domingo, 7 de fevereiro de 2010

Clássicos do dia 7: Glenn Branca - Devil Choirs at the Gates of Heaven



Quando John Cage ouviu pela primeira vez a peça Indeterminate Activity of Resultant Masses, escrita por Glenn Branca para uma espécie de “orquestra de guitarras elétricas”, ficou tão chocado que comentou com um amigo (durante uma conversa que estava sendo gravada): "Digamos que ele estivesse expressando boas intenções com veemência e poder, então seria como uma dessas organizações religiosas estranhas das quais ouvimos falar. Não seria? Pareceria com isso. Ou, se fosse algo politico, pareceria com o fascismo. Em nenhum dos casos, eu gostaria de fazer parte".

As palavras de Cage podem facilmente ser rotuladas como absurdas e interpretadas como a tentativa de menosprezar um novo compositor. Conflito geracional, má vontade, inveja, portanto. Mas analisemos com mais calma: antes de tudo, é preciso esclarecer que Cage não disse que Branca estava pregando a ideologia fascista por meio da música. O que ele chama de “fascismo” são dois aspectos da música de Branca.

O primeiro diz respeito à atitude de Branca como compositor. Enquanto Cage explorava o terreno da música aleatória e adorava dizer que sua obra podia ser executada por qualquer um, em qualquer lugar e a qualquer hora, Branca exige que o que ele escreveu seja seguido rigorosamente pelos músicos. Por isso, chega ao extremo de não permitir que suas obras sejam tocadas sem que ele próprio esteja presente durante todo o processo de ensaios e a apresentação em si – dessa forma, ela é apenas executada pelo Glenn Branca Ensemble. O segundo aspecto “fascista” que Cage viu na música de Branca é o efeito que ela provoca. É tanto barulho, tanto volume, tanta distorção que o ouvinte só pode tomar duas atitudes: fugir ou se submeter completamente (o equivalente musical ao slogan autoritário “Ou você está conosco ou está contra nós”).

O comentário de Cage me ajudou muito a entender a sexta sinfonia de Branca, intitulada Devil Choirs at the Gates of Heaven. Ela é considerada a obra-prima dentre as diversas composições para orquestra de guitarras, área que Branca explorou a partir de 1981 – antes disso, ele escreveu trilhas sonoras para peças de teatro e fez parte da banda no-wave Theoretical Girls.

Devil Choirs é um verdadeiro massacre sonoro. Há nela apenas momentos de caos e de ainda mais caos. Cada um de seus cinco movimentos já começa com muito barulho, uma cacofonia de guitarras distorcidas emitindo acordes complexos que se misturam em uma massa amorfa de sons bizarros, enquanto a bateria segue uma mesma e repetitiva batida. A música vai se desenvolvendo de forma orgânica (impossível identificar tema 1, tema 2), o volume fica cada vez mais alto, até atingir o clímax – e, quando ele chega, se estende até o fim do movimento (no primeiro movimento, por exemplo, o clímax deve durar uns 9 minutos). Não há um segundo de silêncio e a dinâmica só tem uma direção: cada vez mais alto, cada vez mais forte. Dizer que Devil Choirs tem testosterona em excesso é muito pouco. As músicas do Metallica têm testosterona em excesso; já a sexta sinfonia de Glenn Branca é uma demonstração de pura força.

Mas, se o ouvinte tomar a decisão de se submeter completamente ao espancamento musical proposto, encontrará a beleza em meio ao caos. Prestando bastante atenção, pode-se identificar algumas linhas instrumentais que se sobressaem no meio do barulho infernal, como ondas que se levantam e depois retornam ao mar de sons estranhos. Tomando o título da peça como um guia para sua apreciação, é possível visualizar corais de demônios aterrorizando os céus e tentando derrubar seus portões; e o clima épico do último movimento remete à luta final entre o bem e o mal.

Quando o silêncio finalmente dá as caras, encerrando a peça, o ouvinte está exausto. E aterrorizado. E maravilhado.



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