quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Troféu como não escrever sobre música - and the winner is...

Gosto de músicos que refletem sobre a arte que fazem, gosto de músicos que escrevem essas reflexões e gosto do Liturgy. Dessa forma, foi com a maior boa vontade que li o manifesto "Transcendental Black Metal", escrito por Hunter Hunt-Hendrix, vocalista-guitarrista da banda. Mas nem toda a boa vontade do mundo seria suficiente para achar qualquer coisa de prestável em suas (felizmente poucas) páginas. É um pastiche de Nietsche, Marx, Walter Benjamin, conhecimentos primários de física, química e biologia, frases de efeito e metáforas, tudo embalado por uma escrita tosca e repetitiva.

É tão absurdamente LIXO que me dei ao trabalho de traduzi-lo, só para que mais gente consiga entrar em contato com essa peça rara da pseudo-filosofia musical. Se você não sabe o que é vergonha alheia, aqui está uma chance de provar o gostinho agridoce do constrangimento. Mas antes do horror, um clipezinho do Liturgy, só pra provar que a banda é realmente interessante, embora com alguns probleminhas (falarei sobre ela em breve...):




Black Metal Transcendental - Uma visão do humanismo apocaliptico

Prologomenon

Alguém pode propor um novo significado para o black metal junto com uma nova gama de técnicas para ativar esse significado. O significado do Black Metal Transcendental é Afirmação, e sua nova técnica é o Burst Beat.

A vontade de potência possui dois estágios. O primeiro pode ser chamado de Fortificação; o estabelecimento de um paradigma ou conjunto de regras e, consequentemente, a exploração do potencial que está contido nesses limites. O segundo estágio pode ser denominado Sacrifício; uma auto-destruição, uma auto-superação na qual as regras iniciais, completamente digeridas e satisfeitas, são então mutiladas. Elas são transformadas na base de algo novo e inédito.

Black Metal Transcendental é o black metal no modo de Sacrifício. É a retirada das características superficiais e uma nova exploração da essência do black metal. Como tal, é solar, hipertrofiado, corajoso, finito e penúltimo. Seu tom é a Afirmação e sua técnica-chave é o Burst Beat.

Hoje, USBM vive à sombra do Black Metal Hiperbóreo. Chegou a hora de uma ruptura decisiva com a tradição europeia e o estabelecimento de um black metal verdadeiramente americano. E devemos falar “americano” em vez de “US”: os US são um império em declínio; a América é um ideal eterno que representa dignidade humana, hibridização e evolução criativa.

O ato de reniquilação é a traição do Black Metal Hiperbóreo e a afirmação do Black Metal Transcendental. E é, ao mesmo tempo, a constituição de um humanismo apocalíptico a ser chamado de Aesthetics. Assim sendo, a questão do Black Metal Transcendental é somente a ponta do iceberg em cuja base está escondida uma nova relação entre arte política, ética e religião.

Parte I - A morte de Dead

O vazio tátil como causa final

A história do metal pode ser considerada em termos de níveis de intensidade. Considerado dessa maneira, o black metal mostra-se como a culminação ou ponto final dessa história, e também uma rua sem saída.

O desenvolvimento histórico do metal extremo não é uma série acidental de mudanças estilísticas. É teleológica – governada por um Ideal, ou uma causa final, vagamente entendido porém intensamente sentido. Essa causa final é chamada de Vazio Tátil.

O Vazio Tátil é um valor de intensidade hipoteticamente total ou máximo. É o horizonte da história do metal.

A orientação em direção ao Vazio Tátil é expressa como sentimento. O sentimento é uma unidade, mas em pensamento podemos dividi-lo em quatro elementos:

Há, em primeiro lugar, uma certa contração muscular, uma constrição das mandíbulas, pulsos, braços e tórax.
Em segundo, há um afeto: uma certa agressividade ou brutalidade, uma sensação paradoxal de poder, destruição, plenitude e vazio.
Em terceiro, esboça uma satisfação primordial relacionada ao afeto que age normativamente. Bom metal produz um aroma satisfatório de contração, constrição e afeto brutal.
Finalmente, há um je ne sais quoi vagamente discernível que diz “não é suficiente”. Uma insatisfação complementar – como se qualquer colapso brutal não fosse brutal o suficiente. É uma fissura, uma rachadura, uma falta de ser. Uma insuficiência comparada à plenitude prometida. Talvez seja a incapacidade de qualquer música concreta se equiparar à inspiração que a gerou. Paradoxalmente, essa insatisfação é sentida em proporção direta ao nível de seu complemento.

