segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Música versus realidade

Aviso: o texto que você está prestes a ler é um devaneio - se não curte, tchau.

Como toda pessoa apaixonada por música (e como todo mundo que foi educado por meio do cinema e de séries de TV, sejamos francos), tenho carinho pela ideia de trilha sonora da vida: ligar paixões, fossas, alegrias, tristezas a determinadas músicas. Para isso, nada melhor do que canções - e pode entrar aí o pop mais sem vergonha, baladas corta-pulso, "Wicked Game"...

Por outro lado, cada vez mais me sinto atraída por músicas impossíveis de serem relacionadas a qualquer coisa que não elas mesmas - e diria que 90% do conteúdo deste blog trata justamente desse tipo de linguagem. São músicas que parecem inclusive existir em um tempo diferente do tempo do relógio, que não servem para preencher os momentos da vida com sons e sim para arrancar o ouvinte dessa coisa que chamamos realidade. Das músicas estilo "trilha sonora da vida" posso extrair um grande prazer momentâneo, mas transcendência mesmo só consegui com as do segundo tipo.

Mas deixemos o umbigo um pouco de lado. A ideia de música como algo que não faz parte do mundo cotidiano não brotou agora da minha cabeça. O futurista Luigi Russolo, no manifesto L'arte dei rumori (A arte dos ruídos), de 1913, defendia que:

Entre os povos primitivos, o som era atribuído aos deuses. Era considerado sagrado e reservado aos sacerdotes, que o utilizavam para enriquecer seus sitos com mistério. Assim nasceu a ideia do som como algo em si mesmo, diferente e independente da vida. E disso resultou a música, um mundo fantástico sobreposto sobre o real, um mundo inviolável e sagrado.

O mesmo pensamento aparece de vez em quando em entrevistas com artistas que admiro. Por exemplo:

Dimitri, uma das vozes guturais por trás do insano Phurpa (banda russa de música tibetana), afirmou, em entrevista ao Intervalo Banger, que a música do grupo não tem qualquer emoção ou "elo com a realidade do cotidiano".



Em entrevista ao site Pitchfork que acabou de ir ao ar, Michael Gira não chegou a ser tão explícito, mas disse que curte guitarras com volume alto porque gosta de "como você pode perder todo seu ser no som".



E mesmo na conversa que tive com Flo Menezes ele ressaltou que "Com a maioria das peças em que você se confronta com uma complexidade que te absorve, a tendência é abstrair o tempo. E quando você abstrai o tempo você vai para uma dimensão onírica".




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