terça-feira, 23 de novembro de 2010

Ooooops

Na minha listinha de ontem, esqueci de uma importante:

5. I IN U, da Laurie Anderson, no CCBB


Eis que uma exposição com fotos, vídeos e muitas instalações sonoras da artista multimídia e ícone da vanguarda Laurie Anderson desembarcou em Sampa, no CCBB. Ocupando quatro andares do prédio e reunindo trabalhos de 1970 até os dias de hoje, I IN U tinha tudo para ser uma puta exposição de cair o queixo. O único problema é que 90% das obras sonoras estão inaudíveis. Sem isolamento acústico entre as instalações, o que se ouve é uma cacofonia dos infernos. Isso sem contar o barulho que vem da rua (como é no centrão e a porta fica aberta, joga uns 80 decibéis aí), da cafeteria e dos funcionários do lugar, que conversam alto e cantam (é, CANTAM) no meio das obras. No dia em que fui, ainda fui presenteada com dois grupos de crianças não muito educadas e uma professorinha que, ao ver as diversas obras cuja temática é o sono e os sonhos, soltou a seguinte pérola:
- Como essa Laurie gosta de dormir! Tô achando que ou ela é preguiçosa, ou tem anemia ou então está esperando o príncipe encantado vir dar um beijo.

Mas mesmo em meio ao caos foi possível apreciar algumas obras, como 'Night Life', em que sonhos bizarros são descritos em pequenos textos e ilustrados com lindos desenhos digitais, a instalação multimídia (vídeo, músicas e objetos) 'Delusion' com sua perturbadora história da cadela Loebelle, o caderno com instruções sobre como virar as páginas de um caderno, e a genial 'Handphone Table', em que os braços e mãos do público se tornam fones de ouvido - pena que, por estar no hall de entrada com toda a barulheira do centro e uma tv passando a gravação de uma performance de Anderson, não deu pra ouvir muita coisa.

A seguir, um videozinho sobre 'Delusion':

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Breve apanhado do último mês

Algumas coisas que vi/ouvi no tempo que passei sem postar:

1. Lançamento da Caixa Preta de Itamar Assumpção


Finalmente, o box contendo a discografia toda do mestre + dois álbuns de inéditas foi lançado e, pra marcar o acontecimento, rolaram vários shows no SESC Pompeia. Todos os discos foram apresentados quase na íntegra durante três fins de semana, com dois discos/shows por noite. A primeira noite, de 15 de outubro, foi com a clássica Banda Isca de Polícia fazendo o ainda mais clássico Beleléu Leléu Eu, e com os mineiros do Porcas Borboletas tocando Às Próprias Custas s.A. O show da Isca (entrevistei a banda pro site da +Soma, aqui) foi incrível e emocionante, com Suzana Salles e Vange Milliet quebrando tudo nos vocais e na performance. Zena, a viúva de Itamar, estava sentada em uma mesa da choperia, e enquanto a banda tocava Baby, lembrava dela me contando que essa música foi feita pra ela. Foi difícil segurar a lagriminha. E o pessoal do Porcas mandou bem recriando o disco mais difícil da carreira de Itamar.

No dia 16 de outubro, teve Anelis Assumpção fazendo Sampa Midnight, que talvez seja o meu favorito do Nego Dito, e Karina Buhr Intercontinental. Curti bastante os dois, e fiquei bem surpresa com a Karina. Tinha visto uma participação dela num show em homenagem ao Manguebeat e achei nada de mais. Mas a garota apavorou transformando Filho de Santa Maria em embolada, Sexto Sentido em rock pesadão e Zé Pelintra em ponto de terreiro (cantou acompanhada apenas de atabaques, que ela mesma tocou). As participações de Elke Maravilha, falando sobre a morte de um jeito leve e bonito ("O Itamar foi brincar de outra coisa, daqui a pouco eu vou também") e cantando uma música em alemão sobre a guerra foi foda. E Denise Assunção no meio da plateia cantando Parece que foi ontem parecia uma força da natureza. Lindo.

No dia 23 foi a vez das Orquídeas do Brasil apresentarem o primeiro volume da trilogia Bicho de 7 Cabeças. Não sou uma mega fã dessa fase do Itamar, mas reconheço o trabalho profundo de artesanato musical que há ali. O problema das Orquídeas, a meu ver, é o teclado, que além de ser desnecessário em uma banda com trocentas musicistas, tem um timbre horroroso. Mas o show foi bem bacana, principalmente pela participação de Alzira e Tetê Espíndola e pela inclusão da música Sei dos Caminhos, uma das melhores parcerias de Ita e Alice Ruiz e que, apesar de sempre tocada nos shows das Orquídeas, nunca foi gravada.

