria nada de muito surpreendente, dado o histórico do garoto. Mas as circunstâncias do suicídio e os acontecimentos que se sucederam fazem da morte de Dead a mais macabra da história do rock. Vamos a eles:

- Dead não se matou de um jeito simples: primeiro cortou os pulsos e saiu sangrando pela casa toda e só depois deu um tiro de espingarda nos miolos;
- A última frase da carta de suicídio era: “Desculpe por todo esse sangue”;
- Dead dividia a casa com outros integrantes da banda. O primeiro a chegar no local e encontrar o cadáver do amigo foi o guitarrista, Euronymous. Em vez de ligar para a polícia, chamar uma ambulância ou simplesmente sentar e chorar, ele sacou uma câmera fotográfica e fez várias imagens de Dead com os miolos estraçalhados. Uma das fotos virou capa de bootleg;
- Aproveitando a oportunidade, Euronymous também recolheu alguns pedacinhos do crânio e transformou em um colar. Dizia ele que também tinha comido um pedaço do cérebro do morto, mas Euronymous dizia um monte de merda para parecer fodão, então pode ser que fosse só bravata – ou não;
- Enojado com as atitudes de Euronymous, o baixista Necro Butcher saiu da banda. Foi substituído por Varg Vikernes, um rapazinho que estava em guerra contra o cristianismo e que dali a dois anos e pouco assassinaria Euronymous com mais de vinte facadas.

A parte boa de toda essa sangreira é que Attila Csihar foi chamado para gravar o primeiro álbum da banda, De Misteriis Dom Satanas. Em 2004, ele entrou de vez pro Mayhem, onde premanece até hoje - mês passado o grupo fez um show fudido em São Paulo.

Mas fiquemos com Dead e toda a tosqueira froun rél dos primórdios do Tr00 Norwegian Black Metal:





quarta-feira, 6 de abril de 2011

Clássicos do dia 7: James White & the Blacks - Off White


No fim dos anos 70, punks odiavam disco music. Tanto que, em 1979, rolou a famigerada Disco Demolition Night, na qual milhares de LPs de disco music foram queimados no meio de um campo de baseball durante intervalo entre jogos. Mas eis que, naquele mesmo ano, James Chance grava um álbum de disco music, para o qual rebatizou sua banda James Chance & the Contortions como James White & The Blacks. Não que ele fosse um cara de cabeça aberta a fim de acabar com a raivinha dos punks contra Donna Summer e cia. Na verdade, Chance detestava disco music e não perdia oportunidade de fazer declarações racistas (aliás, o racismo no meio punk é escarafunchado por Lester Banges no artigo White Noise Supremacists – que título, hein –, também de 79). Acontece que Chance foi procurado por Michael Zilkha, dono da gravadora ZE, que lhe fez a seguinte proposta: lançaria um álbum do Contortions caso ele também gravasse um álbum de disco music, a ser lançado simultaneamente. James Chance, que podia ser preconceituoso, racista e psicopata, mas não era besta, fechou negócio. E assim nasceu Off White.

Antes de falar da música propriamente, é bom lembrar como funciona a questão “racial” nos EUA: lá ou você é branco ou você é negro (claro que há miscigenação, mas as pessoas se definem como um ou como outro, você nunca vai ouvir um americano dizendo que é mulato, moreninho, escurinho ou “da cor do pecado”, como rola aqui no Brasil). Se você é branco, você fala como branco, se veste como branco e mora no subúrbio com outros brancos. Se é negro, fala como negro, se veste como negro e mora no gueto com outros negros. A música não fica de fora dessa divisão, o que é escancarado na própria existência da expressão “black music”, balaio de gatos que engloba desde o cantor soul com influência do gospel até o gangsta rap mais violento. Para nós, brasileiros, é quase impossível pensar nesses termos. Por isso nos soam tão estranhos o nome do grupo (James White & the Blacks), os títulos das canções (White Savages, White Devil, Bleached Black) e, principalmente, a letra de Almost Black, Pt. 1, em que duas garotas (uma branca e outra negra) discutem se James Chance tem um quê de negão por baixo da pele branquela.

