domingo, 27 de maio de 2012

Roger Turner e Urs Leimgruber em São Paulo


Fui ontem assistir ao show do baterista Roger Turner e do saxofonista Urs Leimgruber com integrantes do Abaetetuba - Thomas Rohrer (sax e rabeca), Panda Gianfratti (percussão), Rodrigo Montoya (shamisen e violão) e Luiz Gubeissi (baixo acústico) na B_arco, uma galeria de arte contemporânea com um teatro bem legal para apresentação de grupos de câmara. E o que aconteceu ali no palco foi um negócio incrível, seis músicos virando seus instrumentos do avesso e ainda se valendo de bugigangas mil (varetas, arcos, pequenos objetos de metal e até o vilão ambiental do momento, o saco plástico) para criar uma experiência sonora única, impossível de ser copiada e de ser reproduzida.

Tentar descrever objetivamente o show, além de ser um malabarismo linguístico praticamente impossível, é inútil: tudo estava sendo registrado com microfones e câmeras profissionais e deve cair na rede em breve. Então, no lugar de uma resenha convencional, resolvi fazer um devaneio sobre a relação dos instrumentistas e seus instrumentos.

Acontece que o primeiro set (um trio formado por Turner, Rohrer e Montoya) foi marcado por sons de atrito: varetas pontudas sendo arrastadas pelo corpo do violão, garfos arranhando as peles da bateria, só para citar alguns exemplos. E eu logo pensei: "Pessoas que cuidam muito bem dos seus instrumentos teriam um infarte vendo isso". Mas conforme as apresentações foram se sucedendo (depois teve um trio com Panda, Urs e Gubeissi e, no fim, os seis se juntaram para mandar tudo pelos ares), percebi que era justamente o contrário: os músicos não estavam maltratando seus pobres instrumentos e sim explorando toda e qualquer possibilidade de extrair som, estavam desbravando cada reentrância, descobrindo dezenas de novas possibilidades - era amor e não agressão.

Foi por causa dessa relação peculiar que uma rabeca pode ficar ao lado de um shamisen sem que isso pareça uma tentativa barata de exotismo - libertados do lastro com a tradição nordestina e japonesa, eles eram apenas pedaços de madeira e cordas. Era como se a história de cada instrumento ali tivesse sido zerada. Mas não se deixe enganar pela abordagem naïve: ninguém ali é turista, são todos músicos super experientes, que dominam a arte de tocar convencionalmente seus instrumentos e se valem dessa técnica o tempo todo.

Há uma frase no livro do Derek Bailey sobre improvisação de que gosto bastante: "Opiniões sobre a música livre são abundantes e diferem bastante entre si. Vão desde a visão de que tocar livremente é a coisa mais simples do mundo e não precisa de explicação, até a visão de que é tão complicada que não é possível de ser discutida". Ali, no teatro da B_arco, ambas as opiniões pareceram fazer todo o sentido. A improvisação livre não é o caminho do meio e sim a combinação dos extremos.

Que continue assim.

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Um comentário:

Tiago Mesquita disse...

Infelizmente, perdi essa apresentação. Queria muito ver a dupla tocar com o pessoal do Abaetetuba. Já tive a oportunidade de ver o Roger Turner tocar algumas vezes, acho que com essa visita umas 6, e sempre me impressiono que ele consegue dar à bateria. em primeiro lugar que ele deixa de ser um instrumento de marcação de andamento e mesmo de realce de pulsos fortes e fracos.

Sem contar os glissandos que ele faz. Temos a impressão que os instrumentos de prcussão são cada vez mais diferentes. A caixa se parece com uma oficina mecânica, britadeira, sino, instrumeno de corda.

Anteontem, no S/A, eles enfrentaram adversidades e fizeram delas uma limonada. A música parecia pertencer à essas adversidades. Talez tenha sido a apresentação mais ruidosa e radical de ambos que vi.