O show que veio em seguida, de Mariela Santiago, foi o que se pode chamar, sem injustiça, de DESASTRE. A cantora tem ótimos músicos na banda e a mistura de diversos gêneros da música negra é bem interessante, mas o que ela fez com as faixas do volume 2 da trilogia foi um crime. As faixas do disco devem ter, em média, 3 minutos. No show, cada música durou uns 10. No começo, ela embromava minutos a fio, depois repetia a letra umas 5 vezes e embromava mais um tanto no final. Metade da plateia estava vazia no fim do show e quem ficou até o fim saiu reclamando.

Sobre a Caixa Preta não vou falar agora, porque uma resenha minha sairá na próxima edição da +Soma. Boto o link aqui depois.

2. Festival de Jazz de Cascavel
Aí aconteceu uma coisa engraçada: fui ao Oeste paranaense ouvir música brasileira instrumental e, por conta da trilha sonora dos ônibus que vão de Cascavel para cidades vizinhas, acabei tendo um intensivão de sertanejo universitário, pagode de corno e dance music - e tenho que confessar que em alguns momentos essa parte inesperada foi mais divertida e agradável que a outra. O primeiro dia foi ótimo, com os catarinenses do Rio Vermelho fazendo um som com melodias cativantes e sem solos longos, e a super banda formada pelo pianista Nelson Ayres, o violonista Ulisses Rocha e o acordeonista Toninho Ferragutti. O terceiro dia foi bom, com o show de Marcell Powell, filho de Baden que toca pra cecete, tem uma boa escolha de repertório, mas às vezes enche o saco com subidas e descidas de escala nos looongos solos (aliás, achei o solo do baixista da banda o melhor da noite) e o chatinho Portinho Trio (saca piano bar? quase isso).

Mas queria mesmo falar do segundo dia, que foi insuportável. E escolho comentar mais sobre esse não porque eu goste de falar mal das coisas, mas porque ele abriu uma brecha pra eu dizer algumas coisas que estão entaladas na garganta há alguns anos. Vamos lá: o primeiro show, do pianista Gilson Peranzetta e do saxofonista/flautista Mauro Senise não me empolgou (clima piano bar, de novo), mas não ofendeu. O segundo show, do guitarrista Ricardo Silveira, é que foi dose.

Existe um dogma de que jazz é uma música de alto nível e, portanto, tudo o que recebe o rótulo jazz deve ser respeitado (ou melhor, venerado), e quem criticar é um ignorante. Mas, como os livros sagrados, bandas e artistas de jazz não só podem como devem ser criticados, se não quisermos nos tornar fundamentalistas musicais. O que se viu no palco do Cascavel Jazz Festival no show de Ricardo Silveira, foi o máximo da falta de originalidade e do egotismo: primeiro a banda toca um tema, aí o guitarrista fica três horas solando (dessas três, duas são subindo e descendo escalas de nomes estranhos - outro dogma jazzístico, aliás), volta o tema e tchau. Uma vez um professor muito querido mas também um tanto equivocado disse que "a música é pretexto para improvisar", o que equivale dizer que "a arte é pretexto para a exibição narcisística". É esse tipo de mentalidade que faz com que 90% das pessoas fuja da música instrumental - eu mesma não via a hora de buscar refúgio no som trash do busão cascavelense.

3. Planeta Terra


Sábado, dia em que completei 26 anos, rolou o Festival Planeta Terra, disparado o melhor e mais bem organizado do Brasil. Como já estou velha, resolvi ver poucas atrações. Comecei pelo Yeasayer, ótima banda do Brooklyn que fez um show delicioso. Vi o início do Passion Pit, mas a voz de gás hélio do vocalista me encheu o saco, então encontrei umas amigas e fui comer. Fugi do Phoenix, banda sem graça que misteriosamente lotooooooou a pista do palco principal, e voltei pro Pavement (agradecimentos eternos ao pessoal hype que foi ver Hot Chip e deixou a pista parecendo salão de baile). Show FODA: Stephen Malkmus em pose blasé enquanto os outros caras da banda piravam, super alegres de estarem ali. No set list, Stereo, Gold Soundz, Shady Lane e Cut Your Hair. Nessa, achei que a plateia fosse cantar o 'uh uh uh uh...' com mais vigor - mas também achei que veria montes de camisa de falnela e não vi, nada é perfeito nessa vida. Ah, e teve também Range Life, em que eles tiram um sarro do Smashing Pumpkins.