Mas voltemos à música. Quando Michael Zilkha propôs a Chance gravar um álbum de disco music, ele deixou bem claro que não precisava ser algo comercial, que Chance tinha liberdade para fazer o que quer que entendesse por disco. E, apesar de considerar disco music uma coisa nojenta, havia algo nela que Chance admirava: a monotonia. As faixas de Off White são construídas sobre loops de baixo e bateria, até dançantes, mas exaustivamente repetitivos. Sobre essa base quase imutável, as guitarras e o sax estão livres para brincar. Está na interação entre as guitarras barulhentas (sempre bom lembrar que o pessoal da no wave não tinha o menor interesse em acordes) e o sax free jazz anti-virtuosi de Chance a grande graça do álbum.

Off White começa com uma versão disco para Contort Yourself (do álbum Buy, do Contortions), na qual os berros autoritários de Chance são substituídos por um coro feminino que languidamente convida o ouvinte a se contorcer, e o instrumental apoplético dá lugar a um groove bem marcado (tanto que a canção ficou cerca de 1:40 mais longa). Segue a chatinha Stained Sheets, música de motel embalada pelos gemidos de Lydia Lunch, e o também não muito empolgante cover de Heatwave (não a do Martha & the Vandellas).

A coisa fica boa mesmo nas instrumentais White Savages e Off Black, nas quais estão os diálogos mais interessantes entre guitarras e sax. No caso de Off Black, que conta com a participação do guitarrista Robert Quine, a relação entre as duas guitarras que se estabelece por volta de 2:30 também é digna de atenção. E se essas conversas abstratas, ruidosas e por vezes absurdas (porém de uma precisão quase sonic-youthiana) dizem alguma coisa, é: “James Chance é um filho da puta, mas esta é provavelmente a melhor disco music que você vai ouvir na vida – seja você branco, negro, cor de rosa ou verde com bolinhas douradas”.

Contort Yourself - versão Contortions:



Contort Yourself - versão James White:

terça-feira, 5 de abril de 2011

Cobain + Burroughs

De arrepiar os pelinhos do dedão do pé:



The Priest They Called Him

"Fight tuberculosis, folks." Christmas Eve, an old
junkie selling Christmas seals on North Park Street.
The "Priest," they called him. "Fight tuberculosis, folks."
People hurried by, gray shadows on a distant wall.
It was getting late and no money to score.
He turned into a side street and the lake wind hit him like a knife.
Cab stop just ahead under a streetlight.
Boy got out with a suitcase. Thin kid in prep school clothes,
familiar face, the Priest told himself, watching from the doorway.
"Remindsme of something a long time ago." The boy, there, with his overcoat unbuttoned, reaching into his pants pocket for the cab fare.
The cab drove away and turned the corner. The boy went inside
a building. "Hmm, yes, maybe" - the suitcase was there in the doorway.
The boy nowhere in sight. Gone to get the keys, most likely,
have to move fast. He picked up the suitcase and started for the corner.
Made it. Glanced down at the case. It didn't look like the case the boy had,or any boy would have. The Priest couldn't put his finger on what was so old about the case. Old and dirty, poor quality leather, and heavy.Better see what's inside. He turned into Lincoln Park, found an
empty place and opened the case. Two severed human legs that belonged to
a young man with dark skin. Shiny black leg hairs glittered in the
dim streetlight. The legs had been forced into the case and he had to use his knee on the back of the case to shove them out. "Legs, yet,"
he said, and walked quickly away with the case.
Might bring a few dollars to score.

The buyer sniffed suspiciously.
"Kind of a funny smell about it." "It's just Mexican leather."
"Well, some joker didn't cure it."
The buyer looked at the case with cold disfavor.
"Not even right sure he killed it, whatever it is.
Three is the best I can do and it hurts. But since this is Christmas
and you're the Priest..." he slipped three bills under the table into the Priest's dirty hand. The Priest faded into the street shadows, seedy
and furtive. Three cents didn't buy a bag, nothing less than a nickel.
Say, remember that old Addie croaker told me not to come back unless
I paid him the three cents I owe him. Yeah, isn't that a fruit for ya,
blow your stack about three lousy cents.

