terça-feira, 7 de julho de 2009

Clássicos do dia 7: Swans - Cop

Todo dia, quando abro o jornal na parte de quadrinhos, cogito se vou ler ou não a tirinha do Laerte. O fato de parar para pensar se vou fazer algo tão prosaico quanto ler uma tira já é um indício de que ali tem coisa – afinal, não seria mais fácil simplesmente pular ou simplesmente ler os quadrinhos? Acontece que o material que Laerte vem publicando de uns anos para cá é perturbador. Primeiro porque ele cria quadrinhos sem sentido aparente; segundo porque, ao não escolher um alvo específico (um político, a high society, as tribos urbanas), Laerte parece endereçar sua crítica a toda a humanidade – incluindo aí, obviamente, o próprio leitor. Temas como medo, ódio, crueldade e solidão são abordados sem passar pelo filtro do humor (como acontece com a maioria das outras tirinhas publicadas no jornal). Em vez de assoprar, Laerte enfia o dedo na ferida humana. Exemplos:



Quando ouvi a banda Swans, o trabalho de Laerte e a sensação de profundo desconforto que ele causa logo me vieram à mente – e ao estômago. O Swans surgiu em Nova York em meio à cena no wave. Debutou em 1982 com um EP auto-intitulado e, no ano seguinte, lançou o primeiro álbum, Filth. Enquanto James Chance and the Contortions era altamente influenciado pelo free jazz e Lydia Lunch representava a urgência e tosquice típicas do punk rock, o Swans pode ser considerado uma espécie de “braço metaleiro” do movimento. O som do grupo, com guitarras distorcidas até o talo e vocais quase guturais, ao mesmo tempo em que tem algo do precursor Black Sabbath, parece enveredar pelos caminhos cada vez mais extremos que o metal começava a tomar – thrash metal, death metal, black metal...

Em 1984, veio o disco Cop, no qual o grupo exacerbou os elementos já presentes nos trabalhos anteriores, especialmente a repetição. A guitarra e o baixo altamente distorcidos e uma bateria robótica executam uma mesma célula durante toda a música (às vezes, aparece uma ou outra variação mínima, como uma batida em tempo diferente). O andamento arrastado, que faz Cop parecer um disco do Slayer em rotação lenta, aumenta o desconforto e a sensação de sofrimento que emana de cada uma das oito faixas do álbum. Sobre essa base instrumental pesada e hipnótica, Michael Gira grunhe versos como Cut off the arms/ Cut off the legs/ Cut off the head/ Get rid of the body (de Job), I need you more than i hate myself (de Why Hide), You're too close/ I don't recognize your smell/ You're in the wrong skin/ I don't recognize your face/ Your mouth smells strange (de Butcher).

As letras do Swans, assim como os quadrinhos do Laerte, não têm um sentido preciso. Elas apenas evocam imagens grotescas e inquietantes. Pode ser apenas uma mente perturbada delirando. Ou pode ser uma mente altamente lúcida trazendo nossas perturbações mais profundas à tona. Nesse ponto, é importante destacar o seguinte: existe uma vertente do metal, o gore, que também trata de assuntos meigos como assassinato, desmembramento, vermes comendo carne podre. Mas no caso do Swans o propósito é outro. Enquanto a música de bandas como Cannibal Corpse é análoga a um filme trash (ou seja, mais faz rir do que assusta), a do Swans é realmente perturbadora por ter um caráter metafórico, alegórico. Quando Michael Gira grita Corte os braços, corte as pernas, se livre do corpo, ele não está lendo um manual de instruções de como ser serial killer. O objetivo, me parece, é falar das crueldades humanas do dia-a-dia, das pequenas (?) maldades que cometemos; ou alertar para a carga de violência que trazemos escondida sob o manto da civilização; ou ainda ser simplesmente desagradável – o que não vai mudar o mundo, mas também não permitirá que o ouvinte desfrute da música como entretenimento descartável.

A pancada no estômago mais dolorida é proporcionada pela faixa-título, Cop:

The punishment fits the crime
Nothing beats humiliation
Humiliation's a disease
Nothing beats humiliation
Nothing beats them like a cop with a club
Nothing beats them like a cop in jail
Nothing beats their head like a cop with a club
Nothing beats their head in like a cop in jail
Nothing hurts some like a cop with a club
Nothing beats some like a cop in jail
Nobody rapes them like a cop with his club
Nothing hurts some like a cop when it’s done
Nobody beats some like a cop in jail
Nobody burns them like a cop with a match
Nobody burns their body like a cop in jail
Nobody burns their skin like a cop with a match
Nobody has as much fun as a cop
The heat hurts
Humiliation's a disease

Cop, como todas as outras faixas, possui uma estrutura repetitiva. Quando vem o verso Nobody has as much fun as a cop, no entanto, a bateria faz uma virada. Em seguida, a mesma célula de antes é retomada e a frase The heat hurts é repetida incessantemente durante mais de TRÊS MINUTOS. Novamente, defendo a ideia de que o tema tratado não é a violência policial (específico) e sim a capacidade de fazer coisas terríveis que o ser humano possui (geral). Isso me fez lembrar do famoso experimento realizado pela Universidade de Stanford em 1971. O grupo de pesquisa queria estudar os efeitos psicológicos que operavam sobre prisioneiros e guardas de prisão. Para isso, selecionaram 24 voluntários. Todos eram universitários e passaram por um teste para eliminar candidatos com problemas psicológicos ou abuso de drogas. Os 24 eram, portanto, pessoas normais interessadas em cooperar em um trabalho científico e em descolar 15 dólares por dia. Esses 24 voluntários foram divididos ao acaso entre prisioneiros e guardas (o critério usado foi uma aposta de cara ou coroa), uma prisão improvisada foi montada na universidade e o experimento começou. No primeiro dia, todos estavam desconfortáveis em seus papéis, não sabiam direito o que fazer. Mas isso logo mudou. Tanto que o experimento, que deveria durar duas semanas, teve de ser cancelado após seis dias. Os “guardas” chegaram a um nível de brutalidade tão grande e os “prisioneiros” estavam se desintegrando tão rapidamente que a situação se tornou insustentável. À partir do momento em que a autoridade foi conferida a pessoas comuns, elas se tornaram monstros capazes de torturar e humilhar semelhantes – que, por sinal, não haviam cometido delito algum; eram apenas estudantes como os “guardas”.

A humanidade é ou não é assustadora?

Dá para baixar o Swans aqui. Aliás, esse blog me pareceu bem legal - nunca ouvi falar em 99% das bandas que estão lá...

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