Já o show do Smashing Pumpkins foi polêmico: monte de gente descendo o cacete, mas eu achei bem bom. Ok, o solo de bateria foi ridículo, a guitarra tava desafinada em Today e a baixista estava lá de enfeite, mas justiça seja feita: a versão mais roqueira de Ava Adore foi animal, Tonight Tonight e Bullet with buterfly wings não tem como dar errado e as músicas novas não são geniais, mas estão longe da mediocridade. Então por que tanta implicância com Billy e sua turma? Tenho um palpite: a implicância vem do fato de Billy Corgan ser um mala e, pior do que isso, de sua atitude de rockstar de gênio difícil estar fora de moda. Enquanto o Pavement e as bandas pós-Strokes são formadas por caras comuns, desses com quem gostaríamos de tomar uma cerveja no boteco, Corgan não se livra da aura de estrela de multidões. Nos anos 90, quando isso ainda existia e o Pumpkins era uma puta banda, dava pra engolir o temperamento do moço. Hoje não dá mais.

4. Metal Machine Trio
Lou Reed desembarcou em Sampa pra fazer um show baseado no inaudível disco Metal Machine Music. Os ingressos evaporaram em uma hora e eu acabei ficando sem.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Cinema punk

Hoje, na Mostra de Cinema de São Paulo, vi um filme do diretor punk francês François-Jacques Ossang chamado O caso da divisão Morituri. 'Bizarro' é o único adjetivo que consigo colocar nesse treco. Nem sei se gostei ou não, porque não dá pra entender lhufas da história misturando gladiadores pós-modernos, jornalistas espertalhões, deuses pagãos, RAF (aka Grupo Baader-Meinhof) e experiências de privação sensorial. Os defeitos na legendagem eletrônica, marca da Mostra, também não ajudaram no quesito 'compreensão'. Mas a trilha sonora é fodástica e e dá o tom nas cenas mais frenéticas - o 'problema' é que a montagem esquisita cria vários momentos de clímax que são rapidamente abortados.

Na hora dos créditos, apareceu o nome das bandas que colaboraram, mas como o negócio ficou durante um micro segundo, só consegui ler Cabaret Voltaire. Fucei na internet, mas não consegui achar a lista certinha. Se alguém souber, fico eternamente grata. E se alguém souber que banda é nessa cena específica, também agradeço:


Morituri_privation_sensorielle
Carregado por boukan-boukin. - Temporadas completas e episódios inteiros online

Há pouquíssimo material de Ossang na internet. O média metragem Silence, com trilha sonora do Throbbing Gristle, é um dos raros registros on-line:


FJ Ossang - Silencio

Dougherty | Myspace Music Videos

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Avant-garde project


Já falei rapidinho aqui sobre o Avant-garde Project, iniciativa de um cara chamado Lou Davenport, dono de uma grande coleção de discos de música erudita contemporânea. Ao perceber que muitos desses discos estavam fora de circulação, ele resolveu convertê-los em arquivos de áudio e compartilhar com o mundo. Zero comercialismo e 100% idealismo, visto que ele não lucra nada e ainda tem o trabalhão de fazer as conversões. Alguns meses atrás, tive um probleminha baixando um dos discos, mandei um email para ele comunicando a falha e aproveitei para fazer uma entrevistinha por email. Segue aqui:

Como você se tornou um fã de música erudita contemporânea? É apenas algo que você aprecia ou você trabalha com música?
Não tenho nenhuma educação em música, não toco ou componho. Comecei a ouvir esse tipo de música décadas atrás, quando percebi que um monte de compositores do pós- guerra estavam produzindo combinações de timbres e harmonias fascinantes e sem precendentes. Eu amo sons e gosto de me expor à maior variedade possível de sons interessantes, então comecei a colecionar e ouvir LPs de música clássica de vanguarda.

