segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Off- topic: O mundo hype é um moinho

"Factóide", segundo definição do Aurélio, é "Fato, verdadeiro ou não, divulgado com sensacionalismo, no propósito deliberado de gerar impacto diante da opinião pública e influenciá-la". A imprensa musical também produz seus factóides, elevando à categoria de fenômenos bandas e artistas que não acrescentam nada ao universo da música. Foi essa indústria do hype que fez do Cansei de ser sexy o grupo brasileiro mais influente de todos os tempos. Como tudo no mundo industrial-capitalista é descartável, logo o CSS passou da data de validade e foi substituído por Mallu Magalhães, Copacabana Club...

O mais novo produto desse mercado pseudo-indie (porque para ser fenômeno hype é imprescindível ter uma aparência underground anti-comercial) é um duo americano chamado Girls. A banda já estava bombando na imprensa internacional e hoje ganhou capa da Ilustrada, em matéria assinada por Thiago Ney - jornalista e crítico de música pop que vive de papagaiar a mídia gringa. E como lá fora o Girls é o must, aqui também será celebrado como a melhor banda da última semana. Só tem um pequeno problema: o Girls é medíocre. O disco de estreia, batizado de Album, é um desfile de soluções melódicas e harmônicas de fácil digestão e instrumentação convencional. Tirando a ensolarada e ingênua Lust for life, que tem um apelo pop dançante inegável, e Morning light (uma cópia constrangedora de Sonic Youth e My Bloody Valentine), o resto do disco não é nem muito bom nem muito ruim.





Verdade seja dita: o Girls faz sucesso única e exclusivamente por causa de Christopher Owens, vocalista/guitarrista e compositor do grupo. Além de ser absurdamente, arrebatadoramente, criminosamente sexy, ele tem uma história de vida das mais malucas: cresceu num culto bizarro chamado Children of God, fugiu, virou um punk drogado e foi adotado por um multimilionário texano aos 16 anos. É aquele tipo de personagem que qualquer repórter ligado em jornalismo literário sonha encontrar pela frente.

Mas meu intuito aqui não é falar mal do grupo e sim dessa indústria do hype. No caso da cobertura de música pop no Brasil (especialmente na Folha de S. Paulo), a máquina conta com mais uma poderosa engrenagem: a total ignorância em relação à música. Os "críticos" podem até devorar trocentos discos por dia e conhecer bandas obscuras da Sibéria, mas não sabem o que é uma consonância ou dissonância, o que é afinação temperada, qual a diferença entre um acorde maior e um menor. E por isso as "análises" deles saem recheadas de besteiras homéricas. No caso da matéria sobre o Girls, Thiago Ney compara as melodias do grupo às melodias dos Beach Boys. Na resenha de Album, Chico Felitti (repórter do Folhateen que costuma escrever sobre maquiagem e depilação de axila e que por algum motivo insondável vem assinando resenhas de música no jornal), chama escaleta de "teclado de sopro" e se assombra com o alcance vocal de Christopher Owens.

Lá fora a máquina do hype também funciona à toda, mas a cobertura de música não se resume a isso. Publicações gringas rasgam seda para o Girls mas também enchem de elogios bandas como Grizzly Bear - essa sim tem melodias que remetem a Beach Boys e um cantor com alcance vocal. Aqui, o Grizzly Bear foi tema de apenas um tópico na coluna semanal de Thiago Ney. O texto começa assim: "Saiu nesta semana Veckatimest, disco de nome impronunciável, de autoria do Grizzly Bear, banda americana de nome um pouco mais "pronunciável", mas não menos estranho. Entendo se você pegar birra de Veckatimest antes mesmo de ouvi-lo. Parece nome de disco do Gilberto Gil".

Não precisa nem comentar. A propósito, um pouco de Grizzly Bear:

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