The doctor was not pleased to see him.
"Now, what do you WANT? I TOLD you!"
The Priest laid three bills on the table. The doctor put the
money in his pocket and started to scream.
"I've had TROUBLES! PEOPLE have been around!
I may lose my LICENSE!" The Priest just sat there, eyes, old and heavy with years of junk, on the doctor's face.
"I can't write you a prescription." The doctor jerked open a drawer
and slid an ampule across the table. "That's all I have in the OFFICE!"
The doctor stood up. "Take it and GET OUT!" he screamed, hysterical.
The Priest's expression did not change.
The doctor added in quieter tones, "After all, I'm a professional man,
and I shouldn't be bothered by people like you."
"Is that all you have for me? One lousy quarter G? Couldn't you lend
me a nickel...?" "Get out, get out, I'll call the police I tell you."
"All right, doctor, I'm going."

Of course it was cold and far to walk,
rooming house, a shabby street, room on the top floor.
"These stairs," coughed the Priest there, pulling himself up along the
bannister. He went into the bathroom, yellow wall panels,
toilet dripping, and got his works from under the washbasin.
Wrapped in brown paper, back to his room, get every drop in the dropper.
He rolled up his sleeve. Then he heard a groan from next door,
room eighteen. The Mexican kid lived there, the Priest had passed him on
the stairs and saw the kid was hooked, but he never spoke, because he
didn't want any juvenile connections, bad news in any language.
The Priest had had enough bad news in his life.
He heard the groan again, a groan he could feel, no mistaking that groan
and what it meant. "Maybe he had an accident or something.
In any case, I can't enjoy my priestly medications with that sound coming
through the wall." Thin walls you understand. The Priest put down his
dropper, cold hall, and knocked on the door of room eighteen.

"Quien es?" "It's the Preist, kid, I live next door."
He could hear someone hobbling across the floor.
A bolt slid. The boy stood there in his underwear shorts, eyes black with pain. He started to fall. The Priest helped him over to the bed.
"What's wrong, son?" "It's my legs, senor, cramps, and now I am without
medicine." The Priest could see the cramps, like knots of wood there
in the young legs, dark shiny black leg hairs.
"A few years ago I damaged myself in a bicycle race,
it was then that the cramps started." And now he has the leg cramps back
with compound junk interest. The old Priest stood there, feeling the boy
groan. He inclined his head as if in prayer, went back and got his dropper.
"It's just a quarter G, kid." "I do not require much, senor."

The boy was sleeping when the Priest left room eighteen.
He went back to his room and sat down on the bed.
Then it hit him like heavy silent snow. All the gray junk yesterdays.
He sat there received the immaculate fix. And since he was himself a priest,
there was no need to call one.

Pensata do dia

"Ora, dizer que alguém faz noise por falta de talento musical é o mesmo que dizer que alguém faz música por falta de competência para o barulho" (Theo, da banda curitibana de noise/industrial Gengivas Negras - da qual eu nunca tinha ouvido falar até meia hora atrás)

sábado, 2 de abril de 2011

Sax + guitarras + barulho


De uns tempos pra cá (tempos = uns 3 anos) venho percebendo como saxofone combina com guitarras - claro que me refiro a sax e guitarras barulhentos. Como muita gente que teve o primeiro contato com o som de saxofone por meio de músicas do Kenny G (agradecimento aos meus pais, que sempre botavam o rádio do carro na Antena 1), eu tinha um certo preconceito contra o instrumento.
Mas o tempo passou e descobri que dá pra fazer miséria com o sax, e que este vai bem além do jazz e da música de elevador. A playlist que linko aqui traz 6 bons exemplos, começando com o proto-punk dos Stooges e terminando com o black metal de Ihsahn, ex-vocal do Emperor. No meio tem música do James White & the Blacks, Faust, Flipper e Naked City. Mas se você não curtir a seleção, sempre há esta outra opção.

Nota sobre Sweat, Sperm + Blood: essa faixa é a única que não possui guitarras - é só sax e vocal. Mas a escolhi porque ouvindo os outros discos do Naked City em que o cantor Yamatsuka Eye participa, eu achava que ele era só um maluco que berrava; depois de ouvir essa música percebi que ele é um maluco que berra - mas que tem plena noção e domínio sobre o que está fazendo.