Quando você teve a ideia do Avant-garde project?
No começo de 2006, percebi que Acustica, do Mauricio Kagel, não estava disponível em nenhum formato além de alguns MP3 na ubuweb. Eu queria compartilhar esse trabalho incrível, então tive a ideia de converter meu LP e fazer upload no bittorrent. Isso me fez pensar que eu era uma das poucas pessoas com (a) uma coleção grande de LPs de música clássica do fim do século 20, (b) um aparelho analógico topo de linha com conversor analógico-digital, (c) familiaridade com bittorrents e (d) tempo livre suficiente para transcrever e fazer upload desse material. Assim, senti uma certa obrigação em fazer com que esses discos estejam disponíveis para mais pessoas.
Comecei com alguns favoritos pessoais, e, a partir do momento em que ficou claro que havia interesse no projeto, comecei a transcrever trabalhos fora de circulação de maneira mais sistemática. De início, pensei que fosse fazer umas trinta ou quarenta partes, então pareceu que eu teria material para umas oitenta, e agora estou com mais do dobro desse número. Depois de fazer upload de uns vinte discos, percebi que a “seeding bandwidth” dos partidários do AGP estava se estreitando para manter todos esses torrents disponíveis, então comprei o domínio avantgardeproject.org e assim as pessoas podem fazer download direto do servidor.

Quais são seus favoritos entre toda sua coleção e entre os discos que estão no arquivo do Avant-garde project?

Veja aqui: http://www.avantgardeproject.org/favorites.htm

Você mantém o site sozinho?
Sim. Apesar de alguns partidários do AGP terem ajudado fornecendo material e hospedando “mirror sites”, continua sendo uma operação de um homem só.

Discos de música clássica contemporânea são extremamente difíceis de achar e também muito caros. Os que você postou no site são ainda mais difíceis de conseguir. Me conte como você formou sua coleção de discos – você costuma ir a sebos? Compra pela Internet?
Comprei MUITO em lojas de discos usados em um período de décadas. Eu comprava agressivamente no fim dos anos 80 e começo dos 90, quando pessoas com coleções grandes de LPs estavam mudando para o CD e se desfazendo de suas coleções. Perda deles, ganho meu.

Existe algum disco que você esteja procurando, mas ainda não conseguiu?
Não me vem nada à cabeça imediatamente. Com pouquíssimas exceções, o ebay me proporcionou preencher as lacunas, exceto naqueles casos em que o preço é muito alto para mim.

Apesar do site conter apenas trabalhos fora de circulação, você teve algum problema com copyright?
Tive alguns pedidos para remover material, e o fiz imediatamente após ler o email, e os representantes dos donos dos copyright têm sido geralmente amigáveis. Acho que eles perceberam que o AGP existe para servir os compositores e os fãs dessa música incrível, e que eu não quero interferir em nenhuma atividade comercial, já que o mecanismo comercial sempre será o melhor meio de oferecer mais música a mais pessoas, e temos que respeitar isso.

O projeto é focado na música do século 20. Você tem intenção de expandi-lo para a música do século 21 também?
Só se começarem a lançar montes de LPs de música clássica do século 21 e estes LPs saiam de circulação.

Para terminar: a música clássima contemporânea é considerada a forma de arte contemporânea mais impopular. Por exemplo, pessoas comuns conseguem curtir uma exposição de artes visuais em um museu, mas ouvir algo como música eletroacústica é quase insuportável para elas. Você recomenda algum tipo de “treinamento auditivo” para aqueles que querem entrar nesse universo, mas ainda não são familiarizados a ele?
Honestamente, não tinha pensado muito nisso. Lembro de ter lido em algum lugar que música é sobre preencher as expectativas dos ouvintes o suficiente para lhes proporcionar satisfação e uma experiência inteligível, mas não tanto a ponto da música soar banal e desinteressante. Acho que as pessoas variam em quanto elas preferem uma música que fica no terreno do familiar e previsível versus música que as desafiam com o novo e o inesperado. Para gostar de música clássica conemporânea, acredito que você já tem que querer ser desafiado pela música. A maioria das pessoas não quer isso. Elas gostam do que é familiar e previsível porque elas querem simplesmente ser entretidas pela música. Duvido que as pessoas possam se treinar para querer algo diferente do que elas querem naturalmente. Mas talvez!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Dossiê Brooklyn 2: Dirty Projectors


Ano passado, quando lançou o disco Bitte Orca, o Dirty Projectors deixou todo mundo passado. Ao lado de Merriweather Post Pavilion, do Animal Collective, e Veckatimest, do Grizzly Bear, foi um dos melhores álbuns de 2009 e uma das razões de existir do Dossiê Brooklyn.

