segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Clássicos do dia 7: Metal Machine Music - Lou Reed



O urinol de Lou Reed

Na sexta-feira, dia 4 de fevereiro de 2011 fiz uma resolução: iria ouvir de uma só vez os quase 65 minutos de Metal Machine Music – e tentar não entrar em colapso durante o processo.

Figura fácil em listas de piores discos de todos os tempos, esse álbum duplo lançado por Lou Reed em 1975 é barulho em estado bruto, uma torrente amorfa de distorção, feedback, ruídos de fitas em rotação acelerada e microfonias capazes de matar um chiuaua. Perto dele, qualquer disco do Sonic Youth parecer canto gregoriano. E não é nem uma experiência transcendental, em que lampejos de beleza despontam do aterro de barulho – como é com Glenn Branca e os eletroacústicos. MMM está na mesma categoria de Leng Tché e Delirium Cordia (discos sobre os quais falei aqui): é terrorismo sonoro, tortura por meio de frequências. Aliás, é pior que os outros dois discos, pois aqueles ainda têm uma narrativa (ainda que narrativa de filme de terror gore), enquanto MMM vai do nada a lugar nenhum – e ainda leva parte da lucidez e da audição do ouvinte no caminho. Então por que Lou Reed lançou essa porra e, até hoje, sai pelo mundo fazendo shows com um “repertório” semelhante? Ato de rebeldia/sadismo? Provavelmente. Mas não é só isso.

A arte possui suas limitações, suas fronteiras (claro, se não houvesse fronteira nenhuma, tudo seria arte, portanto nada seria arte, e portanto ela nem existiria). Artistas de importância, aqueles lembrados por séculos a fio, são justamente os que alargam essas fronteiras. Na maioria das vezes, isso é feito de maneira sutil, uma transformação lenta e gradual. Mas de vez em quando acontece de um louco criar uma obra com linguagem tão distante das antigas fronteiras que a primeira reação do público será um berro de “Isso não é arte!”. Essas são as obras de vanguarda.

A função delas não é propiciar experiências prazerosas ao público, e sim abalar suas estruturas psíquicas, fazendo toda uma sociedade rever seus conceitos de arte e beleza. A alegoria é meio boba, mas imaginemos a arte como um círculo. Num momento x ele tem 20 km de diâmetro. A expansão abrupta provocada por alguma obra de vanguarda faz com que o círculo passe a ter 25 km de diâmetro. E o que isso significa? Significa que tudo o que existe nesses 5 km passa a ser possível. Dessa maneira, Metal Machine Music, de 75, pavimentou o caminho para a no wave, o Sonic Youth, as sinfonias de guitarra de Glenn Branca, a música industrial.

Metal Machine Music é comparável ao urinol de Duchamp: feio, incômodo e aparentemente sem sentido, porém absolutamente necessário para o que entendemos hoje como arte.
Aqui estão alguns reviews legais de MMM. O primeiro, do Lester Bangs, é impagável:

http://www.rocknroll.net/loureed/articles/mmmbangs.html

http://www.guardian.co.uk/music/2010/apr/11/morley-lou-reed-metal-machine

http://www.rollingstone.com/music/reviews/album/2747/21123

ps: A quem interessar possa, saí ilesa da experiência de encarar MMM. Agora, se eu vou escutá-lo de novo? Talvez... mas não nessa encarnação.

2 comentários:

Anônimo disse...

otimo review, vou tentar escutar o disco inteiro rs

Raquel Setz disse...

Depois conte como foi a experiência - se sobreviver, é claro. rs