É essa insatisfação, esse quarto elemento, que faz com que o metal extremo desenvolva novos estilos ao longo do tempo. É o impulso da causa final. Esse buraco, essa fissura, é o anjo que guia a história do metal. Vemos o metal marchar em direção ao vazio, deixando thrash, death metal e black metal, sucessivamente, como resultado.

Mas a promessa feita pelo Vazio Tátil é uma mentira. Só sua ausência se faz presente.

Transilvanian Hunger

Black Metal Hiperbóreo é a culminação da história do metal extremo. O Black Metal Hiperbóreo nasceu no Círculo Ártico, que é tradicionalmente conhecido como região Hiperbórea. A região Hiperbórea é uma terra não cultivada porque falta periodicidade. Não há morte ou vida lá, porque o sol não nasce nem se põe.

Black Metal Hiperbóreo é a culminação da história do metal extremo (que é a culminação da história da Morte de Deus). O sujeito dessa história pode ser comparado a um alpinista, fazendo manobras sobre e através os vários terrenos de thrash, grindcore e death metal – ou então, escavando esse terrenos nas encostas das montanhas – e lutando para alcançar o Vazio Tátil, vagamente entendido porém fortemente sentido, vislumbrado claramente do cume.

Black Metal Hiperbóreo representa a chegada do alpinista ao pico e um suposto salto a partir dali, indo diretamente para dentro do Vazio Tátil. Uma intensidade total, máxima. Uma completa enchente de som. Uma plenitude absoluta.

Mas lá ele aprende que não é possível distinguir a totalidade do nada. Ele aprende que é impossível saltar para dentro do horizonte. E ele é deixado, abatido e sozinho, na região Hiperbórea. É um lugar morto e estático, uma terra polar onde não há oscilação entre dia e noite. Mas estase é atrofia. A região Hiperbórea está morta com pureza, totalmente absoluta, imutável e eterna. O alpinista passa por uma apostasia profunda que ele não consegue entender completamente e chega ao niilismo.

A técnica do Black Metal Hiperbóreo é o blast beat. Black metal puro, representado por Transilvanian Hunger, significa open strumming e um blast beat contínuo. Mas o blast beat puro é a própria eternidade. Sem figuras articuladas, sem começo, sem fim, sem pausas, sem variação de dinâmica. É um pássaro planando no ar sem nenhum lugar para pousar nem por um momento. O que a princípio parecia um grande clamor decai para um zunido atrofiado. Tendo escalado até o topo da montanha, o alpinista se deita e congela até a morte.

Parte II - A afirmação da afirmação

América

Black Metal Transcendental representa uma nova relação com o Vazio Tátil e a auto-superação do Black Metal Hiperbóreo. É uma sublimação do Black Metal Hiperbóreo tanto no aspecto espiritual quanto no aspecto técnico. Espiritualmente, transforma o niilismo em afirmação. Tecnicamente, transforma o Blast Beat em Burst Beat.

Espiritualmente, nós reconhecemos o niilismo e nos recusamos a afundar nele, tarefa que parece impossível. Black Metal Transcendental é Reniquilação, um “Não” a toda gama de Negações, o que se transforma na afirmação da continuidade de todas as coisas.