Agora no fim de junho, a banda lançou um EP em parceria com a Bjork, ligado a uma campanha para salvar as baleias (o site, em que dá pra baixar o disco é http://www.mountwittenbergorca.com/). Nas sete faixas do EP, o Dirty Projectors consegue um resultado ainda melhor do que o de Bitte Orca em aliar ousadia e delicadeza e beleza e esquisitice. Apesar de ter baixo, bateria e guitarra/violão, o Dirty Projectors usa muito a voz como instrumento de base - e, para isso, as três vocalistas muitas vezes utilizam timbres estranhos e, podemos até dizer, feios. Mas essa possível feiúra se dilui na beleza das melodias, na delicadeza dos arranjos. E o resultado dessa mistura é uma música que não chega a ser etérea ou onírica. É música terrena mesmo, mas que passeia por paisagens incomuns e estranhamente belas.

A primeira faixa do EP Mount Wittenberg Orca (observação inútil: o DP deve ser a única banda do mundo que já usou a balavra "orca" no título de dois discos) tem um clima "canto de baleias" que pode ser um pouco sacal, mas que faz muito sentido como introdução de um disco feito para salvar o cetáceo. E, embora haja algumas letras cujo eu-lírico é uma baleia, a coisa passa longe de "We are the orcas/ save the orcas/ let's make a better orca place". Não, nada de demagogia sentimentalista. Apenas um ótimo disco voltado para uma igualmente ótima causa.

Minhas duas faixas favoritas são When the world comes to an end e No embrace, ambas cantadas por David Longstreth, criador do DP e compositor de todas as músicas do grupo, além de guitarrista e vocalista.



A New York Magazine publicou há um tempo um artigo bem legal sobre a banda e o por quê do Brooklyn ter se tornado um celeiro de bandas boas - e não é nada na água, como eu supunha....

domingo, 4 de julho de 2010

A cura do pastiche


Desde o ano passado, o genial Beck está levando a cabo um projeto insano chamado Record Club. Ele junta uns colegas e, em um dia, regrava algum disco clássico (ou "clássico"). A cada semana, ele disponibiliza em seu site um vídeo com uma faixa. Tudo começou com The Velvet Underground & Nico (o cara tem BOLAS, vamos combinar) e o último da lista foi Kick, do INXS - e não é que Beck conseguiu tornar inteligentes e empolgantes as músicas de uma das bandas mais insossas da música pop? A balada breguinha Never Tear Us Apart ficou linda de morrer, apesar dos versos melecados continuarem os mesmos.

Mas eis que o moço resolveu chutar o balde: chamou Thurston Moore, Tortoise e diversos músicos de estúdio para regravar (tremei) Live at Acropolis, do Yanni (!!!!!). Mesmo que não se lembre do nome, você já deve ter visto esse show pelo menos de relance quando zapeava a TV na época do Natal - embora não seja um show natalino, as emissoras ganham um ar épico nessa época do ano. Enfim... Esse show, gravado na Acrópole, em Atenas, é a definição de kitsch: pretende ser grandioso, mas é apenas cafona; pretende ser erudito, mas é tão vulgar quanto uma Surra de Bunda. Zeus deve ser um camarada bem misericordioso, do contrário teria lançado um raio bem na testa de Yanni, enquanto este tocava melodias baratas fazendo cara solene e batendo cabelo. Isso sem falar no bigode INDECENTE. Um clássico do mau gosto dos anos 90.

Mas Beck, que é um cara de coragem, resolveu encarar a besta-fera. A primeira faixa, Santorini, já está disponível e é de cair o queixo. Ouça e veja a original e a de Beck/Thurston - sim, eles encontraram a cura do pastiche:




Record Club: Yanni "Santorini" from Beck Hansen on Vimeo.

Observação: este blog acabou de completar dois aninhos - e eu, mãe desnaturada, nem dei uma festinha. Mas o 100º post se aproxima e aí vai rolar uma playlist comemorativa. Até!


