sexta-feira, 24 de julho de 2009

440 Hz: Neotango


Tango + rock + rap + música eletrônica + Buenos Aires + Berlim

O tango é um self-made man. Nascido por volta de 1880 em prostíbulos da periferia de Buenos Aires e Montevidéu, era originalmente um gênero musical instrumental e dançante – e foi justamente sua dança sensual o motivo por ter sido considerado maldito e pecaminoso durante muitos anos. Tanto que demorou para penetrar mesmo nos cortiços do arrabal (subúrbio) portenho. Mas conseguiu. Nos anos 20, devido a mudanças na política argentina e ao deslocamento da prostituição para o centro da cidade, foi abrindo espaço nos cabarés chiques de Buenos Aires. Na década de 1930, conheceu a glória na voz de Carlos Gardel, tão adorado pelos argentinos quanto Evita Perón. Nos anos 50, Astor Piazzolla fundiu elementos de jazz e música erudita ao tango, levando a música do Rio de la Plata para as salas de concerto de diversos países – e também levando os puristas, que já não viam Gardel com bons olhos, ao desespero. Hoje, cidadão do mundo, o tango absorve todo tipo de influência e inspira músicos tanto da Argentina e do Uruguai quanto da França e da Alemanha. É o Novo Tango. Nuevo Tango. Neotango.

Origens remotas

Em uma primeira audição, este novo tango parece ser nada mais do que o velho tango com uma roupagem modernosa que inclui jazz, rock, pop, rap e muita música eletrônica. Com um pouco mais de cuidado e atenção, contudo, é possível perceber que não se trata apenas de um travestismo musical: o neotango tem personalidade própria e apresenta maneiras singulares de conectar o presente à tradição do passado.

A maioria dos grupos da nova safra já tem no próprio nome ou a palavra “tango” (como Tanghetto, Tangothic, Tango Crash) ou outras relacionadas a esse universo (como Otros Aires, um trocadilho com Buenos Aires, e San Telmo Lounge, que remete a um dos bairros da capital argentina). Os dois principais expoentes do neotango – Gotan Project e Bajofondo Tango Club (que a partir de 2007 deixou o tango um pouco de lado e passou a se chamar somente Bajofondo) – trazem em seus nomes um pouco da história remota do estilo. “Gotan” vem do lunfardo, a gíria da marginalia portenha, e é a palavra “tango” com as sílabas invertidas – prática chamada de vesre (“revés” ao contrário). Já Bajofondo significa bas-fond, submundo, e faz alusão à origem prostibulária do gênero musical.
O olhar para dentro de si mesmo também aparece nas letras de muitas canções. “Notas”, da banda Gotan Project, por exemplo, é quase uma árvore genealógica:

Africanos en las pampas argentinas
toques y llamadas de tambores

candombe, tango


Un gaucho y una guitarra

la payada milonguera y el fantasma de la indiada

china, cebame un mate
tango

Marineros, inmigrantes,
bandoneón, violín y flauta
habanera, canzonetas de los tanos

piano piano nació el tango


Nació el baile compadrito y orillero
guapo, futurista y nostalgioso
mestizaje de europeos, negros, indios
en el Río de la Plata
hace mucho,
no se sabe justo cuándo
un buen día nació el Tango

Nessa busca pelas raízes, a contribuição da música negra (mais especificamente do candombe) para o surgimento do tango vem sendo resgatada. Batidas eletrônicas dividem espaço com instrumentos de percussão de origem africana, como a conga. São bons exemplos “Domingo”, do Gotan Project, e “Un paso más Allá”, de Carlos Libedinski. Nesta última, as origens remotas também aparecem na melodia principal, executada por uma flauta – instrumento que perdeu espaço após a introdução do bandoneón, ainda no século XIX.

Extrair trechos de músicas antigas e utiliza-los como samples é um procedimento bastante adotado pelos grupos da nova geração. Otros Aires, primeiro disco da banda homônima, traz diversas faixas nas quais pedaços de canções gravadas por Gardel são fundidas a grooves eletrônicos. O contraste entre a gravação em mono já desgastada pelo tempo e os recursos tecnológicos de hoje é bem interessante.

Mais festa, menos drama

Seguindo a vertente de Piazzolla, o neotango é majoritariamente instrumental, com a diferença de que seu espaço não é o da sala de concerto e sim o da pista de dança. Para quem fica tonto só de assistir às cruzadas de pernas dos milongueros, uma boa notícia: não é preciso saber nenhum passo nem estar em par para dançar o novo tango. Em Emmigrante, primeiro álbum do Tanghetto, a fusão entre tango e house music – gênero mais comercial da música eletrônica – garante uma ótima trilha sonora para festas e baladas. É, novamente, a retomada de uma característica do passado: nos seus primeiros anos de vida, o tango foi uma dança alegre e divertida e não “um pensamento triste que se baila”, como o classificou o compositor Enrique Santos Discépolo (1901-1951).

O tango-canção, contudo, não foi abandonado. Além das já citadas letras auto-referentes, as de caráter sentimental continuam em voga, embora com abordagem bastante diferente da tradicional. Histórias trágicas envolvendo adultério, perda, vingança e desilusão dão lugar a versos carregados de um romantismo sereno ou de uma leve melancolia, como acontece em “Perfume”, do Bajofondo Tango Club: No hay soledad/ Que aguante el envión / El impulso antiguo y sutil / Del eco de tu perfume...

Seguindo essa linha, os vozeirões dramáticos à la Gardel ou Julio Sosa são substituídos por vozes mais suaves, em sua maioria femininas. Isso representa uma grande mudança no universo tangueiro. Por décadas, a mulher foi somente tema de canções – e de canções bem machistas, nas quais aparecia como falsa, dissimulada, adúltera, interesseira y otras cositas más. Dentre as cantoras, destacam-se Cristina Vilallonga e Veronica Loza, que gravaram, respectivamente, com Gotán Project e Bajofondo. No neotango, também é comum a participação de MCs (cantores de rap), como Apolo Novax e Chili Parker, do grupo Koxmoz, que emprestaram suas rimas para “Mi Confesion”, do Gotan.

Webtango

Quem quer conhecer esse novo universo tangueiro mas não está disposto a desempolsar algumas centenas de pesos em discos pode dar uma conferida no Myspace dos grupos e artistas. Porque, além de cidadão do mundo, o neotango é cidadão da rede. Algumas sugestões (sem link):

www.myspace.com/gotanproject
www.myspace.com/bajofondomardulce
www.myspace.com/tanghetto
www.myspace.com/carloslibedinsky
www.myspace.com/otrosaires
www.myspace.com/santelmolounge
www.myspace.com/zambomusik
www.myspace.com/tangotronics
www.myspace.com/tangothic
www.myspace.com/tangocrash

E tem muito mais…

ps.: a foto que ilustra o post é do desfile de Victor Dzenk na Fashion Rio de janeiro de 2009. O tema da coleção era tango e a banda que tocou no desfile é a Ultratango. Peguei a foto daqui.

Nenhum comentário: