segunda-feira, 21 de junho de 2010

Metal, aqui me tens de regresso + arte & tortura


Dos 13 aos 18 anos fui uma fã incondicional de metal, prinipalmente do (engasgo constrangido) metal melódico. Lembro que uma vez eu li uma entrevista com o Max Cavalera, logo que ele montou o Soulfly, dizendo que o metal é o gênero de música mais brega que existe. Na hora, fiquei com raiva e achei que o cara tava querendo aparecer (afinal, o Soulfly É uma banda de metal, ainda que misturado com 300 outras coisas), mas depois que conheci Velvet Underground e me toquei que tudo aquilo que eu achava uma puta música bem feita era uma bela duma farofa kitsch, entendi o que Max dizia.

Mas eis que, de uns tempos pra cá, venho me deparando com bandas que provam que há, sim, vida inteligente no mundo do metal (não no do metal melódico, esse é uma desgraça mesmo). Primeiro foi o Swans, que não é exatamente metal, mas também não deixa de ser (falei deles aqui), depois o Sunn O))), depois o Fantômas e agora o Naked City, do saxofonista esquizofrênico-avant-garde John Zorn.

Acabei de ouvir a Black Box, que é uma espécie de compilação contendo as "miniaturas grindcore" do disco Torture Garden e a faixa Leng Tch'e. Só para ter uma ideia de como o cara é louco: a miniatura mais longa dura 1min18 (algumas duram 10 segundos) e Leng Tch'e dura 31min39. Moderação não é um conceito muito apreciado por Zorn.

As miniaturas são uma espécie de cruzamento entre Napalm Death e Ornette Coleman: barulhentas, experimentais, desagradáveis e muito bem tocadas - quando a banda dá uma leve guinada pro jazz, é possível perceber como os músicos são bons e técnicos. Uma delas aparece na abertura do filme Violência Gratuita, de Michel Haneke:



Não gostou? Então nem pense em chegar perto de Leng Tch'e. Durante a primeira metade da música, ela segue uma linha drone: bem pesada e arrastaaaaaaada. Não gostou? Então aperte stop enquanto é tempo, porque mais ou menos da metade pro final, a coisa se transforma em um inferno. Yamakata Eye, o japonês doido que berra em certas faixas de Torture Garden, reaparece aqui, só que dessa vez berrando durante vários minutos - e ainda por cima acompanhado de um saxofone que parece querer imitar uma garota de 11 anos tendo ataque de histeria. Tentei achar uma metáfora de sensação física para expressar o que é essa música (estupro? tortura? ter o estômago cutucado por uma agulha de tricô??), até que dei um rápido pulinho na Wikipedia e achei a analogia perfeita.

Acontece que o próprio nome da música, Leng Tch'e, quer dizer "morte por mil cortes" e foi uma "técnica" de execução praticada na China. A última aconteceu em 1905, foi fotografada e adivinha? A capa do álbum é justamente essa foto (quem quiser ver, clique aqui).

Agora voltemos ao começo, quando eu falei da vida inteligente no metal. Uma das bandas citadas foi o Fantômas, do Mike Patton. Pois este grupo também lançou um disco parecido com Leng Tch'e, só que PIOR. Trata-se de Delirium Cordia, faixa de 75 minutos de duração cujos últimos 20 minutos consistem em um barulho de vitrola tocando um disco sem nada gravado, apenas um arranhão. VINTE MINUTOS. E o que vem antes também não é muito mais agradável que isso não. Na wiki, Delirium Cordia é comparado a uma cirurgia sem anestesia. Acredite, não é uma comparação injusta.

Agora voltemos alguns meses atrás, quando fiz a resenha de Devil Choirs at the Gates of Heaven, do Glenn Branca, e contei a historinha de que John Cage o acusou de fazer fascismo musical. Imagine o que o papa avant-garde diria se ouvisse os dois discos acima citados. Porque a música do Glenn Branca, se você se submeter a ela, é bonita. Já Leng Tch'e e Delirium Cordia não. E não é uma questão de gosto: elas foram claramente feitas para serem desagradáveis, quase insuportáveis.

Agora voltemos ao presente e perguntemos: por que um artista quer torturar seu público? O que está por trás disso? Revolta contra o sistema? Revolta contra a necessidade da arte ser bela? Sadismo? Terrorismo sonoro? Não sei. Só sei que, quando a música acaba, dá um alívio imenso, uma sensação de "sobrevivi, agora me tira daqui!!".

Se eu odiei os discos? Não, pelo contrário. Tenho certeza de que em breve ouvirei novamente. E por que o público (eu) quer ser torturado outra vez? Sei menos ainda...

Para mais metal, tortura e música errada em geral, acompanhe Destruindo Pianos no Facebook.


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4 comentários:

o.Oo 0 disse...

Po, fantástico seu blog!

Raquel Setz disse...

Brigada! Entre e sinta-se em casa

Anônimo disse...

Excelente post!
Muita perspicácia sobre o Naked City.
O lance da tortura talvez esteja relacionado aos gêneros mais agressivos de música - Death metal, Grindcore, Noise - que demandam essa comunicação provocativa com a platéia.
Acho que o Teatro da Crueldade também tá baseado nessa necessidade de uma resposta através de ataques diretos aos sentidos do público.
Além dos 'abusos sonoros' nos discos, dá pra gente perceber isso em algumas apresentações ao vivo da banda em festivais pelo mundo. No Jazz Fest Wien de 1991 (inclusive, nessa época o Patton tava fazendo os vocais na turnê, no lugar do Yamatsuka), o Zorn mandou essa, logo após a primeira música, 'Poisonhead':
'Quantos de vocês aí, já odeiam o Naked City?
Oh! Nós não odiamos você. A gente sequer dá a mínima.'
No Montreux Jazz Festival de '90, ele discutiu com um cara da platéia, dizendo que se ele queria ouvir George Benson, estava no lugar errado (depois de ter exaltado o Carcass hahaha!)
Os caras tiveram uma carreira muito bacana, e curiosamente, tocaram aqui no Brasil logo em 1989 no extinto Free Jazz Festival em São Paulo.
Tento imaginar o que os expectadores brasileiros acharam da banda... hahaha!
Novamente, post muito bacana sobre os caras.
Abraço!

Raquel Setz disse...

E teve o recente incidente no show do Masada em SP, em que o Zorn se estressou com um cara da pleteia que estava filmando ou fotografando sem autorizaç]ao e acabou levando uma cusparada na cara.