Black Metal Transcendental é a reanimação da forma do black metal com uma nova alma, uma alma cheia de caos, furor e êxtase. Um clamor alegre especificamente americano que também é um tremor. Ou talvez seja o ato oposto: a retirada da casca de convenção, a pele morte de clichês e uma nova exploração da alma viva do black metal, com objetivo de reativar sua mais pura essência e produzir algo que cresce a partir disso mas não se parece com suas encarnações passadas por ser construído desde a fundação em tempo e espaço diferentes. Construído na América. Uma América que nunca existiu e possivelmente nunca irá existir. Uma América que representa o humanismo apocalíptico de William Blake. A América celebrada na Appalachian Spring de Aaron Copeland ou Skies of América de Ornette Coleman.

Essa América é uma metáfora da criatividade pura e irrestrita, o exercício corajoso da vontade e a alegre experiência da continuidade da existência. Uma celebração da evolução híbrida e criativa.

O Burst Beat

A espinha dorsal do Black Metal Transcendental é o Burst Beat. O burst beat é um hiper blast beat que tem fluxo e refluxo, se expande e se contrai, respira. Substitui morte e atrofia por vida e hipertrofia. Essa transformação é conseguida por duas partes essenciais: aceleração e ruptura.

A primeira parte essencial do burst beat é aceleração. O burst beat acelera e dasacelera. Tem fluxo e refluxo. Esse fluxo espelha a vida assim como estimula a vida. Expande e contrai como a maré, a economia, dia e noite, inspiração e expiração, vida e morte.

A segunda parte essencial do burst beat é a ruptura. O burst beat consiste de rupturas repentinas e transições de fases. Como todo sistema natural, passa repentinamente de um estado para outro. Pense no cavalo quando muda do andar para o trotar para o galope. Pense na água quando passa do gelo para o líquido para o gás. O momento da ruptura é o momento de transcendência. O que é sagrado senão o momento em que a água vira vapor? Ou o momento em que o andar se transforma em correr?

O burst beat expressa um arco de intensidade. Ele responde e suplementa o fluxo melódico em vez de oferecer um receptáculo ou pano de fundo rítmico. A taxa de mudança de tempo, tanto positiva quanto negativa, corresponde a um nível de intensidade. Qualquer tempo estático é um grau zero.

O burst exige total despesa de poder e seu próprio exercício fomenta o crescimento e aumento de força. E ainda assim o burst beat nunca chega a lugar nenhum, eternamente “ainda não” ao seu destino final, eternamente “quase” no tempo alvo. Como um nômade, o burst beat sabe que nunca irá chegar.

Espelhando a vida, o burst beat estimula e fomenta a vida. Fomentando a vida, o Black Metal Transcendental afirma a vida.

Hiperbóreo Transcendental
niilismo afirmação
atrofia hipertrofia
blast beat burst beat
lunar solar
perversão coragem
o infinito o finito
pureza penultimidade


Propriedades

O Black Metal Transcendental existe como uma unidade, mas em pensamento pode ser analisado por sete propriedades:

Por que o Black Metal Transcendental é afirmativo?
O Black Metal Transcendental é, de fato, niilismo, no entanto é um niilismo duplo e um niilismo final, uma negação de uma vez por todas de uma série inteira de negações. Com esse “Não” final, chegamos a um tipo de afirmação vertiginosa, uma afirmação que é tensa, aterrorizada, não sentimental e corajosa. O que afirmamos é a condição factual do tempo e a incapacidade de decidir o futuro. Nossa afirmação é uma recusa à negação.

Por que o Black Metal Transcendental é hipertrofiado?
Crescimento é vida, estase é decadência. Estamos comprometidos a lutar eternamente, vivendo um tipo de revolução permanente. Assim como um músculo bem exercitado é belo e poderoso, seremos belos e poderosos. Na verdade, não existe estase. A única escolha é entre atrofia e hipertrofia. A celebração da atrofia é confusa, fraca e neurótica. A celebração da hipertrofia é honesta e viva.

