Mats Gustafsson, responsável por um dos melhores discos de 2012, The Cherry Thing, começou 2013 com uma outra deliciosa pedrada na cabeça. Exit! reúne o trio Fire! (que tocou no Brasil em 2011 no festival Jazz na Fábrica) e outros 28 músicos de free jazz, noise, rock experimental e avnt garde da Suécia. As letras são de Arnold de Boer, vocalista atual do The Ex. O disco me pegou desde a primeira audição, há mais ou menos um mês atrás, e desde então venho ensaiando escrever um texto sobre o que faz o álbum tão incrível - e, surpreendentemente, não foi tarefa fácil.
Embora Exit! tenha inegavelmente um ar de frescor, ao analisar friamente a música, não encontrei nada que já não tenha sido explorado antes, inclusive no The Cherry Thing (e ainda há algo totalmente novo a ser explorado na música? a dúvida paira no ar). O que parece ser o grande trufo do disco é levar técnicas e ideias à quase perfeição. Por exemplo, o uso de uma base repetitiva.
O baixista Johan Berthling é um herói, simples assim. Porque só com senso rítmico aguçado e ego sob controle é possível fazer o que ele faz. Na primeira faixa do disco (Exit! é composto por duas faixas, uma de pouco mais de 19 minutos e outra de 25) ele passa nada menos do que 10 MINUTOS executando em loop uma sequência de três notas, e depois mais uns oito minutos tocando uma sequência de oito notas. Enquanto o baixo se mantém firme e forte na base, a música passa por diferentes climas, mudanças de dinâmica, momentos de calmaria e de explosão sonora com vários instrumentos improvisando ao mesmo tempo.
Até aí, nada de novo no front - quantos artistas já não usaram essa técnica antes? Mas o fato é que esse recurso faz com que a música de Exit! seja ao mesmo tempo experimental e cheia de groove, uma música elaborada que pode ser apreciada com o corpo e não só com o cabeção. Para isso, também colaboram o trabalho das cantoras Mariam Wallentin e Sofia Jernberg (que passeiam pela psicodelia à lá Jefferson Airplane, pela sensualidade à lá Neneh Cherry e pelos experimentos vocais à lá Diamanda Galás) e pelo uso de crescendos que pouco a pouco levam a música ao clímax. Novamente, Mats Gustafsson não inventou a roda - mas aprendeu direitinho a manejá-la para nosso prazer auditivo.
Finalmente, Exit! trabalha com diferentes gêneros musicais. Como Mats Gustafsson disse na matéria de capa da Wire de março: "... ver se você pode combinar, por exemplo, riffs dessa qualidade, que têm mais a ver com coisas de krautrock ou rock alternativo, e a liberdade do free jazz e do noise, e uma canção, letras - ver como tudo isso trabalha junto, ou então o atrito, a energia que dá à música". A fala do saxofonista logo me remeteu a uma das teorias que Simon Reynolds desenvolve em Retromania: de que boa parte da música feita hoje não é inspirada na vida e sim na coleção de discos do seu criador. É muito mais um trabalho de curadoria do que de invenção.
No entanto, a abordagem de Mats Gustafsson é de outra natureza. Embora ele pague tributo a ídolos como Peter Brötzmann e Don Cherry, ele não tem nenhuma preocupação com resgatar tradições, manter o jazz vivo ou qualquer coisa do gênero. Dá para perceber no som a empolgação do moleque de 18 anos que encontrou em Machine Gun a mesma energia das bandas punks que ouvia na sua cidade-natal no norte da Suécia. E assim Mats Gustafsson seguiu fazendo música sem nenhuma dívida com o passado nem com o futuro. O presente agradece.
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