terça-feira, 7 de junho de 2011

Clássicos do dia 7: Machine Gun - The Peter Brötzmann Octet


Estou me inflitrando bem devagarinho e com bastante cuidado no mundo do free jazz/improvisação livre/composição instantânea/ invente-mais-um-nome-pra-colocar-aqui. Por isso nem vou me meter a especular sobre o porquê da importância de Machine Gun e em que sentido ele dá continuidade ou quebra com a "tradição" iniciada por Ornette Coleman, John Coltrane, entre outros. Vou apenas apontar alguns aspectos que considero interessantes nesse disco lançado no mítico ano de 1968:

Instrumentação não convencional - nessa época, o grupo contava com dois baixistas (que usavam arco) e dois bateristas.

Ruído e cacofonia - imagine oito músicos tocando ao mesmo tempo. E imagine que não há ritmo, harmonia ou tema os conduzindo. E imagine que dos instrumentos não saem notas e sim gritos, guinchos, engasgos, fricções.

Agressividade - Imagine que em vários momentos do disco tudo o que eu citei no item acima aparece em volume alto e com um ataque tão forte que parece que os instrumentos estão ligados na distorção. Fora as bateras quase death metal. Machine Gun, como o nome já sugere, é brutal. O que eu acho ótimo. A esmagadora maioria da produção cultural na sociedade de consumo (incluindo aí não só a arte, mas a publicidade, livros de não-ficção e programas de rádio/TV) passa a mão na cabeça do público: “você é especial”, “você merece o carro do ano”, “vencer só depende de você”, “você vai encontrar o amor da sua vida” e mais toneladas de baboseiras que nos são empurradas goela abaixo diariamente. Resta à Arte com “A” maiúsculo a tarefa de nos dar uns sopapos de vez em quando, tirando-nos do estado de indiferença no qual passamos a maior parte do tempo.

Caos controlado - apesar de não ter um tema e uma sequência de acordes sobre os quais se basear, as faixas de Machine Gun acompanham um desenho. Isso é claramente perceptível ao ouvirmos os dois takes da faixa-título. Embora sejam diferentes (tanto que um tem 14 minutos e o outro, 17), eles têm um padrão em comum: ambos começam com os instrumentos de sopro emulando som de metralhadora, em seguida a poeira baixa um pouco, entra o piano e momentos de jazz tradicional são intercalados com intervenções barulhentas, depois vem o momento “contrabaixos from hell”, e assim por diante. No finalzinho, mais uma vez o barulho de metranca.

Mudanças de clima - se com o tipo mais caretão de jazz a impressão do ouvinte é a de estar parado assistindo a um (tedioso) desfile de solistas, com Machine Gun temos a sensação de que a música está nos conduzindo por paisagens diversas – obra das mudanças de dinâmica, andamento, instrumentos, intenções...

Pequenos momentos de ordem - também na faixa-título (e em ambos os takes), é possível encontrar dois momentos de ordem, em que uma melodia surge do meio do caos. No primeiro, apenas os sopros ensaiam um teminha, repetido só quatro vezes e logo dissolvido na bagunça sonora. No segundo, todos os instrumentos entram e até parece que a música vai se ordenar, mas, instrumento por instrumento, esse também vai desmoronando. O mais interessante é que são frases absolutamente banais, mas que nesse contexto de cacofonia ganham uma força absurda. São pequenos vislumbres de ordem em meio à entropia – e é somente por causa da entropia que essas “visões” parecem tão especiais. Na faixa Responsible rola uma coisa parecida, só que com um toque afrocaribenho.

Han Bennink - um dos bateristas que participou da gravação, esse quase septuagenário continua alive and kicking. Veio fazer um show no Brasil no fim do ano passado e eu o entrevistei para a Soma. Quando perguntei sobre a experiência com Brötzmann (além de ter tocado com o saxofonista alemão, a última faixa de Machine Gun se chama Music for Han Bennink), ele não teve a menor cerimônia em dizer que foi uma droga. Sinceridade é isso aí.



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