Por que o Black Metal Transcendental é solar?
O Black Metal Transcendental é solar em três respeitos, seguindo três aspectos do sol: periodicidade, intensidade e honestidade. O sol permite que as coisas nasçam e cresçam, para que morram. O burst beat é periódico porque nasce e se põe como o sol. O sol encanta e queima. Participamos na intensidade porque não somos sentimentais e sabemos que a morte chega. Mas por que não seguir um objetivo, seguir o sol e perseguir seus dons? Por que não ficarmos em chamas em vez de diminuir até virar uma partícula de areia? O sol representa a Verdade e revela tudo o que toca. Somos honestos porque nos recusamos a espreitar das sombras, nos recusamos a apontar o dedo, nos recusamos a praticar nossos ritos em segredo. Não somos doentios, malvados, odiosos. Não nos escondemos atrás de figurinos e parafernália.

Por que reverenciamos o finito em vez do infinito?
O que é sagrado é dar cada passo. Cada decisão honesta. O infinito é óbvio e está em todos os lugares. Comprometer-se com o finito requer coragem e produz hipertrofia. Deus é infinito, a natureza é infinita. O infinito está em todos os lugares e é vulgar. O finito sim é raro. O finito sim é peculiar à humanidade. A finitude significa confrontar o que está presente à mão autenticamente e fazer o que é honesto com os meios à disposição. O solar nutre o finito. O finito nasce, luta e morre.

Por que reverenciamos a penultimidade?
O Black Metal Trancendental sacraliza o penúltimo momento, o “quase” ou o “ainda não”, porque descobriu-se que não há nada após o penúltimo momento. O penúltimo momento é o momento final, e acontece a todo momento. O tecido da vida é aberto. Não há nada que seja completo; não há nada que seja puro.

Por que o Black Metal Transcendental é corajoso?
A coragem é aberta e rústica. Coragem significa voar em direção ao horizonte sem a garantia de um local para pousar. Coragem é o salto ativo e honesto de um momento para o outro. Sem dissimulação, sem desculpas, sem ironia, sem reclamações. A Coragem não possui objeto de ataque. A Coragem não é gasta, desapontada e sem emoção. A Coragem não é um voo na fantasia e na nostalgia. É o oposto de Perversão. Perversão é liberdade falsa. Um dardo venenoso atirado das sombras. Um recuo que parece avanço. Um ataque que é na verdade apenas um escudo. Perversão é dissimulação; coragem é autenticidade. A Coragem não tem imagem de si mesma. É inovadora. Não tem nenhum caminho anterior. Seu único traço é o rastro que deixa por onde passa.

Epílogo - Sete teses sobre Aesthetics

1. Black Metal representa uma auto-superação da Contracultura e a ascensão de Aesthetics.

2. Aesthetic poderia ser uma terceira modalidade da arte ao lado do cômico e do trágico. Nem açucarado nem irônico, sem preocupação em relação tanto à verdade inefável quanto ao que é muito óbvio. Seria uma arte diretamente neural fomentando alegria, saúde, ressonância, despertar, transfiguração e coragem.

3. Aesthetic é estético, ascético e ético.

4. Os antigos identificaram o Verdadeiro, o Bom e o Belo. Depois que a poeira baixar e o trabalho da modernidade e da pós-modernidade estiver feito, e a as divisões entre alta cultura, cultural de massa e contracultura não existirem mais, o que sobra? Uma única, brilhante Cultura que é Verdadeira, Boa e Bela.

5. Na era da informação, a cultura passou da superestrutura para a base. Despida de poder de coerção há tempos, a cultura agora é tida como uma força econômica sem precedentes, que intensifica seu poder espiritual, poder sobre corações e mentes. A questão de qual deve ser sua função permanece.

6. O assassinato de Euronymous por Varg Vikernes aparece como o gesto fundador da tradição do black metal. Na verdade, é um mero mito de origem, encobrindo seu verdadeiro gesto fundador. O verdadeiro gesto, embora menos notório, é o suicídio de Dead. Compare o “eu traí a contracultura” de Cobain com o “eu me traí pela contracultura” do Dead. A morte de Dead inaugura secretamente o nascimento do black metal e a morte da contracultura como tal. Só a ausência da voz de Dead assombra De Mysteriis, então a recente volta de Attila para o Mayhem significa que estamos prontos para explorar as implicações do suicídio de Dead.

7. Aesthetics é a ressurreição da aura e uma afirmação do poder do significado de significar.

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