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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Metal, aqui me tens de regresso + arte & tortura


Dos 13 aos 18 anos fui uma fã incondicional de metal, prinipalmente do (engasgo constrangido) metal melódico. Lembro que uma vez eu li uma entrevista com o Max Cavalera, logo que ele montou o Soulfly, dizendo que o metal é o gênero de música mais brega que existe. Na hora, fiquei com raiva e achei que o cara tava querendo aparecer (afinal, o Soulfly É uma banda de metal, ainda que misturado com 300 outras coisas), mas depois que conheci Velvet Underground e me toquei que tudo aquilo que eu achava uma puta música bem feita era uma bela duma farofa kitsch, entendi o que Max dizia.

Mas eis que, de uns tempos pra cá, venho me deparando com bandas que provam que há, sim, vida inteligente no mundo do metal (não no do metal melódico, esse é uma desgraça mesmo). Primeiro foi o Swans, que não é exatamente metal, mas também não deixa de ser (falei deles aqui), depois o Sunn O))), depois o Fantômas e agora o Naked City, do saxofonista esquizofrênico-avant-garde John Zorn.

Acabei de ouvir a Black Box, que é uma espécie de compilação contendo as "miniaturas grindcore" do disco Torture Garden e a faixa Leng Tch'e. Só para ter uma ideia de como o cara é louco: a miniatura mais longa dura 1min18 (algumas duram 10 segundos) e Leng Tch'e dura 31min39. Moderação não é um conceito muito apreciado por Zorn.

As miniaturas são uma espécie de cruzamento entre Napalm Death e Ornette Coleman: barulhentas, experimentais, desagradáveis e muito bem tocadas - quando a banda dá uma leve guinada pro jazz, é possível perceber como os músicos são bons e técnicos. Uma delas aparece na abertura do filme Violência Gratuita, de Michel Haneke:



Não gostou? Então nem pense em chegar perto de Leng Tch'e. Durante a primeira metade da música, ela segue uma linha drone: bem pesada e arrastaaaaaaada. Não gostou? Então aperte stop enquanto é tempo, porque mais ou menos da metade pro final, a coisa se transforma em um inferno. Yamakata Eye, o japonês doido que berra em certas faixas de Torture Garden, reaparece aqui, só que dessa vez berrando durante vários minutos - e ainda por cima acompanhado de um saxofone que parece querer imitar uma garota de 11 anos tendo ataque de histeria. Tentei achar uma metáfora de sensação física para expressar o que é essa música (estupro? tortura? ter o estômago cutucado por uma agulha de tricô??), até que dei um rápido pulinho na Wikipedia e achei a analogia perfeita.

Acontece que o próprio nome da música, Leng Tch'e, quer dizer "morte por mil cortes" e foi uma "técnica" de execução praticada na China. A última aconteceu em 1905, foi fotografada e adivinha? A capa do álbum é justamente essa foto (quem quiser ver, clique aqui).

Agora voltemos ao começo, quando eu falei da vida inteligente no metal. Uma das bandas citadas foi o Fantômas, do Mike Patton. Pois este grupo também lançou um disco parecido com Leng Tch'e, só que PIOR. Trata-se de Delirium Cordia, faixa de 75 minutos de duração cujos últimos 20 minutos consistem em um barulho de vitrola tocando um disco sem nada gravado, apenas um arranhão. VINTE MINUTOS. E o que vem antes também não é muito mais agradável que isso não. Na wiki, Delirium Cordia é comparado a uma cirurgia sem anestesia. Acredite, não é uma comparação injusta.

Agora voltemos alguns meses atrás, quando fiz a resenha de Devil Choirs at the Gates of Heaven, do Glenn Branca, e contei a historinha de que John Cage o acusou de fazer fascismo musical. Imagine o que o papa avant-garde diria se ouvisse os dois discos acima citados. Porque a música do Glenn Branca, se você se submeter a ela, é bonita. Já Leng Tch'e e Delirium Cordia não. E não é uma questão de gosto: elas foram claramente feitas para serem desagradáveis, quase insuportáveis.

Agora voltemos ao presente e perguntemos: por que um artista quer torturar seu público? O que está por trás disso? Revolta contra o sistema? Revolta contra a necessidade da arte ser bela? Sadismo? Terrorismo sonoro? Não sei. Só sei que, quando a música acaba, dá um alívio imenso, uma sensação de "sobrevivi, agora me tira daqui!!".

Se eu odiei os discos? Não, pelo contrário. Tenho certeza de que em breve ouvirei novamente. E por que o público (eu) quer ser torturado outra vez? Sei menos ainda...

Para mais metal, tortura e música errada em geral, acompanhe Destruindo Pianos no Facebook.


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